Corriam os primeiros anos sessenta. Naquele tempo, o Brasil ia vivendo dias tumultuados e incertos da nossa história, vitima da própria desordem política sob a direção do governo central de então. Delicado incidente diplomático foi criado com um país, na ocasião, amigo do Brasil: a França. Uma troca de notas diplomáticas de cunho puramente semântico, pois o que se discutia era buscar um acordo amigável para pesca da Lagosta no nosso litoral, deu origem à crise entre os dois países. É bem razoável que, deste triste episódio, tenha se originado perniciosa deturpação de palavras pronunciadas pelo nosso embaixador em Paris, e logo atribuídas ao então presidente francês – “O Brasil não é um país sério”. Disso resultou a chamada Guerra da Lagosta, que se tratou de um contencioso entre o governo do Brasil e da França e se desenrolou entre 1961/1963, nas águas territoriais brasileiras da região Nordeste. A Guerra da Lagosta, assim conhecida porque franceses tripulando um bom número de barcos lagosteiros invadiram nossas águas, particularmente no Nordeste, para nelas realizar a pesca predatória do apreciado crustáceo, contrariando a legislação brasileira vigente à época, que proibia aquela atividade. Os lagosteiros franceses eram apoiados por dois contratorpedeiros da Marinha francesa: CTs Tartu e Paul Gaufeny.
Várias negociações, por via diplomática, foram tratadas com a França no sentido de não permitir a invasão das nossas águas pelos navios pesqueiros franceses. A França não levou em consideração os nossos argumentos, preferindo apelar para uma ação em força, apoiando a pesca predatória com navios de guerra da marinha francesa. Sob a denominação de Operação Lagosta, um grupo-tarefa (GT) da Marinha brasileira deveria ser formado e enviado o mais breve possível para Recife/PE, a fim de reprimir a afronta francesa. A ideia inicial era de se constituir o GT Vermelho 12.2 com o cruzador Tamandaré, quatro contratorpedeiros e, posteriormente, enviar outro cruzador e mais escoltas tão logo estivessem prontos. Tal decisão começou a se desfazer quando o estado do material flutuante foi apresentado.
Com diversos problemas técnicos de toda ordem e mais a falta de pessoal para guarnecer os navios (o fato ocorreu em pleno sábado de Carnaval), o GT inicial foi reduzido a um grupo-tarefa composto dos contratorpedeiros: Paraná (onde seguiu o Cmt do GT, o contra-almirante Norton Demaria Boiteux) e o Pernambuco. O GT, assim composto, seguiu para Recife, o destino final, por ser o porto mais próximo da área em conflito, onde os lagosteiros franceses atuavam. O GT ficou alguns dias na expectativa do confronto com os navios franceses, os contratorpedeiros Tartu e Paul Gaufeny que estavam assegurando a cobertura para três ou quatro pesqueiros. Foram trocadas, durante essa fase, mensagens pessoais entre os comandantes Boiteux (Brasil) e o francês no sentido de aguardarem ordem superior para o cumprimento das respectivas missões. O comandante francês ficou muito admirado quando o diálogo entre os dois foi estabelecido em francês, já que o comandante Boiteux dominava perfeitamente o idioma gaulês.
Nessa expectativa, o GT aguardava ordem superior para o cumprimento da missão, isto é, iniciar o combate. Felizmente para ambas as partes (Brasil e França), nesse meio tempo, as conversações diplomáticas e a interferência dos Estados Unidos e da ONU concorreram para evitar o iminente conflito e, como decorrência, a declaração de guerra. A retirada dos pesqueiros e dos contratorpedeiros franceses foi o sinal do regresso aos seus portos de origem. Um irônico e bem-humorado sinal de “boa viagem” emitido do contratorpedeiro Paraná, junto do afastamento do Paul Gaufeny da área de operações, marcou o fim daqueles momentos de apreensão vividos e apenas suportados pelas guarnições dos nossos navios de guerra, graças à liderança corajosa do almirante Boiteux, que agiu com prudência e firmeza – infelizmente atitudes só testemunhadas pelos que lá tiveram a honra de estar sob o seu comando. Síntese da Guerra da Lagosta: o Brasil venceu!