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Espetáculo Quebra Nozes ganha versão pantaneira

Obra de Tchaikovski será encenada em Corumbá com protagonista de 13 anos e experiências sul-mato-grossenses, cubanas, paraguaias, bolivianas e argentinas

11 DEZ 2021 • POR Rodolfo César • 10h30

Animais selvagens, pássaros com seus cantos por todos os lados e paisagens únicas e desafiadas pela intromissão do fogo. 

Todos esses ingredientes podem ser colocados em uma boa história. Depois disso, mais detalhes vão sendo introduzidos, como sapatilhas, saltos e toda uma equipe de balé. Ainda tem mais para render.

Com isso, instrumentos de sopro e alguns outros músicos vão “cantando” com as mãos o som do Pantanal, mas misturado com a obra-prima que o russo Piotr Ilitch Tchaikovski escreveu há mais de um século, inspirado no conto da literatura fantástica de E.T.A Hoffman.

“O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos” está pronto, adaptado para um cenário totalmente diferente do que se imagina tradicionalmente e enriquecido por uma releitura sul-mato-grossense, com toques e experiências de cubanos, paraguaios, bolivianos e argentinos.

A representação de um dos balés mais tradicionais do mundo, que ganha espaço com a chegada do fim do ano, está no centro da retomada de apresentações de grande porte do Instituto Moinho Cultural, que possui consolidadas a Orquestra de Câmara do Pantanal e a Cia de Dança do Pantanal.

Reescrever o balé do compositor russo surgiu como uma necessidade para adequar a história para um cenário mais próximo da realidade brasileira, e ainda mais particular quando se trata de Mato Grosso do Sul.

Na Rússia, “O Quebra-Nozes” foi estreado em 18 de dezembro de 1892. Para o Brasil, a primeira apresentação chegou em 1957, montada por Eugenia Feodorova. 

Além disso, a peça tem sua importância porque foi o último balé que Tchaikovski compôs, e ele sequer soube do sucesso que faria, pois morreu menos de um ano depois da estreia.

A crítica da época relatou que, nessa primeira obra, o segundo ato (com a Fada Açucarada mostrando o Reino dos Doces) não tinha o drama necessário. 

O autor também era resistente com relação ao balé, tinha mais esperança no sucesso da ópera “Iolanda”. 

Para a versão sul-mato-grossense, o segundo ato tem elementos fortes da dança contemporânea e instiga o espectador a ficar perturbado com o cenário encontrado. 

E como o cenário é o Pantanal, essa fase pode bem representar o fogo que tanto desafia a natureza.

Para fazer jus a todo esse enredo tão significativo e histórico para o balé mundial, a Cia de Dança do Pantanal e a Orquestra de Câmara do Pantanal desenvolveram um estudo minucioso da obra ao longo deste ano. 

Estão também inseridos nessa apresentação alunos do Moinho Cultural. É uma conjunção que aglomera nove bailarinos da companhia, 91 alunos de dança, outros 31 alunos de música e 23 músicos da orquestra.

Sem contar os 50 integrantes do corpo técnico, operacional e administrativo.

Toda a adaptação para transformar a Masha, da obra russa, em Clara, além da Fada Açucarada em Fada de Luz, coube a Rolando Candia e Márcia Rolon. 

A concepção e o arranjo musical são do maestro Eduardo Martinelli, enquanto a coreografia teve a adaptação concebida por Rolando Candia, Mayda Riveiro, Rudy Candia, Wellington Júlio e Aline Espírito Santo. 

O artista plástico e carnavalesco Ricardo Vilalva faz sua magia ao montar o cenário e o figurino.

A história do presente tão desejado que se transforma em uma aventura fantástica pelo Pantanal é contada pelo prisma de Clara. 

Essa personagem é vivida por Rafaelly de Andrade Campos, uma bailarina de 13 anos que encara seu primeiro papel de protagonista. 

