Logo Correio do Estado

OPINIÃO Gilberto Verardo: "A construção social da enfermidade" Psicólogo 12 JUL 2019 • POR • 01h00

Falar em sintoma ou patologia virou um mantra herdado da medicina, a qual criou uma cultura da doença tendo como pano de fundo a presença mítica de uma figura de jaleco branco e óculos, que, com seu semblante bondoso e suave, se coloca como única opção para os aflitos em busca de cura para seus males corporais. No plano econômico da sobrevivência falar em déficit orçamentário, poupança, receita e despesa se tornou o pão nosso de cada dia, ocupando espaço relevante da mídia, resumindo a existência humana ao desejo de um dia tornar-se um banqueiro. Não um bancário. Junte-se a isso a sensação de insegurança que vai além de alarmes, sirenes e fardas, que, nos noticiários querendo exercer controle social, termina por inibir a liberdade de cada um analisar seu próprio risco num ambiente social controlado por regras burocráticas e comportamentais emanadas de instituições com descrédito progressivo, respaldado por uma mídia replicadora com perda de sua imparcialidade critica. Se colocarmos a vida cotidiana nos meios urbanos observaremos que o automóvel e suas implicações estratégicas e orçamentárias consomem boa parte dos orçamentos públicos e privados.  O mercado de cordialidades, com seu aspecto patogênico de mediação burocrática, restringe a opção de escolher caminhos próprios para garantir a posso de seu tempo e autonomia nos deveres, com seus direitos garantidos tendo que obedecer a cordialidade dos tramites vagarosos. Querer entretenimento pela TV é ter que aceitar goela abaixo um telemarketing embutido, onde tudo que oferece sustenta uma ideologia de consumo que termina sua propaganda nos oceanos infestados por lixo plástico, onde a regra é o descarte lucrativo. Dos templos tradicionais substituído por uma tela em HD emana doutrinações metafisicas e transcendentais dizimáticas de fazer corar um albino hereditário, oferecendo soluções mágicas para problemas criados no mesmo meio social que nutre sua ganancia pecuniária. Virou, as religiões, irmãs siamesas da cultura da doença espiritual. Parece uma volta à Idade Média, onde os abastados garantiam, sob pecúnia, seu ingresso no paraíso perdido.

Muitos não gostam do termo Patologia Social, especialmente os teóricos dóceis com o sistema capitalista, mas, por ora, não nos ocorre outro termo mais adequado para querer distinguir um meio saudável de um meio que gera incertezas e inseguranças de toda ordem. Nosso modelo social está doente e precisa de novos paradigmas para velhas dificuldades individuais e coletivas. Talvez assim as pulsões de morte cedam lugar às pulsões de vida, onde o desejo, o sonho, a utopia e a liberdade voltem a compor a expectativa de vida das pessoas de todos os hemisférios terráqueos.

 Pessoas se colocam à margem da sociedade como que querendo procurar um sentido de vida que se esgota silenciosamente. Outros se dopam para não enxergar a estranha e confusa realidade. Outros ainda adoecem o corpo como última fronteira do pacto social perdido. Talvez os mais intransigentes com as mudanças culturais que ainda não nasceram, optam, sem poder criar uma expectativa de vida renovada, cometem o suicídio físico ou emociona. Quanto ao nosso sistema político, não cabe a ele todo o ônus, já que é imagem e semelhança da realidade social.

Talvez a doença de agora não seja orgânica e nem psíquica mais, mas a doença da perda do sentido da vida, que tem a ver com a plausibilidade dos valores em torno dos quais o homem organiza a si mesmo.