Logo Correio do Estado

INVESTIGAÇÃO Contrabando de combustível na fronteira rende milhões por mês Corumbá é a cidade com a gasolina mais cara de MS e Bolívia é o 2º país com melhor preço da América do Sul 23 NOV 2021 • POR Rodolfo César • 09h00

Entre os itens que mais pesam no bolso dos moradores de Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, Ponta Porã e Corumbá, para citar apenas as maiores cidades, estão os combustíveis. 

Últimas notícias

O aumento neste ano já foi de 73% somente no preço da gasolina.  

Dentro dessa situação de escalada constante, em Corumbá há um fator diferencial porque o município sul-mato-grossense faz divisa com a Bolívia, que tem o segundo preço mais barato de combustível da América do Sul, atrás somente da Venezuela. 

Ao mesmo tempo, os postos da cidade são os que vendem o combustível mais caro de Mato Grosso do Sul.

Essas contradições incentivaram o contrabando de combustível entre a cidade de Puerto Quijarro e Corumbá. 

A prática vem ocorrendo regularmente neste ano e, conforme apurado com autoridades bolivianas, o contrabando cresceu à medida que os preços no Brasil foram subindo.  

O contrabando permite que corumbaenses e outros moradores que estejam na região paguem valores muito abaixo do que a Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH) da Bolívia estabelece, driblando assim a lei nacional nº 100.

Uma estimativa verificada com funcionários da petrolífera estatal boliviana YPFB, que atuam na região de Puerto Quijarro, aponta que diariamente há até 20 mil litros de gasolina que chegam a ser transportados de forma ilegal para o Brasil.

Com o litro do combustível sendo comercializado a R$ 4, o esquema pode movimentar até R$ 1,9 milhão somente em dias úteis. 

Esse combustível é trazido para território brasileiro dentro de tanques dos próprios carros e vans bolivianos e também em galões de diferentes tamanhos, principalmente os de 50 litros, ao longo de dezenas de viagens diárias.

Enquanto abastecer na capital do Pantanal custa entre R$ 7,05 e R$ 7,09 o litro da gasolina, na Bolívia o litro custa R$ 4 no mercado ilegal. A diferença de preço é de mais de R$ 3 por litro.

Os números atraentes para o consumidor brasileiro acabam fortalecendo o mercado ilegal de combustível. Dessa forma, em Puerto Quijarro, por exemplo, o abastecimento da gasolina custa 3,74 de bolivianos (em torno de R$ 3,04). 

O posto de combustível mais perto da região de fronteira fica a cerca de 10 km de Corumbá e é obrigatório que essas empresas especifiquem o valor praticado no mercado interno e qual seria o preço que um estrangeiro pagaria.

Quem é estrangeiro está autorizado a realizar o abastecimento na Bolívia, porém, o preço a ser praticado para carros com placa brasileira seria de 8,68 bolivianos (R$ 7,05).

Essa regra existe por conta do subsídio que o governo boliviano mantém sobre o combustível para garantir o abastecimento no país e evitar que as pessoas encontrem dificuldade para andar de carro.

O combustível também é um fator primordial para controle de preços e da inflação, porque ele está atrelado a vários níveis na cadeia produtiva.

“É um esquema de venda. Por aqui, esse negócio ilegal acontece com gasolina e diesel e está sendo incrementado cada vez mais, porque o preço do combustível no Brasil está subindo. Por outro lado, na Bolívia, o governo subvenciona o valor”, explica um funcionário boliviano que atua no setor e que pediu anonimato.

Até mesmo quando a fronteira entre Brasil e Bolívia ficou fechada por uma semana, em novembro, o contrabando acontecia livremente. Os galões eram transportados por um local chamado Trilha do Gaúcho, que é um caminho feito por mata e que passa ao lado do controle de fronteira dos dois países.

“Isso acontece dia e noite. É um esquema de formiguinha. Vão passando, passando. Em Corumbá, há grupos de WhatsApp e nas redes sociais que indicam onde acontece a venda. É muito bem articulado”, diz o funcionário do setor.

Na Bolívia, a venda muitas vezes acontece perto da aduana, que fica na faixa de fronteira com o Brasil. Em território brasileiro, essas vendas são feitas em casas e até terrenos baldios, geralmente localizados na parte alta, em bairros como o Guatós. 

Por lá, nas redondezas da Rua República da Bolívia, há mais de um ponto que sugere esse tipo de comercialização ilegal.

PERIGO À SAÚDE

O contrabando de combustível da Bolívia para o Brasil é um esquema já identificado anteriormente pela Polícia Federal. Em 2018 e 2019, houve operação que ficou denominada de Mad Max I e II. 

Nestas ações, houve a apreensão total de 1,8 mil litros de combustível e oito pessoas acabaram presas.

Os crimes praticados em Corumbá com a venda ilegal envolvem contrabando e armazenamento de substâncias tóxicas irregularmente. A Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605, de 1998) prevê sanções e regulamenta as regras com relação aos delitos. A pena prevista é de 3 a 9 anos de prisão, além de multa.

As restrições na Bolívia estão atreladas à lei nacional nº 100, que trata sobre o desenvolvimento e a segurança fronteiriça boliviana. O armazenamento e a comercialização sem autorização por entidade competente preveem pena de três a seis anos de prisão e o confisco de bens encontrados em uma fiscalização. 

Quem compra o combustível também pode sofrer sanção, com prisão de 2 a 4 anos. Até mesmo quem é legalizado e facilitar esse tipo de comércio ilegal pode ser condenado à prisão.

Apesar de todo o esquema ser antigo e prosseguir, o ato de fiscalização praticamente não existe. Na Bolívia há poucos funcionários da estatal petrolífera que conseguem averiguar as irregularidades.  

Do lado brasileiro, a Receita Federal, no Posto Esdras, tem apenas quatro funcionários para atender um fluxo de mais de 2 mil veículos transitando diariamente, 24h, na fronteira.

Além das questões legal e fiscal, há outro perigo nesse comércio. 

“Manusear e ou transportar combustíveis é algo de imenso perigo, pois estas substâncias são de grande volatilidade, liberam gases que podem com uma faísca causar uma grande explosão. Atualmente, estamos em época de altas temperaturas, ocorrendo assim uma volatilização ainda maior destas substâncias, ou seja, o perigo é muito maior de ocorrer explosões, principalmente quando não há o correto manuseio destes combustíveis”, detalha o professor doutor de Química Industrial da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) de Dourados Alex Jeller.

Assine o Correio do Estado

https://player.vimeo.com/external/649100346.sd.mp4?s=30e21c5d9f23920341090bfa4137389878145da0&profile_id=165&oauth_token_id=1289434942