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ARTIGO Antônio Carlos Siufi Hindo: "A liturgia do cargo" Promotor de Justiça aposentado 5 AGO 2019 • POR • 02h00

Ações comedidas, palavras ponderadas, gestos generosos e atos que congraçam as pessoas são circunstâncias peculiares que norteiam as ações dos titulares dos cargos públicos. Essa festejada liturgia precisa ser um indicativo precioso do servidor público. Mas não precisa estar obrigatoriamente na administração pública. Na iniciativa privada, essa liturgia tem também o seu lugar. Seus indicativos surgem na forma simples de trabalhar dos senhores empresários. Seus gestos, seus atos e suas ações discretas despertam a confiança dos seus empregados. Empurram a empresa para uma concorrência leal. Fomentam o nosso desenvolvimento. Todos ganham com essa ação. 

Na área pública, tem uma preciosidade maior em razão do seu alcance. As ações dos seus titulares têm reflexos diretos em todo o território nacional. Alcançam o conjunto da população. Nesse diapasão, cresce de importância as formas sempre comedidas e simples de se expressar. As palavras, quando surgidas no calor de um enfoque, não podem ser instrumentos para humilhar, desrespeitar, afrontar consciências. Precisam ser discretas. Existem outras formas inteligentes de sustentar as opiniões. Exteriorizadas de forma impensada e provocativa, não contribuem em nada para legitimar o exercício e a força da autoridade. 

A função pública exemplar não se coaduna com esses rompantes. Londres Machado, político de larga experiência, sempre sustentou que nem tudo o que o político pensa no seu íntimo pode ser traduzido em palavras. Precisa ter o cuidado de guardá-la consigo, sentenciava. Esse é um exemplo digno de registro. Uma receita preciosa para os detentores de cargos públicos. Não tem nenhum cunho de advertência. Apenas a experiência conquista nas batalhas políticas. Mas esses políticos não são culpados pelas suas ações. São vítimas de uma caminhada histórica de tropeços. A história não mente. Está tudo registrado nos seus anais. 

O período colonial foi de absoluta exploração das nossas riquezas. O Império seguiu a mesma marcha. Pedro I fechou a Assembleia Nacional Constituinte pela força e implantou o regime despótico. Pedro II subiu criança ao trono. O objetivo principal era evitar a fúria de liberais e conservadores. Deodoro, que proclamou a República, renunciou o mandato e abriu espaço precioso para as disputas ensandecidas pelo poder central que se arrastaram até o epílogo triste e dramático da Velha República. A República Nova nasceu doente. A tirania de Vargas foi o seu retrato. A Nova República segue o mesmo destino. O calvário de Tancredo Neves foi o prenúncio do seu desastre. Sua sequência dispensa comentários. Somos suas testemunhas presenciais. 

Nesse quadro inóspito, fica difícil ajustar o perfil dos nossos dirigentes à liturgia do cargo que ocupam. Seria exigir o que não tem o devido preparo para oferecer. O que não será cumprido. Questões insignificantes envenenam as ações de governo. O brasileiro não quer retrocesso. Suplica pelas soluções dos problemas do nosso dia a dia. Donald Trump ofereceu o desejo de estabelecer uma parceria comercial com o nosso País. Algo importante para o nosso desenvolvimento. Noticia alvissareira para um punhado de desempregados. Esse é um tema precioso. Discussões estéreis não resolvem nada. Não queremos transformar o nosso sagrado território legado pelos nossos heróis; pelos nossos desbravadores; pelos nossos educadores; pelos nossos homens de letras; pelos nossos artistas; enfim, pelo labor do nosso povo em uma vergonhosa rinha de galo. Espetáculo nojento. 

As torcidas com as suas cores, torcendo de forma ensandecida pelo sangue dos animais na arena. A vitória das ideologias, dos princípios morais, éticos e democráticos não precisam ser retratados nesse episódio de desamor. É a luta implacável pelo poder. Mas isso tudo não lhes bastam. Fazem aflorar os vitupérios. Saltam as ofensas. Surgem os insultos. Levam a nação à beira de uma revolução sangrenta. Esse retrato não guarda nenhuma consonância com a nossa grandeza territorial, com o nosso precioso parque industrial, as nossas reservas petrolíferas, as nossas matas preservadas, a condição de celeiro do mundo. Esses são os temas para os grandes debates, aliados às reformas imprescindíveis para o nosso desenvolvimento integrado. O resto é estupidez pura. Sintoma explícito de uma morbidade que pode ser diagnosticada e curada. A receita foi dada. Para o bom entendedor não há necessidade de mais linhas.