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INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA OAB critica "higienização social" proposta por lojistas do Centro Advogados prometem agir contra proposta de abaixo-assinado 22 FEV 2019 • POR RAFAEL RIBEIRO • 17h27

Demorou menos de 24 horas a primeira manifestação pública de algum setor de Campo Grande contra o abaixo-assinado lançado por lojistas da região central da Capital que propõe a internação compulsória de moradores de rua da cidade. Na tarde desta sexta-feira (22), a Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul divulgou dura nota contra o que considera "práticas de higienização social."

"Viemos a público emitir nota de pesar e total repúdio em face da iniciativa atentatória adotada pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande e pela Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas em Mato Grosso do Sul ao encabeçarem o abaixo assinado 'Menos andarilhos, mais segurança!', atitude essa totalmente contrária aos princípios que regem a dignidade da pessoa humana", diz o texto, assinado em conjunto pelo presidente da entidade, Mansour Elias Karmouche, além das comissões de Direitos Humanos, Segurança Pública e Direitos Sociais.   

"Tais 'iniciativas' além de coibirem o livre exercício do direito de ir e vir assegurada pela Constituição Federal, ainda incita a população a tomar medidas radicais, ilegítimas e injustas a pessoas que estão em situação de vulnerabilidade", completa a nota.

De acordo com a OAB/MS, "a adoção de políticas de 'higienização social' será duramente combatida pela seccional estadual." "Temos o compromisso claro de assegurar o Estado Democrático de Direito, não podendo ser omissa a atitudes que não vão de encontro às garantias fundamentais, ao Direito Constitucional e Internacional", aponta o texto.

POLÊMICA

Com 123 assinaturas até a publicação desta reportagem - a meta é 1.500 e na última quinta (21) eram apenas 88 apoiadores, o "Menos andarilhos, mais segurança!" propõe que seja levado a discussão da internação compulsória de usuários de drogas da região central da Capital.

"Ação que promova o retorno de estrangeiros e cidadãos de outros municípios às suas origens, além do fim da distribuição de esmolas e alimentos nas ruas da Capital", diz o texto de apresentação do abaixo-assinado.

"Fizemos estudos e detectamos que Campo Grande tem cerca de 1,5 mil moradores em situação de rua. Existem problemas com usuários de drogas, existem problemas de drogas, existem transtornos mentais", disse Adelaido Luíz Spinosa Vila, ex-presidente do Conselho de Segurança e atual líder da FCDL.

Segundo ele, o debate vai ser levado aos vereadores e deputados estaduais como uma forma de enfrentar o crescimento de roubos e furtos, principalmente nas cercanias da Antiga Rodoviária, onde se concentra o problema, "para uma solução efetiva do problema e pela segurança dos campo-grandenses."

"É uma doença. E se a gente não agir agora no começo vamos perder a mão", disse Vila.

O trabalho começou, segundo o líder lojista, quando 22 integrantes do Conselho avaliaram as condições dos moradores de rua de Campo Grande. "A maioria são pessoas que vêm de fora, principalmente do Nordeste, em busca de uma vida melhor. São atraídos para funções em contrução civil e lavouras no interior e demitidos depois de um curto período. Acabam despachados aqui para a Capital depois", explicou.

Sem alternativas e com vergonha de voltarem fracassados para a casa, acabam virando alvo fácil de traficantes, que oferecem a droga como forma de aliviar o sentimento ruim. "Houve um aumento de 30% na população de rua em relação a 2017. Sempre ajudamos como podemos, comprando passagens, mandando algumas dessas pessoas de volta para suas famílias", disse.

Ainda de acordo com Vila, as críticas geradas são compreensíveis, mas o objetivo é chamar a atenção. "Estamos falando de seres humanos. Pessoas que tinham um objetivo de vida. Muitas delas tinham objetivo, queriam trazer seus familiares, ter uma vida melhor. Mas do jeito que está hoje não pode continuar. É uma doença. Chama-se a polícia, prende, solta. É um trabalho de faxina. E polícia não é faxineiro. Queremos chamar a atenção dos poderes, como o Ministério Público do Trabalho, para que fiscalize a atuação de quem contrata essas pessoas", disse.

AÇÃO NA CÂMARA MUNICIPAL

Enquanto o abaixo-assinado ganha as redes sociais, o vereador Otávio Trad (PTB) se reuniu, na última terça-feira (19), com o secretário Municipal da Assistência Social, José Mário da Silva, e com coordenador do Centro Pop, Artêmio Miguel Versoza. 

Na ocasião, o secretário e o coordenador do Centro Pop apresentaram dados referentes à população de rua da Capital que permitiram ao vereador elaborar projeto de lei apresentado na sessão ordinária desta quinta-feira (21) que cria o programa “Juntos Por Uma Nova Oportunidade”.

A proposta tem como objetivo fomentar e garantir a inclusão produtiva da população em situação de rua ou com trajetória de vida nas ruas, no Município de Campo Grande por meio da alocação no trabalho formal; inserção produtiva no âmbito do empreendedorismo e da economia solidária; exercício e desenvolvimento de atividades, capacitação ocupacional e frentes de trabalho nos órgãos e entidades do Poder Executivo Municipal ou em instituições parceiras do Município e qualificação profissional.

Conforme o projeto, as pessoas em situação de rua que demonstrarem interesse em participar do programa e preencherem os requisitos poderão atuar nas áreas de: construção civil; indústria e comércio; serviços gerais e domésticos; jardinagem, paisagismo e limpeza urbana; artesanato, criação e moda e logística em eventos, turismo e gastronomia. O projeto também prevê a possibilidade de concessão de incentivos fiscais a empresas privadas que empregarem participantes do programa.

“Hoje, essa é uma questão social que atinge o país de maneira geral. Quem visita outras capitais percebe que o aumento da população em situação de rua é intenso, gradativo e preocupante, e o mesmo acontece em Campo Grande. Diante desse panorama, me reuni com secretário Jose Mário da Silva, solicitei dados que nos possibilitaram identificar o perfil, as justificativas para essas pessoas estarem nas ruas e percebemos que temos que tomar providências. Por isso, apresentamos hoje este projeto de lei que tem como objetivo a ressocialização das pessoas em situação de rua em Campo Grade.

SITUAÇÃO

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS), Cerca de 80% das pessoas em situação de rua são homens entre 18 e 50 anos de idade, e tanto homens quanto as mulheres apresentam baixo grau de escolaridade.

Atualmente, a Capital possui três frentes de atendimento às pessoas em situação de rua. Conforme determina a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, há o Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), que é ofertado de forma continuada (24 horas) e programada com a finalidade de assegurar o trabalho social de abordagem e identificação das pessoas em situação de rua.

Em parceria com SEAS, há o trabalho desenvolvido no Centro Pop, que oferece atendimento de segunda a sexta-feira das 7h30 às 17h30. No local, as pessoas recebem alimentação, atendimento psicológico, além de auxílio para obtenção de documentos. Há ainda o Centro de Triagem do Migrante e População em Situação de Rua (CETREMI), a Casa de Apoio São Francisco de Assis e o Centro de Apoio ao Migrante (CEDAMI), que realizam serviço de acolhimento das pessoas em situação de rua.

De acordo com coordenador do Centro Pop, o local realiza em média 285 atendimentos por mês. Em casos de dependência química, as pessoas que aceitam receber tratamento médico são encaminhadas para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que desenvolve trabalho de recuperação do indivíduo e também o fortalecimento do vínculo familiar com objetivo de reintegrá-los ao núcleo familiar e à sociedade.