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transporte Consórcio Guaicurus descumpre pelo menos quatro cláusulas do contrato Análise da reportagem, mostra que pontos da terceira, sétima, oitava e décima oitava não são cumpridos 16 AGO 2021 • POR Rafaela Moreira • 09h00

As empresas responsáveis pelo serviço de transporte coletivo de Campo Grande, que formam o Consórcio Guaicurus, descumprem, pelo menos, quatro cláusulas do contrato de concessão em vigor, pactuado em 2012, com a Prefeitura de Campo Grande, segundo levantamento feito pelo Correio do Estado.

Após a Procuradoria-Geral da Câmara Municipal de Campo Grande não ter aprovado a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Consórcio Guaicurus, por avaliar que não havia um “fato determinado”, a reportagem analisou as cláusulas propostas no documento.  

Conforme apurado, a empresa quebra pelo menos cláusulas do contrato em execução, a terceira, a sétima, a oitava e a décima oitava. 

SEGURO  

De acordo com cláusula décima oitava do documento:

“O Concessionário, além dos seguros exigíveis pela legislação aplicável, contratará e manterá vigente durante o período da concessão, Seguro de Responsabilidade Civil, Geral e de Veículos, que deverá ser contratado na base de ocorrência”.

Contudo, em julho de 2020, a Prefeitura de Campo Grande multou o Consórcio Guaicurus em R$ 12 milhões, por não contratar o Seguro de Responsabilidade Civil, Geral e de Veículos, obrigatório em contrato com o município.

Após mais de um ano da aplicação da punição, a empresa ainda não quitou a multa que recebeu e recorreu da decisão na Justiça, alegando que o serviço é desnecessário, apesar de estar previsto no contrato de concessão. 

Com isso, até hoje o seguro não foi feito.

A cláusula do seguro tem como objetivo cobrir encargos relacionados a danos pessoais, morais ou materiais, decorrentes da prestação do serviço, incluindo danos causados por eventuais acidentes de trânsito.

Como exemplo, em 2019, a aposentada Maria de Assunção Oliveira, 74 anos, precisou amputar a perna após ser atropelada por ônibus em Campo Grande. 

Mesmo que o contrato exija seguro para todos os passageiros, a cobertura não existe. Por isso, a vítima do acidente buscou na Justiça uma indenização.

De acordo com o contrato de concessão, todos os passageiros devem ser amparados por um seguro para cobrir acidentes, por danos pessoais, morais ou materiais, o que não acontece.

FROTA  

Outra determinação descumprida no acordo é a cláusula oitava, “dos marcos executivos contratuais”, que determina que a idade média dos ônibus do transporte coletivo devem ter no máximo cinco anos de uso e a idade individual não pode ser maior do que oito anos.

Porém, conforme, a empresa mantém 239 veículos acima do limite permitido, o que resulta em 43% da frota de 550 veículos. Hoje, a média de idade da frota é de 7 anos.

É importante destacar que a renovação da frota é uma exigência contratual. De acordo com o documento o qual a reportagem teve acesso em junho deste ano, há também 85 ônibus datados de 2010, ou seja, com 11 anos de uso.  

Ainda assim, tramita na Prefeitura de Campo Grande um pedido do Consórcio Guaicurus para reduzir a frota total em 120 ônibus, com o intuito de se livrar desse montante de coletivos com idade acima do permitido.

SUBSÍDIO  

Conforme cláusula terceira do contrato de concessão: 

“O concessionário, para pleitear a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato deverá apresentar ao poder concedente, requerimento fundamentado, justificando a ocorrência de qualquer fato que possa caracterizar o desequilíbrio”.  

Devido ao agravamento da pandemia, a empresa responsável pelo serviço já alegou diversas vezes que não tem condições de continuar a manter o serviço, sendo o subsídio uma solicitação do Consórcio Guaicurus.

Entretanto, corre na Justiça um trâmite em que a empresa solicita o reequilíbrio financeiro do contrato. 

Em maio de 2019, uma empresa especializada em perícia foi designada pela 1ª Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos para dizer se há ou não ocorrência de “desequilíbrio na equação econômico-financeira” do contrato do transporte coletivo da Capital.  

Contudo, o Consórcio Guaicurus não encaminhou os documentos necessários para a realização da investigação, que continua parada na Justiça. 

Com isso, legalmente a empresa não apresentou um documento embasado que justifique o desequilíbrio financeiro, conforme determina o contrato de concessão.  

Além disso, conforme o levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Resultado (IPR) em julho, a pedido do Correio do Estado, a maioria dos usuários é contra a injeção de qualquer tipo de verba pública para bancar o Consórcio e grande parte da população demonstra estar insatisfeita com o serviço prestado pela empresa.

PRESTAÇÃO DO SERVIÇO  

Conforme a cláusula sétima do contrato, define-se serviço adequado: “aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança e atualidade’’, sendo essa uma resolução com controvérsia envolvendo o transporte coletivo da Capital.

O contrato também aponta que o serviço deve garantir a “universalidade da prestação dos serviços, isto é, serviços iguais para todos os usuários sem qualquer discriminação’”.

O que segundo a defensora pública Jane Inês Dietrich não acontece na prática, visto que, grande parte dos ônibus possuem equipamentos de acessibilidade estragados.  

“O transporte coletivo não está em declínio, o que está em declínio é a qualidade. O serviço precisa ser reestruturado, milhares de pessoas utilizam todos os dias"

"A falta de acessibilidade é algo que nos preocupa, chamamos a empresa para conciliação, mas de fato a raiz do problema persiste. A acessibilidade não acontece nos ônibus de Campo Grande”, apontou a defensora.

ANÁLISE

De acordo com o advogado especializado em Direito Constitucional, Administrativo, Tributário e Empresarial, Esdras Pereira Neto, cabe ao poder público e ao Executivo fiscalizar e determinar o cumprimento das determinações estabelecidas no acordo.  

“A administração pública representa o interesse coletivo e deve fiscalizar para que isso seja cumprido, com a quebra do contrato firmado, a penalidade varia de acordo com o nível de inadimplemento contratual".

"Causa prejuízo para o hierárquico as penalidades podem gerar desde prisão a quebra de contrato, se o descumprimento envolver a má prestação de serviço, a empresa deve apresentar um termo de ajustamento de conduta e passar a cumprir as determinações”, esclareceu o especialista.  

A empresa ganhou o direito de explorar o serviço por 20 anos, podendo ser prorrogado por mais 10 anos.

IRREGULARIDADES  

Em 2012, o Consórcio Guaicurus foi o vencedor da licitação de concessão e ganhou o direito de explorar o serviço, mesmo que oferecendo frota de veículos usados. 

A empresa foi escolhida apresentando maior valor de outorga de concessão do que a concorrente.  

O valor oferecido foi de R$ 20 milhões, sendo R$ 8,75 milhões maior do que o disponibilizado pela empresa paranaense Auto Viação Redentor. 

Segundo o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), isso tem relação com uma quadrilha especializada do Paraná (PR), em elaborar editais para as empresas de transporte.  

Em 2020, o MPMS entrou com uma ação civil pública pedindo a anulação da licitação para o transporte coletivo e, consequentemente, a anulação do contrato do Consórcio Guaicurus, sob acusação de fraude e direcionamento.  

Responsável pelo documento, o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, também pediu que o Poder Judiciário obrigasse a prefeitura a promover nova licitação para o setor. 

A ação civil pública tramita na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, mas ainda não houve decisão.

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