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MATO GROSSO DO SUL Poder e violência: saiba tudo sobre a operação contra Jamil Name e Fahd Jamil Porque o Gaeco prendeu conselheiro do Tribunal de Contas, fez buscas em casa de desembargador, e teve "Rei da Fronteira" como alvo 19 JUN 2020 • POR Eduardo Miranda • 13h23

Não é por acaso que os policiais responsáveis pela terceira fase da Operação Omertá, que tentou cumprir dezenas de mandados de prisão, denominaram esta terceira fase como Armagedom. 

Ela agiu contra os laços de influência e poder que o grupo chefiado por Jamil Name e Jamil Name Filho - ambos agiam em Campo Grande - tinha com vários órgãos da administração pública, e também com Fahd Jamil, de Ponta Porã, chamado de “Rei da Fronteira”, e considerado seu parceiro para trama de execuções e movimentações de arma.  

Em relação às autoridades, a operação resultou na prisão do conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul, Jerson Domingos , cunhado de Jamil Name; na prisão do delegado de Polícia Civil Márcio Obara, ex-titular da Delegacia Especializada de Homicídios de Campo Grande, que teria efetuado várias ações para dificultar investigações envolvendo execuções em que o grupo de Name e Fahd Jamil eram suspeitos de serem os mandantes. 

Foram feitos buscas no apartamento do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e desembargador aposentado Joenildo de Souza Chaves, que conforme o Grupo de Apoio Especial na Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), teria agido para obstruir as investigações.  

Ao pedir os mandados de prisão preventiva, de prisão temporária e de busca e apreensão cumpridos nesta quinta-feira (18), o Gaeco dividiu a nova fase da organização criminosa em dois núcleos: o comandado por Jamil Name, em Campo Grande, e o comandado por Fahd Jamil, em Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai.  

Como o leitor poderá perceber a seguir, os investigadores usaram provas robustas, que envolvem além do tradicional monitoramento de conversas telefônicas, informações telemáticas fornecidas pelo Google, como pesquisas em sistemas GPS e de busca feita por alvos da operação, além de áudios e conversas pelo aplicativo Whats App, verificadas após apreensões de telefones celulares na segunda fase da Operação Omertá, em 17 de março. Também houve quebra de sigilo bancário dos investigados, e monitoramento de suas transações financeiras

ALIANÇA COM FAHD JAMIL

O assassinato de Ilson Martins Figueiredo, ocorrido em 11 de junho de 2018, conforme a investigação do Gaeco e dos policiais do Grupo Armado de Repressão a Assaltos e Sequestros (Garras) é o elo que expõe a aliança existente entre o que os investigadores chamam de organizações criminosas de Jamil Name e de Fahd Jamil.  

A motivação do assassinato de Figueiredo seria o desaparecimento de Daniel Alvarez Georges, filho de Fahd, visto pela última vez em 2011, no Shopping Campo Grande. Daniel foi oficialmente declarado morto no fim do ano passado, oito anos após nunca mais ter sido visto.  

Figueiredo estaria - supostamente - envolvido na execução de Daniel Georges e, por isso, foi alvo da aliança entre as duas quadrilhas, segundo o Gaeco. Um dossiê que havia no carro de Figueiredo demonstrava quem seria o mandante de seu assassinato. O material não foi aproveitado no inquérito que investigou seu assassinato, omissão que revelou o compromisso de delegado Márcio Obara com o grupo de Jamil Name e Fahd Jamil (leia adiante).

VINGANÇA

Além do assassinato de Figueiredo, o grupo de Fahd Jamil, motivado pelo desejo de vingança pelo “sumiço” de Daniel Georges, também teria executado o pistoleiro Alberto Aparecido Roberto Nogueira (o Betão), em abril de 2016, e também de Orlando da Silva Fernandes (o Bomba) em outubro de 2018.

O grupo de Fahd Jamil, conforme informa o Gaeco, também mantinha na Fazenda Três Cochilhas, em Ponta Porã, uma fazenda que seria um verdadeiro “bunker”. Uma espécie de quartel-general da pistolagem. Os investigadores do Garras e do Gaeco acreditam que José Moreira Freires e Juanil Miranda, desaparecidos desde a primeira fase da Omertá, em setembro, estão ou estiveram escondidos por lá.  

