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Bruna Kajiya A maior kitesurfista do mundo

"Minha história com o kitesurf é uma daquelas coisas que já foram escritas antes mesmo de acontecer."

22 OUT 2021 • POR Flavia Viana • 10h20

“É uma honra poder ter dado esse passo para as mulheres no meu esporte e quebrar esse paradigma que mulheres não conseguiam fazer um “double pass”.”

Bom, que as mulheres estão dominando o mundo inteiro, todos nós já sabemos, principalmente quando o assunto é esporte.

Bruna Kajiya é a maior kitesurfista do mundo e tem inspirado outras mulheres com suas conquistas, além de romper barreiras e preconceitos machistas diante a atuação delas no kite.

Kajiya é 3x campeã mundial, 5x campeã brasileira e a primeira mulher no mundo a fazer a complexa manobra backside 315 – quando o atleta gira 540° no ar com dois passes de barra pelas costas antes de pousar – comprovando sua habilidade como atleta e força como mulher. “As mulheres nem tentavam”, explica. 

O início de Bruna é mais uma história que se repete e acontece com inúmeras atletas mulheres no mundo, principalmente com modalidades que não são “obvias” dentro do esporte. Mas elas nos representam, soltam a voz, se destacam e muitas vezes sobem ao pódio.

Além dos troféus, Kajiya também representa o Brasil e todas essas mulheres. 

“Criei uma comunidade para as mulheres se apoiarem, acreditarem em seu potencial e não desistirem do esporte, porque eu via muito preconceito e pouco apoio”, lembra a atleta, que começou a praticar aos 15 anos entre amigos e sem qualquer referência feminina.

“Na época era bem incomum, era o começo do esporte e ele era dominado em uns 90% por homens. Eu nunca sofri preconceito de outros kitesurfistas, mas mudei muitas ideias pré-determinadas durante minha carreira que beneficiaram muito as mulheres no nosso esporte”, explica.

Com apenas 34 anos e uma trajetória brilhante e um lifestyle inspirador, a brasileira se consolida como uma das mulheres mais poderosas do esporte no planeta, além de ser patrocinada por marcar poderosas como RedBull, Mystic e North Kiteboarding. Para o futuro ela quer trazer mais mulheres para dentro da água e mais títulos para o Brasil.

Bruna Kajiya realmente nos representa!

Essa mulher forte e referência no esporte mundial conversou com o Correio B+ dessa semana e nos inspirou também com a sua história, determinação e com a realização de uma manobra incrível que ela conta nessa entrevista.

CE - Como e quando o kitesurf surgiu na sua vida?

BK - Minha história com o kite é uma daquelas coisas que já foram escritas antes mesmo de acontecer. 

Eu amo o mar desde criança, sempre amei a natureza e gostava muito de surfar também, comecei com 10 anos. 

Eu lembro que da janela da minha sala na escola eu enxergava as pipas coloridas do kitesurf indo de um lado para o outro e aquilo me chamou atenção. 

A primeira vez que tive contato com o kite, foi quando um amigo foi me ensinar, depois de tanto perturbar ele. Eu adorei e depois disso nunca mais parei de praticar.

CE - Como é ser a primeira mulher a executar o backside 315?  

O quanto você treinou para conseguir fazer a manobra?

BK - É uma honra poder ter dado esse passo para as mulheres no meu esporte e quebrar esse paradigma de que as mulheres não conseguiam fazer um “double pass”. 

Para pousar essa manobra eu treinei meses e meses, foi uma longa jornada, e bem desafiadora também. 

Aprendi muito sobre mim durante o processo e foi algo que me trouxe muita confiança para outros desafios durante a carreira. 

Saber que perseverei, mesmo indo dormir e acordando com dor durante meses das quedas, foi muito importante para mim como atleta.

CE - Uma menina praticar kitesurf na época em que você iniciou era muito incomum? Como foi?

BK - Sim, na época era bem incomum, era o começo do esporte e ele era dominado em uns 90% por homens. 

Eu nunca sofri preconceito de outros kitesurfistas, mas mudei muitas ideias pré-determinadas durante minha carreira que beneficiaram muito as mulheres no nosso esporte.

CE - Lembra de alguma história que ficou marcada?  

Como vem sendo o trabalho para diminuir esse preconceito e a sua evolução...

BK - Melhorou muito, por isso, temos que continuar propondo diálogos e debates a cerca desse tema, para melhorar ainda mais. 

Eu já evitei trabalhos com marcas que queriam fazer apenas fotos minhas posando de biquíni, sem mostrar nenhuma manobra ou nem precisar entrar na água pra ilustrar o esporte em si. 

Não vejo nenhum problema em tirar fotos bonitas de biquíni ou até mesmo se sentir sexy, mas tem que ressaltar o lado atleta nesses casos. 