Direto do Bairro Maria Leite, após treinos diários de seis horas, ela vai dar vida à menina que ganha do tio o boneco quebra-nozes na noite de Natal.

“Era uma vez, uma menina que nasceu no Pantanal. Clara era muito inquieta, curiosa com tudo o que a rodeava: o rio, a planície, a natureza, os pequenos bichinhos, a lua, as estrelas do universo, a vida." 

"Seu entorno era puro, seu amor por aquilo era autêntico, natural, espiritual”, faz um resumo sobre a apresentação um dos responsáveis pela adaptação.

Ouvir muitos: “postura”, “não olhe para baixo”, “cuidado com os ombros caídos” transformou-se em mantra para Rafaelly ao longo dessa reta final de ensaios, que com todo o elenco dura pelo menos duas horas diárias. 

Repetição que ela reconhece como necessária para transformar sua vida de adolescente em Corumbá para a vida de Clara, no palco montado dentro do Moinho Cultural, a menos de 100 metros do Rio Paraguai. 

“Ela é uma criança animada. Nesse campo de romantismo e magia, tem também realidade”, sugere a bailarina.

Por trás dos palcos, a mãe da pequena artista ressalta como nos bastidores essa entrega foi tão forte para construir “O Quebra-Nozes do Pantanal”. 

“A Rafa é uma menina sonhadora, sempre ensinei que devemos correr atrás do que queremos, e é isso que ela tem feito”, reconhece Lucimary Aparecida de Andrade Araújo.

Em torno da dança, a Fada Açucarada torna-se Fada de Luz na adaptação, função a ser desempenhada por Brenda Ribeiro e Nayara Conceição. 

“Mesmo não sendo ‘O Quebra-Nozes’ tradicional, algumas coreografias vão ser dançadas na forma original, como a ‘Valsa das Flores’. É um balé tradicional, requer técnica. 

É um desafio tanto para mim, que também farei outros personagens, quanto para os outros bailarinos”, acrescenta Brenda, com seus 12 anos de experiência na dança.

O que os bailarinos estão empenhados em demonstrar diante de um trabalho tão desafiador é que não só existe técnica, beleza, como também chegou o momento de se reaproximar do público, que foi afastado dos espetáculos pela pandemia da Covid-19. 

A apresentação ainda não será aberta para o público em geral, porém haverá espetáculo de gala neste sábado para centenas de convidados e outras duas apresentações para mais de uma centena de familiares.

“Acho que o que mais me desafia no momento é a ansiedade de subir no palco novamente e dançar para o público." 

"Esse espetáculo representa esperança”, resume a bailarina Núbia Santos, com 16 anos de história dentro do Instituto Moinho Cultural.

O argentino Agustín Salcedo, que é o boneco Quebra-Nozes, sai do paletó vermelho e se transforma, magicamente, em um príncipe para Clara. 

Com sua experiência da Escola de Arte do Teatro Cólon, principal casa de ópera de Buenos Aires (Argentina), e da Fundação Júlio Bocca, referência na América Latina, ele pretende demonstrar que os tempos reclusos de pandemia estão, aos poucos, sendo substituído.

“Nesta aventura do trabalho, temos a responsabilidade de trazer de volta luz, amor e alegria. A volta aos palcos era muito esperada”, define.

Apesar da relutância em acreditar no sucesso de “O Quebra-Nozes”, Tchaikovski imortalizou seu nome com essa obra. 

E agora, o Pantanal acrescenta mais um ato a esse balé imortal. Toda a apresentação, para quem não estiver em Corumbá, será transmitida pelo YouTube do Moinho Cultural, com tradução em Libras. 

“Vai ser muito bonito o concerto”, garante a boliviana Angeline Giorgeti, 12 anos, instrumentista no espetáculo.

Apresentação oficial  

Onde: Rua Domingos Sahib,

nº 300, Corumbá – MS.

Dia e horário: 11/12, às 19h.

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