Nos primeiros dias de outubro, três homens foram executados em bairros periféricos de Campo Grande. Ao Correio do Estado, moradores da região da Avenida Guaicurus – local de dois dos três assassinatos – relataram que, com a violência imposta por facções pelo controle de drogas e assaltos, o medo e a insegurança prevalecem na rotina.
Moradora da Vila Aimoré há mais de 30 anos, que terá a identidade preservada, salientou que a recente execução de Leandro Gonçalves Martinez, de 23 anos, morto no bairro com 11 tiros na segunda-feira (3), não foi um caso isolado.
“Aqui tem muito roubo, os comércios são assaltados com frequência, as pessoas não têm paz nem no ponto de ônibus. Com essas brigas de facções, não temos segurança nem dentro de casa, o medo prevalece de dia e de noite”, afirmou.
Leandro, que estava foragido do regime semiaberto, tinha pelo menos dois registros de envolvimento com o tráfico de drogas. Conforme a Polícia Civil, ele também tinha passagem por homicídio qualificado quando ainda era menor de idade.
O jovem era suspeito, ainda, de ter cometido o assassinato do paraguaio Félix Ruben Martinez Fernandez, de 41 anos, no município de Ponta Porã. Félix foi morto a tiros de pistola calibre 9 mm, em 30 de junho de 2020.
Conforme a comerciante Evelyn Freitas, de 30 anos, Leandro morava há poucos dias na região. “Só sabíamos que ele era um vizinho novo, chegou a vir na nossa conveniência duas vezes, mas não sabíamos do envolvimento dele com o crime”, disse.
Ainda na região sul de Campo Grande, o dono de uma conveniência na Avenida Guaicurus, identificado como Lucas Andrade Martinez, de 27 anos, foi assassinado com pelo menos quatro tiros na madrugada de terça-feira (4).
A principal suspeita da Polícia Civil é de que o crime tenha sido motivado por vingança. Lucas foi responsável pelo assassinato do porteiro Igor Pereira Faria Duarte, que tinha 24 anos em 2019, quando ocorreu o homicídio. Ele confessou que matou Igor por uma dívida de R$ 200 do porteiro em sua conveniência.
Lucas tinha, ainda, passagem por violência doméstica e por servir bebida alcoólica a menores de idade.
Gerente de um petshop na Vila Aimoré, Camila Carvalho relatou que a violência constante é um problema antigo.
“Nós estamos em um bairro mais periférico, então, é ‘normal ter a violência maior’. Esses dois casos de assassinatos [Lucas e Leandro] foram muito perto um do outro, o que nos deixa assustados”, afirmou.
CASO MAIS RECENTE
Na manhã de quarta-feira (5), o corpo de um homem, identificado como Mikael Douglas Sobrinho, de 24 anos, foi encontrado carbonizado na Rua Marquês de Herval, no Bairro Nova Lima, na região norte de Campo Grande.
O rapaz estava com as mãos algemadas e tinha marcas de tiro pelo corpo. Moradores da região que passavam pelo local acionaram a Polícia Civil. O cadáver foi recolhido pelo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol) e identificado nesta quinta-feira.
A suspeita é de que ele tenha sido morto em outro lugar e que o assassinato possa se tratar de um julgamento do tribunal do crime. O caso, que é tratado como homicídio qualificado, segue em investigação pela 2ª Delegacia de Polícia Civil.
Para o especialista em segurança pública e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Fernando Nogueira, o aumento desses tipos de crime na Capital demonstra a necessidade de união dos sistemas de inteligência dos órgãos policiais.
“Inclusive no sistema carcerário, para delimitar e, assim, por meio de uma força-tarefa, investigar e prender os líderes [das facções] que atuam em Campo Grande”, frisou Nogueira.
AÇÕES DESORDENADAS
Ao Correio do Estado, o advogado, especialista em segurança e ex-superintendente da Polícia Federal de Mato Grosso do Sul Edgar Marcon explicou que as recentes execuções desta semana na Capital possuem um perfil de crimes de vingança e queima de arquivo.
“Pelo que estamos notando, é pistoleiro matando pistoleiro, essas pessoas que estão morrendo têm assassinatos nas costas. Eu acredito que esses crimes podem demonstrar um conflito interno entre as próprias facções, atualmente eles não têm tanto poder sobre as pessoas de rua pelo encarceramento mais fechado dos grandes líderes”, destacou Marcon.
Conforme o advogado, as recentes atuações da polícia resultaram em um cerco maior em relação à comunicação dos líderes das facções com os seguidores.
“Vemos que as facções estão desordenadas, que há uma falta de coordenação. É claro que com o decorrer das investigações tudo pode mudar, mas, hoje, acredito que essas execuções recentes demonstram mais um perfil de brigas internas entre as facções nos bairros mais periféricos”, salientou o especialista.
Homicídios dolosos registrados na Capital
Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) apontam que, de janeiro a 6 de outubro deste ano, 95 homicídios dolosos, quando há intenção de matar, foram registrados em Campo Grande.
Se levarmos em consideração os dados computados entre os meses fechados de janeiro e outubro de 2021, foram 82 crimes deste tipo na Capital no ano passado.