A execução do megatraficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, em 2016, no Paraguai, escancarou a rota do tráfico de cocaína boliviana dentro do Brasil, usando Mato Grosso do Sul como um dos principais corredores para a Europa. Isso estaria contribuindo para o expressivo aumento do volume de droga traficado e refletindo, também, na elevação de apreensões tanto no Estado quanto em portos marítimos brasileiros.
Pelo menos esta é avaliação de especialistas que monitoram o setor, apesar de a Polícia Federal também atribuir o aumento ao fortalecimento do combate ao tráfico de maconha no Paraguai, com frequentes destruições de plantações do produto. Isso estaria provocando uma diversificação da droga traficada, visando à cocaína boliviana.
Procurador do Ministério Público de São Paulo, Márcio Christino é um dos que avaliam que o volume de cocaína boliviana enviado para o Brasil e depois para a Europa teria crescido de forma significativa com a morte de Rafaat. Ele foi assassinado em atentado em 15 de junho de 2016, em Pedro Juan Cabalero, lado paraguaio da fronteira por Ponta Porã. O traficante morreu ao ter o carro que ocupava atingido por mais de 200 tiros de armamento militar de grosso calibre.
CONTROLE DO TRÁFICO
Por ocasião do assassinato de Rafaat, o então juiz federal Odilon de Oliveira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, avaliou que a morte do narcotraficante poderia ter sido arquitetada pela facção criminosa brasileira Primeiro Comando da Capital (PCC), que estaria em busca do monopólio do tráfico de drogas e armas na localidade. “O PCC não quer ver ninguém do Paraguai, porque é terreno fértil para eles, tanto de drogas quanto de armas”, analisou.
O procurador Márcio Christino acredita que a quantidade de cocaína traficada pela rota marítima que passa pelo Brasil começou a aumentar após a morte de Rafaat. Para ele, o traficante dominava o trecho Bolívia/Paraguai, mas não tinha penetração suficiente de controle da rota no Brasil. Com a sua morte, o império do narcotraficante tornou-se alvo de disputa de traficantes emergentes. Mesmo preso, outro traficante, Jarvis Ximenes Pavão, o “senhor das drogas”, passou a ser, segundo a polícia paraguaia, um dos suspeitos pela morte de Rafaat e um dos sucessores do tráfico na região. Em dezembro de 2017, Pavão foi extraditado para o Brasil. Somente em 2017, conforme policiais paraguaios e brasileiros, mais de 20 execuções foram registradas na região da fronteira. Outro nome na disputa pelo controle no território vizinho era Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”, preso no início deste ano em Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina. Ele seria ligado ao PCC.
Com a morte de Rafaat e após a eliminação de outros traficantes rivais, além da prisão de outros, a facção criminosa brasileira teria assumido a rota, operando também no Brasil, até os portos.
ROTA VOLUMOSA
Atualmente, grandes carregamentos de cocaína são levados de avião da Bolívia ao Paraguai, entrando depois no Brasil por terra. Para isso, são usados meios diversos, como camuflagens em caminhões de combustíveis e óleo vegetal e cargas de minérios e outras, rumo a portos como de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Itajaí (SC). Neste ano, apenas em Paranaguá, foram realizadas 13 apreensões pela Receita Federal, totalizando 8,2 toneladas de cocaína. Já em Santos, foram 29 ações da Alfândega, resultando em 13,6 toneladas de cocaína.
Nesse quadro, estima-se que Mato Grosso do Sul já apreendeu mais de 10% de toda a cocaína interceptada pela Polícia Federal nos 27 estados brasileiros, apesar de ser apenas um corredor desse tipo de entorpecente.
O procurador Márcio Cristino argumenta que o transporte da droga da Bolívia até os portos brasileiros é feito sob a coordenação do PCC. Se escapa da fiscalização, chega a portos como da Antuérpia (Bélgica) e Rotterdam (Holanda).
Dados da Polícia Federal indicam que nos primeiros cinco meses deste ano foram retidas, pela própria PF, cerca de 39,3 toneladas de cocaína em todo o País, contra 23,2 toneladas de igual período do ano passado. O volume indica um aumento de 69,4% nas interceptações, de um período para o outro. Em Mato Grosso do Sul, nos mesmos cinco meses do ano, foram apreendidas pela Polícia Federal 4,04 toneladas de cocaína, diante de apenas 1,9 tonelada em igual período de 2018. De um modo geral, o volume recolhido somente no período já supera a cocaína apreendida no Estado durante todo o ano passado, quando foram interceptadas 3,97 toneladas.