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CÂMARA

Elite do serviço público ainda tenta escapar da reforma administrativa

Texto tende a deixar carreiras com supersalários fora da PEC, cujo relatório deve ser entregue nesta semana

23 AGO 2021 • POR Eduardo Miranda • 09h00

Depois de uma rodada de protestos em todo o Brasil e em várias cidades de Mato Grosso do Sul contra a reforma administrativa, a semana que começa promete manter o tema em evidência por vários motivos.

O primeiro é que as categorias que julgam que sairão mais prejudicadas prometem aumentar os protestos; o segundo é que as categorias que estão na elite do funcionalismo e se autodiferenciam dos outros segmentos do serviço público com o termo “carreiras de Estado” prometem intensificar os trabalhos para escapar das mudanças.

O relator da matéria, Arthur Maia (DEM-BA), que vinha fazendo mistério sobre o texto final, disse na última semana que aceitará um substitutivo proposto pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) que não faria diferenciação de categorias no bojo da reforma: magistrados, promotores, delegados, fiscais de renda, parlamentares, todos seriam atingidos.

Em Mato Grosso do Sul, alguns dos parlamentares já começam a se manifestar sobre o texto (por enquanto, apenas os contrários), e categorias que deverão perder vantagens.

Como por exemplo a estabilidade e o enquadramento no estatuto dos servidores públicos, como professores e profissionais de saúde, já começam a se mobilizar.

Outras categorias, em que a maioria dos servidores no topo da carreira têm salários muito próximos do teto de R$ 39 mil do serviço público, trabalham em uma frente diferente: a de, em um primeiro momento, convencer os parlamentares a votar contra a reforma e, se isso não for possível, que pelo menos os poupem de perder a maioria de suas vantagens. 

Tem sido assim nos fóruns das carreiras de Estado, e Mato Grosso do Sul tem sua versão: o Fórum das Carreiras Típicas do Estado de Mato Grosso do Sul (Focate-MS), que reúne a elite dos servidores, como magistrados, promotores de Justiça, delegados de polícia, auditores fiscais, procuradores do Estado e defensores públicos.

O grupo, ao longo deste ano, reuniu-se com praticamente todos os integrantes da bancada federal e recebeu deles uma sinalização positiva, seja para votar contra toda a reforma ou ao menos para poupá-los de parte das mudanças.

MAS O QUE MUDA?

A Proposta de Emenda à Constituição que reforma o serviço público transforma as atuais duas categorias de servidores (estatutários e comissionados) em outros quatro grupos: 

Os servidores de cargos típicos de Estado, os de cargos que não são considerados típicos de Estado, os ocupantes de cargos de liderança e assessoramento e os cidadãos inscritos em concursos públicos nos cargos que postulam, sem que sejam titulares ou investidos. 

Dentro dessas novas categorias, a que menos perderá é a das carreiras típicas de Estado, pois somente esse grupo continuará com a estabilidade no serviço público.

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As avaliações de desempenho, que já existem para todos os servidores efetivos, continuam existindo, com a diferença que a demissão dos funcionários das outras categorias torna-se mais fácil. 

Em uma das novas modalidades, a de liderança e assessoramento, a demissão por motivos político-partidários está liberada.

A PEC libera a modalidade de contrato temporário em períodos específicos, como em procedimentos sob demanda, em projetos sazonais e também durante calamidades públicas.

 Também poderá ser liberada a terceirização de funções no serviço público, desde que não abranjam atividades privativas das carreiras típicas de Estado.

No que se refere à Previdência, as carreiras típicas de Estado continuam no regime próprio, as demais migram para o regime geral de Previdência Social.

IMPRESSÕES

O deputado Fábio Trad (PSD) adiantou que é contra a reforma. 

“Eu digo uma coisa: ou entram todos, ou não entra ninguém”, disse o deputado ao comentar as negociações do texto no Congresso. “Eu tenho uma posição muito crítica à PEC, ela não combate as distorções do serviço público”, afirmou.

A senadora Simone Tebet (MDB) também tem uma postura crítica. 

“No Brasil é sempre oito ou oitenta. Da forma como está pode estar ruim, pois o custo da máquina pública é muito grande, é verdade. Mas isso não significa que devemos corrigir algo cometendo outro erro”, afirmou. 

A senadora preferiu não falar se é favorável ou contrária, mas disse que, assim que o texto chegar ao Senado, certamente sofrerá modificações.

Envolvidos

O presidente do Focate-MS e também presidente da Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (Amamsul), Giuliano Máximo Martins, foi categórico. 

“Inicialmente, vale destacar que é uma reforma que afeta diretamente o próprio funcionamento do Estado e sua mão de obra essencial, que são os servidores públicos, de modo que um amplo debate deve ser realizado entre todos os setores”.

O presidente da Associação Sul-Mato-Grossense dos Membros do Ministério Público, promotor de Justiça Ramão Avila Milhan Junior, também opinou. 

“A reforma administrativa do Paulo Guedes trata a estrutura do Estado brasileiro como uma empresa privada, causando um desmonte no serviço público, que, no combate à pandemia, se mostrou mais uma vez indispensável e necessário para a população brasileira".

"Somos contrários à reforma proposta, independentemente da inclusão ou não do MP e do Judiciário”.

Os supersalários das categorias de Estado, alvo principal da reforma, mas que devem ser poupados, também foram comentados pelos integrantes dessas carreiras. 

“A queixa dos supersalários é um discurso de quem não tem conhecimento do Judiciário. Preliminarmente, cabe destacar que um magistrado recebe por seu trabalho e, por ser um membro de Poder [Judiciário], deve ter estabilidade financeira".

"Trata-se de uma garantia da sociedade, sob pena de termos juízes sem escrúpulos, que poderiam se deixar levar por corruptores. Somente assim o cidadão será julgado por um magistrado imparcial, que não se deixa levar pelos grandes grupos econômicos”, afirmou o presidente da Amamsul.

“Os subsídios e eventuais verbas indenizatórias pagas aos aproximadamente 40 mil juízes e promotores de todo o Brasil são feitos com base na Constituição Federal e nas leis orgânicas e fiscalizados pelos órgãos de controle, como o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] e o CNJ [Conselho Nacional de Justiça]".

"Além disso, esta matéria está sendo discutida pelo Parlamento brasileiro em projeto de lei específico”, explicou o representante dos promotores de Justiça.

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