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MEMÓRIA Em 1975, menores abandonados lotavam as ruas de Campo Grande Guardar e limpar carros ou carregar compras: meninos pobres eram figuras típicas no cenário da cidade 21 FEV 2019 • POR RAFAEL RIBEIRO • 00h05

ACONTECEU EM 1975...

Bom dia, boa tarde, boa noite... Como vocês estão nobres leitores? Espero que bem. 

Dois anos antes de ser alçada como uma das capitais de estado do Brasil, Campo Grande já então a maior cidade do antigo Mato Grosso integrado, apresentava um problema muito característico dos grandes centros urbanos do País naqueles anos 1970: crianças e jovens abandonados.

Não é a primeira vez que este escriba vem trazer neste espaço assuntos dos problemas urbanos de uma cidade que crescia em ritmo acelerado. Já capital, Campo Grande viu denúncias de mães que alugavam desde crianças e pessoas doentes para pedir esmolas, quanto o aumento no número de favelas (perdeu? poxa, só clicar aqui e conferir).

Desta vez vamos voltar mais ao tempo em relação àquela coluna. Vamos em  18 de fevereiro de 1975, quando o Correio do Estado estampava em sua capa uma foto emblemática: um menino sentado sobre o capô de um veículo, recebendo uma nota de uma mulher.

Para entender o fato, vamos à página dois da edição, onde o jornal estampa em sua principal reportagem: "Problemas de menores: um abandono total".

Com um texto reflexivo, o Correio aponta: as proximidades da Rua 7 de Setembro, do Mercado Municipal, do Morenão em dia de jogos e da então feirona na Avenida Mato Grosso estavam cheios de crianças e adolescentes pedintes de dinheiro. Sujos, descalços e com roupas rasgadas, ofereciam serviços de flanelinha, ou seja, limpeza e guarda dos carros, além de carrehar sacolas com compras de mulheres;

A coisa ia além, mostrou o jornal: geralmente quando a opção de pagamento do carro era recusada, inevitavelmente a pintura era riscada e a antena quebrada. Mas o próprio texto alertava. Eram casos isolados. A deliquência juvenil, próximo estágiuo dos menores abandonados no Brasil, estava longe de ser uma realidade. A maioria buscava de forma honesta conseguir um "dinheirinho" para ajudar em casa.

"O problema dos menores, em Campo Grande, cresce a cada dia que passa e, infelizmente, nada, ou quase nada, é feito no sentido de daruma orientação melhor aos pequenos. Muitos deles, sem dúvida, marginais do futuro. A luta pela sobrevivência, os problemas em casa, o abandono quase que total por parte dos pais e algo que deve merecer maior atenção", criticou o Correio na reportagem.

Segundo o jornal, quando o número de meninso nas ruas era bem menor e sua maior ocupação era a de engraxate, a Prefeitura agiu: junto do Juizado de Menores fichou os jovens, deu carteirinhas de identificação, uniformes e permitiu sua atuação.

O texto na íntegra da reportagem você pode ler abaixo. Muitas das sugestões feitas pelo Correio foram abraçadas na década seguinte, quando fora criado o Instituto Mirim e, com isso, os meninos foram aproveitados na função de venda dos carnês com tíquetes de estacionamento.

MISÉRIA

Foi em 1975 que o Correio se dedicou pela primeira vez ao problema social ocasionado pela falta de planejamento urbano adequado. "População favelada cresce 11% ao mês", é a manchete da edição do dia 13 de agosto daquele ano.

Em um texto analítico exposto logo na capa, o jornal expunha o primeiro levantamento do tipo feito pela Secretaria Municipal de Promoção Social, a mando do então Governo de Mato Grosso, após pedido de verbas e provimentos à gestão federal de Ernesto Geisel (1974 a 1979), o quarto e penúltimo dos presidentes militares.

No texto, é destacado que os então seis núcleos habitacionais de condições ínfimas (nome pomposo à época para favela) cresceram 89% no período entre dezembro do ano anterior e aquele mês.

Segundo estimativa da própria prefeitura, Campo Grande tinha 2.212 favelados em dezembro de 1974. Nove meses depois a população em, situação de caos social já chegava a 2.622, faltando a contagem em dez dos 16 núcleos ínfimos que já contabilizavam a cidade. Em dezembro daquele ano, seguindo o ritmo de crescimento, a população em favelas era estimada em cerca de 5.100.

Só para efeito de comparação, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimava a população da Cidade Morena em 140.233 habitantes naquele ano (a então capital Cuiabá tinha 103.427 moradores). Ou seja, em 1975, um a cada 36 campo-grandenses viviam abaixo da linha da pobreza nas favelas. O mesmo índice era considerado nulo no início daquela década.

Para tentar brecar esse crescimento, o então prefeito Levy Dias prometia usar o censo municipal para pedir ao governo federal da ocasião, mais precisamente ao Ministério do Interior, a construção de 1.000 moradias populares em algumas das favelas. Não haveria tempo com a divisão do Estado e muitos dos projetos habitacionais da Capital só seriam construídos nos anos 1980.

E quem formava a população de favelados da cidade, segundo o jornal? É o que uma série de reportagens naquele mês tratou de desvendar. Descobriu-se que a maioria eram camponeses desabrigados do interior de todo o Mato Grosso unificado, além da região oeste do interior de São Paulo e também Paraná e Goiás. 

*SOBRE O AUTOR: Rafael Ribeiro é jornalista desde 2004, graduado pela Faculdade Cásper Líbero (SP). Paulistano, mora em Campo Grande desde 2016 e também é graduado em História pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Estudos Brasileiros pela Fundação Escola Paulista de Sociologia e Política de São Paulo.

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