O monitoramento avançado do Gaeco ainda permitiu verificar movimentações financeiras envolvendo os grupos de Jamil Name e Fahd Jamil. Elas sempre ocorriam em maior volume perto das  datas das execuções. Foram pelo menos oito transferências entre os grupos, no valor de R$ 130 mil, indica a investigação.  

No grupo de Fahd Jamil - ele era alvo de mandado de prisão preventiva que não foi cumprido - estão presos o filho dele, Flávio Correia Jamil Georges, Marco Monteoliva, Melciades Aldana (o Mariscal) e Thyago Machado Abdul Ahad, agentes operacionais e também alvos de mandados de prisão preventiva, e mais três policiais, Frederico Maldonado Arruda e Elvis Elvir Machado Lima, da Polícia Civil, e Everaldo Monteiro de Assis, policial federal, apontado como agente de inteligência (pesquisava detalhes do cotidiano dos alvos das quadrilhas). Everaldo também prestaria serviços ao grupo de Jamil Name, apontou a investigação. 

DELEGADO PROTETOR

O delegado Márcio Obara, preso nesta quinta-feira (18), curiosamente, foi quem - de uma certa forma - impediu que a Operação Omertá fosse desencadeada mais cedo. Esta investigação comandada pelo Garras e Gaeco, a “Força-Tarefa” para investigar execuções em Campo Grande, teve início depois que as investigações dos assassinatos de Matheus Coutinho Xavier (abril 2020), Ilson Figueiredo (junho de 2018) e Orlando da Silva Fernandes (outubro de 2018) ficaram “travadas” na Delegacia Especializada de Homicídios, chefiada por Obara.

No dia 30 de abril de 2019, o Correio do Estado chegou a noticiar a dificuldade para que as investigações dos assassinatos avançassem. Na época desta reportagem, a apuração dos crimes foi transferida de Obara para a equipe do delegado Fábio Peró, que depois de prender Jamil Name, em setembro do ano passado, passou a ser ameaçado pela organização.  

Uma prova de que as investigações andaram sob o comando de Peró, é que pouco mais de um mês depois que os crimes saíram da delegacia que na época era comandada por Obara, o guarda municipal Marcelo Rios foi preso em uma casa no Bairro Monte Líbano, em Campo Grande, com um baú repleto de milhares de munições.

No baú que estava sob o poder de Marcelo Rios, além de munições havia dados eletrônicos sobre crimes cometidos pelo grupo e armamento de alto poder de fogo: seis fuzis dos modelos 7.62 (dois deles do tipo AK-47), além de mais de uma dezena de pistolas, e também espingardas e revólveres, silenciadores e até ítens utilizado em torturas de pessoas. 

PROPINA

Os investigadores da Força-Tarefa que envolve Garras e Gaeco apontam que Márcio Obara, teria recebido propina de R$ 100 mil, dinheiro que teve o apoio do agente de polícia Célio Rodrigues Monteiro para ocultar. A propina seria para dificultar a investigação do assassinato de Ilson Figueiredo.  

Obara teria ocultado do inquérito sobre a morte de Ilson Figueiredo, “mensagens com menção expressa de que Alberto Aparecido Roberto Nogueira havia sido executado por estar envolvido com a morte de Daniel Alvares Georges (filho de Fahd Jamil)”. Estas mensagens estavam ao lado do corpo de Figueiredo, e foram sidos vistas por investigadores de polícia da delegacia, que estranharam o fato de elas não estarem presentes no inquérito.  

Também há menções na decisão do juiz Marcelo Ivo de Oliveira, que determinou a prisão preventiva do delegado de que, depois que os casos foram transferidos para a Força-Tarefa comandada pelo delegado Fábio Peró, Márcio Obara passou a assediar Peró e outro delegado do Garras, João Paulo Sartori. Obara teria questionado até aonde estes delegados queriam chegar, e se eles ficaram satisfeitos em apreender as armas, prender os executores e chegar até o “W” (o ex-policial Vladenilson Daniel Olmedo, preso na primeira fase da Omertá, em setembro).  

