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CURTas FOram LONGE Curtas filmados na Capital ganham destaque internacional O diretor de Campo Grande Filipi Silveira, em codireção com Marinete Pinheiro e Larissa Neves, teve duas produções selecionadas na Guatemala 25 NOV 2021 • POR Marcos Pierry • 13h00

O ator e diretor Filipi Silveira ainda saboreia a notícia que recebeu há algumas semanas. 

Sem alimentar muita expectativa, inscreveu dois curtas-metragens no Festival Internacional de Cine en Centroamérica Ícaro, a ser realizado de 4 a 11 de dezembro na Cidade da Guatemala – capital da Guatemala, na América Central –, com sessões presenciais e on-line, todas gratuitas.

 Os dois filmes foram selecionados: 

“Ano Que Vem Tem Mais”, sobre o Carnaval de Campo Grande, e “Retrato do Artista Quando Coisa”, a partir da poesia de Manoel de Barros (1916-2014), vão representar o Brasil, e Mato Grosso do Sul, na mostra, que em sua vigésima quarta edição exibirá mais de 100 produções da Guatemala, do Panamá e de outros países da América Latina.

Criado em 1998, o Festival Internacional de Cine en Centroamérica Ícaro investe, com suas curadorias, em temas ligados à diversidade cultural, aos direitos humanos e ao meio ambiente.

 Seu panorama internacional ampliou o fôlego do festival, abrigando produções da Europa, da Ásia, da América do Sul e do Norte e da África. 

Por meio de parcerias com outras mostras, realiza edições paralelas em Nova York (EUA), Havana (Cuba), San Juan (Porto Rico), Bogotá (Colômbia), Buenos Aires (Argentina) e Barcelona (Espanha). Para acompanhar a edição deste ano pela internet, basta acessar: festivalicaro.com.  

Não somente a temática campo-grandense une os dois filmes. Ambos têm em comum a presença de mulheres dividindo a direção com Silveira. 

Marinete Pinheiro codirige o documental “Ano Que Vem Tem Mais”, e Larissa Neves é a parceira na função no trabalho de ambição experimental inspirado no poeta Manoel de Barros. 

Além da participação no Ícaro, os curtas já circularam em outros festivais pelo Brasil e estão programados para mais dois eventos em dezembro: a 1ª Mostra Picuá de Cinema e Literatura e o 22° Festival Internacional de Cinema do Caeté – Ficca. 

Hoje, às 19h, a 4ª Mostra Sesc de Cinema, no Sesc Cultura, vai exibir “Ano Que Vem Tem Mais”.

Bom demais

“Entrar com um é ótimo, agora com dois é bom demais”, festeja o realizador, de 38 anos, que se formou em interpretação em São Paulo e, no ano de 2012, enveredou na produção audiovisual ao criar a produtora Cerrado’s Filmes. 

“Fazer um filme ter uma carreira internacional demanda tempo e gastos, porque as inscrições são em dólar ou em euro. Como os filmes são de baixo orçamento, não planejei que eles tivessem uma carreira fora do Brasil, mas, um dia, Marinete, que já conhecia o festival, tendo o conhecimento de seu tamanho na América Central, me estimulou a enviar”, conta Silveira.

“Fiz a inscrição despretensiosamente e ainda no último dia, mas nem imaginaria que selecionariam os dois. Fiquei surpreso e feliz que as narrativas tenham encantado a curadoria. Ver esses nossos filmes representando o Estado e o Brasil é muito gratificante, realmente fiquei muito surpreso de ver festivais este ano selecionando mais de uma obra em que faço a direção”, afirma o diretor.

Ele despontou na cena audiovisual com o curta “O Florista” (2012), uma trama ficcional densa e contundente sobre o assassinato de travestis em Campo Grande, vencedor de cinco festivais, em diferentes categorias, e indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Elas na direção

“O Carnaval de Campo Grande chega ao maior festival de cinema da América Central, que não é só cinema, é também um grande evento cultural e econômico para a atividade em toda a região”, celebra a coordenadora do Museu da Imagem e do Som (MIS), Marinete Pinheiro. 

