Uma igreja de Campo Grande terá que ressarcir um casal de fiéis em R$ 19,9 mil, após negativa de recurso por unanimidade dos desembargadores da 4ª Câmara Cível da Capital. A vítima vendeu o seu carro - por R$ 18 mil - e entregou como doação para a instituição com mais R$ 1,9 mil de sua aposentadoria.
De acordo com os autos do processo, o fiel esclarece que ele e a esposa frequentavam a igreja em busca de orientações espirituais e conforto, na esperança de amenizar a difícil situação financeira vivenciada na época. O homem informou que o depósito realizado não ocorreu de modo espontâneo, mas sim sob forte influência de um pastor ao prometer milagres na vida dos autores, induzindo-os a erro e em decorrência desta doação, o casal comprometeu o pagamento de contas de água, luz e demais itens básicos para a sobrevivência da família.
A igreja recorreu sob o argumento de que o judiciário não pode interferir na liberdade de liturgia religiosa e que está amparada pelo exercício da liberdade de organização religiosa. Aponta também que dízimo e oferta eclesiásticos não podem ser confundidos com doação, que o dízimo é ato metajurídico e não interessa ao mundo do direito.
Em sustentação oral, a defesa da igreja frisou que os atos eclesiásticos são feitos por mera liberalidade, pois os fiéis não são obrigados a doar coisa alguma. “A pessoa é livre para escolher a religião que segue como também para permanecer e cumprir o que é pregado no segmento religioso escolhido. O fiel veio de São Paulo para MS e continuou a frequentar a igreja, o que mostra que era grande conhecedor da liturgia da igreja”.
Em seu voto, o Des. Alexandre Bastos, relator da apelação, frisou que a doação verbal somente poderia ter sido realizada se versando sobre bem móvel e de pequeno valor, o que não ocorreu neste caso por se tratar de veículo no valor de R$ 19.980,00, portanto, sendo inválido o negócio jurídico.
O desembargador ressaltou que a venda do único automóvel e doação da aposentadoria, diante das condições pessoais demonstradas por meio de extrato bancário, valor de benefício previdenciário, entre outros dados pessoais, são suficientes para concluir que levaram ao comprometimento da subsistência do casal.
Sobre o argumento de que o judiciário não pode interferir ou de que os fatos não interessam ao mundo do direito, no entender do magistrado, não há nenhuma norma legal que garanta à entidade religiosa, independentemente da fé professada, qualquer tipo de isenção apenas pelo fato de lidar com a espiritualidade.