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proibido olhar para baixo Entenda a acrofobia, o medo exagerado de lugares altos Episódio de garoto em prédio no centro de Campo Grande ganhou o mundo e chama atenção para a acrofobia, o medo exagerado de lugares altos 24 NOV 2021 • POR Marcos Pierry • 10h30

Sexta-feira, 12 de novembro. Um vídeo de celular com 21 segundos de duração e imagens de um garoto caminhando na parte externa da janela de um prédio, no centro de Campo Grande, viralizou no Brasil e no mundo. 

O menino de dois anos de idade teria permanecido ali, segundo testemunhas, por pelo menos cinco minutos e chegou a dar alguns passos. A janela fica no nono pavimento do edifício, o mesmo andar de onde caiu, em junho do ano passado, o filho de cinco anos da empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, em Recife.

São episódios alarmantes, que, além de causarem comoção e revolta, chamam atenção para a acrofobia, que pode ser definida como uma sensação de medo exagerada e irracional de lugares altos. 

Um estudo de 2009 aponta que entre 2% e 5% da população mundial sofre desse tipo de fobia, mais recorrente entre as mulheres. Se você sente grande incômodo quando está, ou simplesmente pensa, em terraços, parapeitos, escadas, elevadores, pontes ou janelas, pode ser que esteja entre essas pessoas. 

Se não consegue ajudar uma criança a descer de uma árvore ou sequer trocar uma lâmpada em casa, certamente você faz parte das estatísticas.

Estímulo neutro

“Para essa criança [do vídeo em Campo Grande], a altura talvez seja um estímulo neutro, algo que não lhe provoca fobia”, especula o psicólogo Ícaro Vieira, de 25 anos. 

Nascido em Alegrete (RS), Vieira se formou na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e foca seus atendimentos na Capital em pacientes com fobias específicas, como o medo de algum animal ou de palhaços, por exemplo.

“A gente nasce geralmente com algum grau de estímulos que são naturalmente aversivos, como som alto, por exemplo. Qualquer

estrondo, explosão, a gente se agacha, sai correndo, instintivamente já emitindo comportamentos para nossa própria proteção. Acredito que para essa criança a altura não provoca a mesma sensação que para outras pessoas que já aprenderam a se precaver. Para ela, é um estímulo neutro”, explica Vieira.  

Segundo o psicólogo, que segue a abordagem cognitivo-comportamental, é natural que qualquer pessoa sinta uma fobia, uma ansiedade, um certo pânico, se está em uma altitude muito alta sem proteção e sem segurança. 

“Agora, quando não é uma altura tão grande e a pessoa está bastante protegida de sofrer alguma queda, mas, mesmo assim, sente muito medo, isso é caracterizado como uma fobia que precisa de tratamento”, afirma.

SINTOMAS

Em outras palavras, esse medo costuma se manifestar de diversas formas, provocando vertigens e a necessidade de se agarrar a algo ou de correr para um local seguro. 

Em casos extremos, alguém com esse tipo de pânico pode até querer saltar de um precipício para se livrar do pepino.  

Quando estiver sobre uma superfície elevada, na vida concreta ou na imaginação, fique atento. Uma série de sinais pode ajudar na identificação da acrofobia, como: suadeira, tremedeira, palpitação e arritmia cardíaca, falta de ar, náuseas, dor de cabeça, tensão muscular, choros, gritos, pavores, maus pressentimentos, entre outros.

VERTIGO

Na maior parte dos casos, a acrofobia surge em decorrência de um trauma. 

“Geralmente acontece mais na infância, mas também pode acontecer na vida adulta”, diz Vieira. “Uma boa parte das fobias específicas acontecem depois de um trauma, depois de um evento traumático ligado ao próprio estímulo que acaba se tornando fóbico”. 

É exatamente o que ocorre com Scottie, o personagem do ator James Stewart (1908-1997) no longa-metragem “Um Corpo que Cai”, de Alfred Hitchcock (1899-1980). O título original do filme em inglês, “Vertigo”, significa vertigem, sensação pessoal de que tudo está rodando, provocando tonturas e mal-estar.

Na trama, lançada em 1958, o ex-policial Scottie carrega a culpa de não ter segurado um colega de profissão no terraço de um prédio durante uma perseguição. 