Diretora do longa “A Dama do Rasqueado”, sobre dona Delinha, e de outras produções documentais, a cineasta de 40 anos lembra que a instituição organizadora do Ícaro, a Casa Comal, foi criada por ex-alunos da Escola de Cinema e TV de San Antonio de Los Baños (Cuba), onde ela estudou. 

“A Casa Comal é uma grande referência em formação e difusão, uma grande vitrine para o cinema na América Latina. ‘Ano Que Vem’ é uma história local, mas falando de uma coisa muito maior, o Carnaval, grande símbolo identitário do Brasil". 

"A gente mostra com o filme que falar da nossa rua é, de certa forma, falar do mundo”, avalia Marinete, que em 2017 foi jurada do Ícaro e destaca “o poder integrativo e formativo desse evento”.

Codiretora de “Retrato do Artista Quando Coisa”, Larissa Neves, de 29 anos, conta que o curta surgiu a partir de um vídeo a pedido de um amigo de Filipi Silveira para ser projetado em um evento, mas a ideia acabou se ampliando.

“A gente fez esse filme sem pretensão alguma para festivais, jamais imaginaria que chegaria tão longe”, diz Larissa, que é formada em Publicidade e Propaganda. 

“Foi feito com uma energia bem Manoel de Barros. Enquanto ele brincava com as palavras, nós brincávamos com os vídeos durante a produção do mesmo. Foi tão gostoso de produzir que fizemos um making of das brincadeiras que rolaram nos sets". 

"Eu acho o Manoel um gigante, apesar dele se apequenar nas miudezas, e acho importante a gente fazer esse passarinho voar para longe e compartilhar com outras pessoas o legado dele”, resume a videomaker.

Bem-vindo entre as mulheres, Silveira faz questão de destacar a importância das parcerias femininas na condução dos dois curtas. 

“É a primeira vez que divido a direção, e com mulheres sensíveis e bravas essa soma foi muito interessante, esse exercício no qual nos misturamos, cedemos, e a brincadeira de quem conhece nossos trabalhos é identificar onde cada um entra nessas obras”, afirma.

Os filmes

Os dois filmes são bem distintos um do outro e de trabalhos anteriores realizados por Silveira. Além dos títulos em competição na Guatemala e de “O Florista”, o diretor assina os curtas ficcionais “Irmãos de Alma” (2015), “Cartilha da Vida (2016)” e “Vampiros” (2018). 

Pertencente ao acervo da Prefeitura Municipal, “Ano Que Vem Tem Mais” apoia-se na força do depoimento e imprime uma narrativa jornalística para contar, em 30 minutos de duração, a história dos Carnavais de Campo Grande. 

Começa com o apito do trem, talvez para demarcar uma geografia, antes de se ouvir “Maria Fumaça”, a conhecida letra de Edson Contar para um dos sucessos da folia. 

Em seguida, dosando imagens em cores e em preto e branco, um vasto material de arquivo entremeia-se às 15 entrevistas realizadas por Filipi, Marinete e equipe.

Jornalista, pesquisador e escritor, além de compositor, Edson Contar é um dos que aparecem na tela, a recobrar os reinados de Momo de antanho, assim como Picolé (Unidos do Cruzeiro), Maria de Fátima (Herdeiros do Samba), Carlão, Góinha, Zé Carlos e Boróro, entre outros nomes. 

Ao assistir o doc, sabe-se, por exemplo, que Eduardo Santos Pereira, pioneiro da festa na cidade durante os anos 1920, tem o mesmo sobrenome do criador do Carnaval carioca, Zé Pereira, o que deixa Contar admirado. 

Era a época dos corsos, dos blocos e dos cordões, que antecederam o desfile das escolas na Rua 14 de Julho.

“Retrato do Artista Quando Coisa”, de apenas quatro minutos de duração, tem uma proposta mais solta, com o próprio diretor performando em estúdio e no centro de Campo Grande a partir das assertivas ao mesmo tempo ingênuas e inquietantes de Manoel de Barros na voz do próprio poeta. 

“Pra não morrer/É só amarrar o tempo no poste”; “A maior riqueza do homem é a sua incompletude”. Essas e outras máximas do autor tornam potente qualquer coisa. Inclusive o retrato de um artista.

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