No caso de Célio, agente policial da confiança de Obara, segundo o Garras e o Gaeco, houve transferência de R$ 60 mil do delegado para o agente em setembro e em novembro de 2019. 

PODER 1: CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS

O conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul Jerson Domingos não chegou a ficar 24 horas na prisão. Preso no início da tarde de quinta-feira (18), foi libertado pelo desembargador Vladimir Abreu da Silva - que diz não ter notado “provas robustas” na investigação -  logo pela manhã desta sexta-feira (19).  

Os investigadores do Garras e Gaeco alegam que Domingos, desempenhava importante papel na organização criminosa supostamente chefiada pelo cunhado dele, Jamil Name.

Foram encontradas com Jerson mensagens em que ele trata com o advogado David de Moura Olindo (alvo da segunda fase da operação) de um suposto pedido de ajuda de Paulo Teixeira Xavier (policial militar, pai do estudante Matheus Coutinho Xavier, executado por engano, no lugar do pai - conforme o Gaeco - em abril de 2019) para ir embora de Mato Grosso do Sul. Na ocasião, Jerson falou que havia reportado tal pleito ao “chefe” Jamil Name.  

Na decisão que resultou no mandado de prisão preventiva contra Jerson, da lavra do juiz Marcelo Ivo de Oliveira, Jerson Domingos ainda menciona que Jamil Name tinha vontade de mandar matar Paulo Teixeira Xavier, mas que não tem culpa “se alguém foi lá  e matou o filho dele”. Jamil Name, Jamil Name filho, estão entre os réus do processo que julga o assassinato de Matheus.  

Domingos também é apontado como um dos executores do suposto plano de Jamil Name, investigado pela Força-Tarefa, para matar o delegado de Polícia Fábio Peró e promotores de Justiça do Gaeco. O nome dele é citado em bilhete de um presidiário da penitenciária federal de Mossoró (RN), onde Name está detido, que cita o plano com vários detalhes.  

O juiz Marcelo Ivo de Oliveira, em sua decisão que resultou na breve prisão de Jerson lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendem que o foro privilegiado é aplicado quando o crime investigado tem relação com a função exercida pela autoridade. 

Como os laços de Domingos e Jamil Name não têm relação direta com sua atuação no Tribunal de Contas, o caso está sendo tratado na primeira instância. 

PODER 2: DESEMBARGADOR

O apartamento do desembargador aposentado, Joenildo de Souza Chaves, que já presidiu o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Eleitoral, também foi vasculhado pelos investigadores do Garras e do Gaeco. Conforme a Força-Tarefa, Joenildo tem ligações com Jamil Name.  

Quando Jamil Name foi preso, em setembro do ano passado, havia uma folha de cheque de Joenildo, de R$ 100 mil, no guarda-roupa de Name. Mas há muito mais: o monitoramento de inteligência dos policiais verificou que Joenildo foi à casa de Jamil Name nos dias próximos à prisão do guarda municipal Marcelo Rios (com um arsenal, com fuzis AK-47, em maio de 2019) e em setembro de 2019 (perto da prisão de Jamil Name).

A Força-Tarefa suspeita que Joenildo pode ter ajudado a obstruir a investigação do assassinato de Matheus Coutinho Xavier. “No caso, a pessoa de Paulo Teixeira Xavier (pai de Matheus, que atuou com o grupo) informou que foi procurado por Joenildo de Souza Chaves que, atuando como emissário de Jamil Name, lhe perguntou se havia prestado declarações ao Gaeco e ao Garras”.

DINHEIRO VIVO

Alvo de busca e apreensão da segunda fase da Operação Omertá, Cynthia Name Belli também foi presa nesta quinta-feira (18) na terceira fase da ação contra a suposta milícia. Foram as informações levantadas no cumprimento dos mandados de busca, em 17 de março, que fundamentaram o pedido de prisão preventiva.  

Bilhete encontrado com presidiário federal de Mossoró, indicava que ela - assim como Jerson Domingos - havia recebido ordens de Name para operacionalizar o plano de execução de autoridades.  

