Logo Correio do Estado

PAISAGEM EM RISCO Seca, cachoeira Boca da Onça sofre com influências climáticas e nas mãos humanas Há cerca de 3 anos ponto turístico em Bodoquena apresentava sinais preocupantes e, em 2022, chegou a "secar" no mínimo duas vezes 1 SET 2022 • POR Leo Ribeiro • 16h30

Fato recorrente em Bodoquena, a maior cachoeira de Mato Grosso do Sul está seca mais uma vez, sendo que o volume de água que cai sofre influência tanto dos fatores climáticos, quanto de ações de dano provocadas pelo ser humano. 

Ainda em janeiro, o Correio do Estado apontou para essa situação, que acontece há pelo menos três anos na região, que atrai diversos turistas tanto para observação, quanto para desfrutar das belezas naturais locais. 

"Há 3 anos a Cachoeira vem apresentando um processo de redução da quantidade de volume de água que cai, de forma significativa. Nesse ano a cachoeira secou já umas duas ou três vezes, ficando com praticamente pouca água, só com filetes", explica um dos sócios proprietários Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cara da Onça, Gerson Jara. 

Ele comenta que, inclusive, faz umas gravações no Facebook, Instagram e TikTok para que uma discussão sobre o tema seja aberta. O que rendeu holofotes para a situação ainda em janeiro, com repercussão nacional. 

"Nesse período eu percebi uma ação muito eficiente, por parte da comunicação do governo, no sentido de justificar que a situação era em virtude do El Niño. Na verdade, assim, desdobramento de ação de vistoria, essas coisas, não ficamos sabendo de nada", diz. 

Gerson aponta que o processo de redução do volume de água, curiosamente, vem acompanhado com um crescimento muito grande de algas ao longo do trajeto do Salobra.  

"Isso indica, é o fator climático também, mas pode ser um processo muito grande do aumento do uso de adubos, e outras coisas que criam elementos químicos que facilitam a proliferação desse tipo de alga. Uma coisa que não tinha, era raro, em uma pedra ou outra, mas teve uma multiplicação muito grande nesse período". 

Em excursão - em virtude do histórico de desmatamento - por um dos lados do Rio Salobra, que pega a Boca da Onça e fazendas entorno, ele comenta que, algumas propriedades não possuem cobertura vegetal. 

"A própria Fazenda Boca da Onça não cumpre a legislação definida, em relação à metragem da preservação do córrego", frisa Gerson Jara. 

Ainda, ele cita a questão de que, um dos braços do córrego que abastece a cachoeira cai numa piscina natural de pedra, construída na sede da Fazenda Boca da Onça.  

"E é comum a gente verificar, quando existe a presença de turistas, o fluxo de água aumenta, e aí no período da tarde, quando termina, a água diminui. Então existe provavelmente algum controle do mecanismo do fluxo de água na fazenda e acho que isso tem que ser apurado", revela. 

Para Gerson Jara, "não existe uma política em torno da preservação das áreas de mananciais e aguadouros do entorno do córrego que abastece a cachoeira", e cobra uma a necessidade de uma ação efetiva do Ministério público e Governo do Estado.

"No sentido de cobrar a colocação de cercas e isolamento das áreas, dos córregos e mananciais que estão abastecendo o Rio.  Mas pelo conhecimento que tenho, nada disso foi feito até agora no presente momento. Então fica no discurso político e a gente não vê a ação efetiva do Ministério Público", pontua.

Vale ressaltar que - como destaca o próprio sócio-proprietário -, existe ação do Ministério Público na intenção da preservação do Rio Salobra, com uma área de isolamento de 30 metros. 

"Mas assim, em razão de inventário, tem áreas e propriedades que não cumprem isso. Não cumprem a medida sob alegação que tem um inventário, que já existia uma área desmatada antes", destaca. 

Mais problemas

Além dessas situações já citadas, segundo o sócio proprietário da RPPN, atualmente também ocorre um processo de perfuração de poços artesianos na área entorno da Serra da Bodequena, muitas das vezes de forma irregular, e até fazendas que sofrem com assoreamento.

"Tem uma ou duas empresas atuando no setor, uma inclusive vinculada a um vereador de Bodoquena, e vêm fazendo exploração do lençol freático sem licenciamento, sem autorização da ANA (Agência Nacional de Águas), descumprindo a legislação ambiental estabelecida". 

Conhecedor da região ele comenta que Bodoquena encontra-se no início do processo de mineração, o que exige procedimentos como o resfriamento com água, entre outras coisas que esse setor requer.  

"Existe também um avanço muito forte das lavouras. A gente percebe nos últimos anos um afrouxamento na legislação, que permite o licenciamento para plantação de soja e de milho no entorno da Serra da Bodoquena, no entorno do Periperi do Rio Salobra", cita. 

Como se não bastasse, Gerson comenta ainda que algumas propriedades inclusive desmatam, de forma agressiva até e, para ele, é necessário política de preservação e isolamento das áreas dos rios, de forma emergencial. 

"Acho que pode ser feito um TAC (Termo de Acordo de Conduta), com todos os proprietários para que isso seja feito de forma imediata. Porque a mata funciona como esponja. Se ela não retém água, o Rio vai secando e a Cachoeira vai acabando. Por exemplo, a Cachoeira da fazenda Primavera, que fica do lado do assentamento Sumatra, tinha uma Cachoeira Maravilhosa que também está tendo um processo de seca. Isso, simultaneamente também com o afrouxamento de licenciamento para derrubada de matas. ", diz ele. 

Executivo de Bodoquena

Procurada para comentar o assunto, a pessoa do Secretário de Turismo, Cultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico, Helio Gonçalves, cita algumas medidas tomadas  pelo executivo municipal de Bodoquena, para lidar com o problema recorrente de seca da cachoeira. 

Uma dessas ações foi o pedido - por parte do prefeito - para inclusão de Bodoquena no Decreto de preservação das bacias.

"Decreto nº 15.661, de 4 de maio de 2021, incluiu as áreas de contribuição das bacias dos rios Betione e Salobra, localizadas em Bodoquena para que possam desenvolver ações de controle na mecanização de solo em qualquer tipo de atividade como gradagem, aragem, uso de subsolador, que seja para renovar ou recuperar pastos e implantação de lavouras", aponta. 

Ainda, quanto à fiscalização, é comentada a parceria com a Polícia Militar Ambiental, e citada também o monitoramento da equipe da Câmara Técnica do Programa de Conservação do Solo e da Água do Estado. 

"O município estará contratando serviços de levantamento planialtimétrico para acompanhamento do avanço das águas, e com isso propor aos proprietários rurais ações pontuais para replantio de árvores, curvas em nível em propriedades, tudo isso para buscar romper ações de sedimentos nas calhas principais das bacias e melhorar o abastecimento do lençol freático", aponta ele. 

Também, são citadas reuniões com o Conselho de Meio Ambiente e Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável, que, segunda a secretaria, acontecem todos os meses.  

"E há uma discussão permanente para o desenvolvimento de ações concretas de preservação, umas delas foi uma capacitação para nossos operadores de máquinas pesadas (que trabalham com a manutenção das estradas), que aconteceu essa semana em Bonito, lá na câmara técnica, por meio do Prosolo", finaliza. 

Assine o Correio do Estado