O tratamento que o filme mostra para a acrofobia ilustra o que o psicólogo chama de terapia de exposição.

“Ela é baseada na exposição do indivíduo fóbico aos estímulos que lhe assustam. As fobias específicas são mantidas por causa da própria evitação dos estímulos fóbicos, de modo que o indivíduo não consegue aprender a tolerar a fobia, a ficar mais habituado com o estímulo da fobia”, afirma Vieira. 

“Então, o terapeuta busca de várias formas expor o indivíduo, com total segurança, é claro, a esse estímulo fóbico. Por exemplo, pouco a pouco, em pequenos passos. Se é medo de altura, expor o indivíduo a pequenas alturas primeiro e depois a alturas maiores”.

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UM BANQUINHO E A INUNDAÇÃO

Amiga de Scottie em “Um Corpo que Cai”, Midge (Barbara Bel Geddes) é a responsável pela terapia de exposição a que se submete o herói. Em seu apartamento, ajuda-o a equilibrar-se para subir em um banquinho. 

O amigo obtém êxito e, então, aumenta o desafio, propondo-se a, entre aspas, escalar uma cadeira mais alta, que possui alguns degraus. 

Mas Scottie entra em pânico e fracassa. Teria ele desenvolvido uma climacofobia? Essa é para quem não passa nem perto de uma escada.

Na “vida real” da psicoterapia, a explicação para a experiência frustrada seria a seguinte: o personagem, provavelmente, migrou de modo repentino da terapia de exposição, gradual e de acordo com os avanços do paciente, para a terapia implosiva ou de inundação, criada nos anos 1960 e bem mais intensa na estimulação fóbica.

A ideia é que, após o tratamento, o paciente se torne dessensibilizado ao estímulo, como naturalmente ocorre aos trapezistas e aos operários que fazem manutenção em postes ou na parte externa de edifícios.

DESEQUILÍBRIO

Dificuldade de manter o equilíbrio ou a postura corporal correta também são comuns entre os acrofóbicos e são, muitas vezes, uma consequência do mau funcionamento do sistema vestibular (ouvido interno), que pode se manifestar no organismo por meio de uma sensação de aceleração ou de gravidade fora do normal. 

A acrofobia afeta a propriocepção, uma espécie de sentido inconsciente do cérebro que orienta o corpo no espaço. Mas os acrofóbicos, necessariamente, não têm medo de viajar de avião (aerofobia).

Seja como for, o fundamental é buscar a ajuda de um especialista para um diagnóstico e um tratamento adequados. Além da psicoterapia apontada por Ícaro Vieira, há casos de pacientes que obtiveram êxito com métodos mais alternativos, como a hipnoterapia. 

Ao desenvolver habilidades de enfrentamento, o acrofóbico passa a ter condições de gerenciar seus medos e suas ansiedades.

MITOLOGIA E REALIDADE VIRTUAL

A terapia de exposição pode ser posta em prática por dispositivos de mediação com o risco real. 

“Graças à tecnologia, a gente consegue fazer com que o indivíduo consiga ter uma exposição por meio da realidade virtual aos estímulos que são fóbicos de uma maneira muito segura". 

"São usados óculos de realidade virtual, e aí o terapeuta, eventualmente, ensina o paciente a relaxar diante disso e ele acaba tendo uma nova aprendizagem diante desse estímulo, que é fóbico e passa a ser um estímulo que a gente chama de neutro”, afirma Vieira.

Curiosamente, o prenome do psicólogo evoca uma das histórias mais conhecidas da mitologia grega: a queda de Ícaro. 

Filho de Dédalo, criador do labirinto construído para confinar o Minotauro em Creta, o jovem Ícaro acaba sendo preso com o pai por ordem do rei da ilha, Minos. Mas Dédalo consegue preparar dois pares de asas.

Na fuga, Ícaro sobe em direção ao sol, hipnotizado pelo astro. A cera das asas derrete e o jovem, outrora alado, cai no mar em queda fatal. 

O psicólogo conta que seu pavor era diferente do de seu xará mitológico. “Eu tive claustrofobia [pânico de locais fechados], hoje não tenho mais, graças à terapia de exposição pela qual eu passei quando era pequeno”, finaliza.

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