A luta de todas as mulheres faz com que esse tipo de situação diminua cada vez mais. 

Acho muito importante usarmos nossa visibilidade para trazer esses questionamentos à sociedade e propor diálogos sobre esses temas.

CE - Como foi participar do primeiro Rally de kitesurf do mundo?  

BK - Achei a ideia e a iniciativa ótimas! Começamos no Rio Grande do Norte, em São Miguel do Gostoso e terminou em Preá, no Cerará. Foram 250 km percorridos. 

Por ser uma coisa inédita, tiveram vários desafios, várias coisas novas e surpresas. 

E acho que isso fez da gente, que participou desse primeiro rally, ter uma experiência bem especial, porque nunca mais vai ser como foi dessa vez. 

Para mim, foi um prazer e um privilégio poder fazer todo o litoral nordestino que é maravilhoso, principalmente tendo a visão pela água.

CE - Quais foram as dificuldades de participar de um rali de kitesurfe?

BK - Um rally dessa dimensão apresenta muitos desafios e ficar muitas horas no sol é um deles. 

Como foram muitos dias de prova, o maior desafio foi chegar em boa forma em cada check Point para seguir no dia seguinte. 

Para isso tive toda uma preparação física, equipamento adequado, alimentação e hidratação durante a prova.

CE - Como você está se preparando para o Mundial de Kitesurf que vai acontecer na Praia de Cumbuco, no Ceará, do dia 10 ao 14 de novembro?

BK - Os preparos estão puxados. Eu vim do rally, que foi muito desgastante, e já voltei direto para os treinos. Treino três vezes ao dia, com academia de manhã e dois treinos de água. Estou dando o meu melhor, porque é o meu grande objetivo deste ano e quero fazer bonito pelo meu país, então estou pegando pesado. 

Cansa bastante, mas faz parte. Ser atleta é isso e eu amo o que eu faço, ainda mais se estou na água, treinando na água, que para mim é o elemento onde eu me sinto em casa, onde eu consigo me expressar, onde tudo faz mais sentido. 

Prefiro treinar dentro d’agua do que estar fora dela. Me sinto um peixe fora d’agua quando não estou velejando. 

Então, as expectativas são boas para esse mundial e estou empolgada.

CE - O que acha da disputa ser no Brasil?

BK - É muito bom disputar em casa, e ter o calor da torcida brasileira faz toda a diferença. 

Isso é muito bom pra mim. Estou feliz em ter essa oportunidade de competir aqui. Além disso, o Brasil é um dos melhores lugares do mundo para a prática do kite. O vento e o mar aqui são ótimos para velejar. Esse é mais um ponto positivo do mundial ser no Brasil.

CE - O kitesurfe estará no programa olímpico nos Jogos de Paris. O que achou dessa inclusão?

BK - Sim, é uma ótima notícia para o nosso esporte. Um evento como as Olimpíadas traz muita visibilidade para o esporte. 

Como ele ainda é “novo” em comparação com a maioria, será importantíssimo para evolução do kitesurf. Estou feliz!

CE - Acha que o esporte pode saltar para outro patamar por causa das Olimpíadas?

BK - Certamente, as Olimpíadas trazem um profissionalismo para o esporte. Outro aspecto importante é a organização que ocorre nas federações e associações nacionais, trazendo mais recursos para os atletas.

CE - Você é considerada uma das melhores atletas da modalidade. Vai tentar as Olimpíadas? Além de você, o Brasil teria outros grandes nomes para Paris-2024?

BK - A modalidade que entrou para as Olimpíadas é a de regata. É uma modalidade no momento bem pequena no Kitesurf e não a principal, ela está mais associada a regatas de barcos. 

A minha modalidade é a de freestyle, onde fazemos manobras e está mais conectado a essência do Kitesurf que é mais de esporte radical.

CE - Como você enxerga o kitesurf feminino hoje? Quais os principais pontos que evoluíram recentemente?

BK - Quando comecei, 90 ou 95% dos atletas do kitesurf eram homens, esse número mudou bastante, hoje em dia quando vou para o mar percebo a diferença na quantidade de mulheres praticando. 

Para a modalidade feminina isso é essencial, porque as mulheres podem inspirar umas às outras e juntas mostrarem a potência da modalidade feminina. 

Eu fui a primeira a dar uma manobra que nenhuma mulher tinha dado ainda, mas agora fico feliz de ver mais mulheres se desafiando no esporte. 

Além disso, hoje em dia o incentivo no Brasil aumentou muito, um ótimo exemplo é a XP investimentos, que hoje é um dos meus parceiros e que vem apoiando outros atletas de modalidades diferentes também. 

Ver uma empresa brasileira de tanto sucesso apoiar o Kitesurf me enche de orgulho.