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CORREIO EXPLICA Esforços políticos de candidatos não transformaram Campo Grande em "Capital sem favela" Entenda como afirmações, planos de governo e promessas de campanha, contribuíram para que expressão caísse no senso comum 30 AGO 2022 • POR Correio Verifica • 15h10

Verificação apurou a origem, assim como atores potenciais que propagaram o boato de que a Capital seria “desfavelada”, o que não é uma realidade, desde 1997.

Logo no penúltimo ano de sua reeleição (2003), André Puccinelli, em reportagem dada à Folha de S. Paulo - em 20 de janeiro de 2003, assumiu que não cumpriu a meta estipulada, mas que até 2004 ele acabaria com as favelas de Campo Grande.  

Exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva (presidente em 2007), em visita a Campo Grande que, ao citar investimentos de R$ 345,3 milhões, que deveriam encerrar o ciclo de favelas em espaços urbanos, não só em Campo Grande, mas também em Dourados.  

"Campo Grande será a primeira Capital sem favela do país", afirmou Lula na ocasião.  

Diante de investimentos nacionais em Mato Grosso do Sul, o Secretário de Estado da Habitação à época, Carlos Eduardo Marum, afirmou em entrevista ao Jornal A Crítica, na edição nº 1379 de 20 de abril de 2008, que MS seria o primeiro Estado sem favela.  

Já em 2009, o então diretor-presidente da extinta Agência Municipal de Habitação (Emha), Paulo Matos, assumiu que, até o final de junho de 2010, Campo Grande alcançaria o título de "primeira Capital sem favela".

Quando Nelson Trad Filho foi prefeito de Campo Grande, em meio às ações de desfavelamento anunciadas por ele e pelo então governador André Puccinelli, o último ano de sua gestão ficou marcado pela tragédia envolvendo a morte de uma criança em uma favela da Capital.

Em 28 de dezembro de 2011, Maycon Correia de Andrade, de 9 anos de idade, morreu soterrado após um deslizamento no lixão municipal, região que fazia divisa com as favelas Cidade de Deus e bairro Dom Antônio Barbosa.    

Agora, em período eleitoral, os candidatos ao Governo de Mato Grosso do Sul voltam a se apoiar no discurso de que Campo Grande já foi, e voltará a ser, uma Capital sem favelas, afirmação dita em palanque, programas de rádio (Marquinhos Trad e André Puccinelli) e em matérias jornalísticas da mídia nacional e regional.  

A partir daí, por se tratar de um plano de governo, foi seguida a linha de sucessão do Executivo Municipal, passando por diversos personagens e situações de poder público, que contribuíram para fixar a afirmação no imaginário coletivo. Foram feitas pesquisas em órgãos oficiais, como as Secretarias de Habitação e o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Censo de 2010 e também levantamento de 2019.

Em seguida, autoridades como a Central Única das Favelas (CUFA), na pessoa da coordenadora Lívia Lopes, além do sociólogo Raphael Mestre Lemos e da professora doutora e arquiteta, Maria Lúcia Torrecilha, foram procuradas para que o contexto da época fosse compreendido.

Problemas e definições 

Segundo o sociólogo Raphael Mestre Lemos, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),  a definição de favela é um local com infraestrutura precária, sem acesso a saneamento, com muitas pessoas vivendo em um espaço denso e pequeno, e aglomeradas de maneira informal ou ocupada.

Vários são os conceitos que podem ser utilizados para definir o que são as favelas e, nas palavras da Arquiteta e doutora em Geografia Humana, Maria Lúcia Torrecilha, essas regiões são núcleos populacionais que ocupam áreas às vezes públicas, às vezes privadas, mas que não têm infraestrutura.  

De acordo com as informações apuradas pela Central Única das Favelas (CUFA), em 2012, havia apenas seis favelas na Capital. Deste período até 2019, fontes oficiais carecem de registros específicos.  

Já entre 2020 e 2021, um mapa de favelas atendidas pela Cufa CG mostra a quantidade de aglomerados subnormais, bem como o número de famílias que residiam dentro de cada uma dessas comunidades, contabilizando um total de 30 favelas, sendo as maiores:  

Como destaca Maria Lúcia, a medição do IBGE traz um problema, pois não considerava todos os núcleos. "E não tem pesquisas nos próprios órgãos do governo", comenta.  

Dados do Censo de 2010 apontam, por exemplo, que Campo Grande tinha apenas três favelas naquela época, o que nunca foi uma realidade na Capital, segundo a arquiteta - que integrou a primeira equipe da Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (Planurb) entre 85 e 86-, Maria Torrecilha.  

“Poderiam ter pequenos núcleos mas não eram três também não, é claro”, afirma.  

Em 2010, o IBGE classifica essas moradias como “aglomerados subnormais” e, de acordo com Raphael Lemos, essa classificação apresenta dois problemas.

“O primeiro consiste na obrigatoriedade de ter pelo menos 51 domicílios para ser encaixado nessa categoria e o outro por ser um termo avaliado como pejorativo”, disse.

Ainda que Campo Grande tenha recebido diversos programas habitacionais, de acordo com o sociólogo, o plano diretor da cidade foi mal discutido e a Capital teve um crescimento urbano sem planejamento adequado.  

“Morar em áreas com estruturas dignas - não estou falando somente asfalto -, mas ter acessos a escolas, hospitais, água, esgoto e coleta de lixo é muito caro, sem falar na demora para distribuição das casas populares e venda irregular dessas casas”, pontua.  

Maria Lucia Torrecilha, que tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Políticas Urbanas, Ambientais, Regional e de Cidades de Fronteira, e em Políticas e Projetos de Habitação de Interesse Social, finaliza dizendo que não houve um período que Campo Grande não teve favelas.  

"É, é uma falácia, é uma inverdade dizer que aqui não tem núcleo de favelas. Sempre tiveram favelas", conclui.  

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