Também para fundamentar a prisão de Cynthia, a Força-Tarefa descreve ações que ela desempenha em favor da suposta organização, como o aluguel de uma casa no Rio Grande do Norte, onde Name está preso, na tentativa de justificar um pedido de liberdade para ele. Também são descritos telefonemas e mensagens em que ela articula ações entre integrantes do grupo.  

Em março deste ano, quando foi alvo de busca e apreensão, os investigadores ressaltaram a facilidade com que a suposta organização criminosa tem em levantar dinheiro vivo. “É incrível”, afirma o juiz Marcelo Ivo de Oliveira, em sua decisão.  

Na ocasião, Cinthya tinha R$ 49 mil em “cash” dentro de seu apartamento, e mais R$ 102.631,00 em cédulas e moedas em sua sala no escritório da Família Name.  

“E não foi por outro motivo que Jamil Name e Jamil Name Filho, ao colocarem em andamento plano para executarem autoridades de Mato Grosso do Sul, anotaram que as armas para matar o delegado de polícia “Peró”, seriam providenciadas por Cynthia Name Belli”, ressalta o juiz Marcelo Ivo de Oliveira na decisão que autorizou a prisão dela.

POLICIAL NA ASSEMBLEIA

Além de Cynthia, o policial militar Rogério Luís Phelippe, alvo de mandado de prisão, também exerce função importante no grupo investigado. A atuação dele passou a ser ainda mais  fundamental depois da prisão de Jamil Name e de Jamil Name Filho, em setembro do ano passado.  

Phelippe, como demonstraram os policiais e promotores da Força-Tarefa fez várias buscas telemáticas envolvendo alvos do grupo. A ele, teria sido incumbido a função de ser “chefe de segurança dos Name”, informa a decisão do juiz Marcelo Ivo de Oliveira.  

O monitoramento policial também mostra que Phelippe passou de policial que pedia ajuda financeira, em 2018, a ostentar boas condições, em 2019, depois que ficou à disposição da Assembleia Legislativa de Mato Gosso do Sul.

Cynthia Name Belli, Rogerio Luís Phellipe, Jerson Domingos, além de Benevides Pereira, Lucas Silva Costa, Lucimar Calixto Ribeiro, Rodrigo Betzkowski de Paula Leite integram o que o Gaeco chamou de “núcleo 2” da Operação Omertá Armagedon.

A “BATALHA FINAL”

Se no idioma italiano Omertá está relacionado à laços intensos, que acabam naturalizando organizações criminosas de base familiar, como a Máfia Italiana, o termo hebraico Armagedom remete à “batalha final entre às forças do bem e do mal”.  

A Operação “Omertá - Armagedom” ocorre duas semanas depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, conceder habeas corpus que devolve Jamil Name, que está preso em Mossoró (RN), a um presídio estadual de Mato Grosso do Sul.  

Em regime disciplinar diferenciado, assim como os outros acusados que também estão na prisão potiguar: Jamil Name Filho, Vladenilson Olmedo, Marcelo Rios e Márcio Cavalcanti, Jamil Name está incomunicável.  

Se voltar a Campo Grande, Name pode não ter a mesma restrição que lhe é imposta em uma penitenciária federal. A nova prisão preventiva dele pode alterar os próximos passos desta operação policial, que chegou à sua terceira fase.  

Nesta semana, o juiz da Execução Penal de Mossoró (RN), Walter Nunes da Silva Júnior, deu andamento à devolução de Jamil Name à Campo Grande, e pediu para o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para organizar a operação de transferência. O juiz da Execução Penal de Campo Grande, José Esbalqueiro Júnior, porém, lembrou que existe novo pedido para Jamil Name continuar no sistema federal.  

Desde que o estado de calamidade pública por causa da pandemia do novo coronavírus foi decretado pelo governo federal, em março, o Depen está impedido de receber novos ingressos no sistema penitenciário federal. Se Name, que tem 81 anos, deixar as prisões federais, pode não voltar tão cedo às instalações do Departamento Penitenciário Nacional.

(Colaboraram Valdenir Rezende, Dênis Matos)

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