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la casa de papel

Investigada em MS, ação da PF apreendeu R$ 4,1 bilhões de empresa de investimento

Esquema lesou 1,3 milhão de pessoas em mais de 80 países; na operação, foram encontrados carros de luxo e esmeraldas

20 OUT 2022 • POR Daiany Albuquerque • 09h02
Nas redes sociais, Patrick Abrahão gosta de postar fotos ostentando joias e carros, além de viagens a vários países e frases de efeito   Reprodução

Investigado por crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato, um grupo de empresários que eram sócios em uma empresa de investimento foi alvo da Polícia Federal.


Durante a Operação La Casa de Papel, os agentes apreenderam cerca de R$ 4,1 bilhões em esmeraldas, carros de luxo, dinheiro de vários países e ouro.

O valor exato ainda não foi divulgado porque até o fechamento desta matéria a polícia ainda terminava de contabilizar os objetos apreendidos.


De acordo com a investigação, o grupo é suspeito de implementar um esquema de pirâmide financeira transnacional em mais de 80 países. O esquema captou recursos de mais de 1,3 milhão de pessoas.

O prejuízo aos investidores é estimado em R$ 4,1 bilhões, conforme a Polícia Federal de Mato Grosso do Sul, onde a investigação acontece.


As investigações tiveram origem em agosto de 2019, quando o diretor de marketing da Trust Investing, Fabiano Lorite de Lima, foi preso em Dourados, junto de Jean Pessoa de Souto e Cláudio Barbosa.

Conforme a Polícia Federal, eles se deslocavam em direção à fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai com escolta armada. 


Durante abordagem, foram encontradas esmeraldas avaliadas em U$ 100 mil, que estavam ocultas e não tinham origem legal. A corporação alega que a nota fiscal que amparava as pedras preciosas estava cancelada.


Em audiência de custódia na Justiça Federal, no dia seguinte, os três foram soltos em liberdade provisória e sob pagamento de fiança.


Depois disso, a Polícia Federal começou a investigar o grupo e descobriu que, além das pedras preciosas, havia a existência de esquema de pirâmide financeira, cujas operações teriam se iniciado em 2019, “estando em curso e pleno desenvolvimento até o momento de deflagração da operação”, diz trecho de nota da PF.


“Os investigados, com utilização massiva de redes sociais, marketing, reuniões por diversos estados e países, centenas de ‘team leaders’ arregimentados, além da estrutura e apoio de entidade religiosa pertencente a um deles, atuavam para captar recursos e, assim, gerir uma empresa que oferecia pacotes de investimentos/aportes financeiros desde U$ 15 a U$ 100 mil, com promessa de ganhos diários em percentuais altíssimos”, descobriu a investigação.


Nas redes sociais, o fundador da empresa, Patrick Abrahão, que é casado com a cantora carioca Perlla, mostra uma vida de muito luxo, com diversas viagens, como para Dubai, Cancún e países da Europa. Nas fotos ele está sempre com muitas joias e ao lado de carros de luxo.


Aos investidores, os sócios diziam que a empresa era legalizada na Estônia e que teriam parte de duas instituições financeiras, porém, a PF afirma que todas as empresas do grupo não existiam de fato.


“Os investigados não tinham qualquer autorização para a captação e gestão dos recursos levantados no Brasil, na Estônia ou em qualquer outro país, tendo ainda diversos alertas de órgãos financeiros em vários países, como Espanha, Panamá, entre outros, no sentido da ausência de autorização e de que se tratava de esquema de pirâmide financeira”, continua a nota.


O grupo prometia ganhos altos e fáceis. Por meio de sites e aplicativos que mantinha nas redes sociais, a organização prometia que os investimentos seriam multiplicados em ganhos diários, que poderiam chegar a até 20% ao mês e mais de 300% ao ano, “por meio de transações no mercado de criptoativos por supostos ‘traders’ a serviço da empresa, os quais seriam utilizados para multiplicar o capital investido e, ainda, instando os que ingressavam no negócio a captar novos investidores, em mecanismo que chamavam de ‘binário’, proporcionando ganhos porcentuais sobre os valores investidos por novas pessoas que eram atraídas para o esquema”.


No fim do ano passado, o grupo criou duas criptomoedas, sob o nome de Truster Coin e Truster Energy.

“Foi identificada manipulação de mercado para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500% em apenas 15 horas, com pico de até 38.000%, dias depois. Tudo isso para manter a pirâmide financeira o maior tempo possível em atividade, pois as criptomoedas foram também utilizadas para pagar os investidores”, diz a PF.

SEM PAGAMENTO


Contas bancárias dos investigados, de empresas de fachada, de parentes, além de terceiros ligados ao grupo e de uma entidade religiosa, foram usadas para movimentar o dinheiro.

Somente o grupo religioso movimentou mais de R$ 15 milhões, além de ser usado também para captar investidores, buscando a ocultação e a lavagem de dinheiro dos recursos.


Os pagamentos aos investidores pararam após a prisão de um dos líderes em Cuba. Foi então que os fundadores da organização deram a justificativa de que o governo de Cuba teria impedido a empresa de atuar no país e não realizou pagamento a cubanos que participavam da pirâmide. 


“Na sequência, ante o volume de dinheiro subtraído pelo esquema criminoso, os investigados começaram a impor dificuldades para realização dos pagamentos aos investidores lesados e, como forma de garantir seus lucros, passaram a estabelecer prazos cada vez maiores para resgate, o que impedia os saques dos valores aportados pelos investidores. A investigação demonstrou que os investigados combinaram um ‘ataque hacker’, plano que foi efetivamente implementado no fim de 2021”, relata a polícia.


No suposto ataque, os líderes da organização alegaram um “imenso prejuízo financeiro com a ação” e retiveram todo o dinheiro dos investidores, propondo a suspensão de todos os pagamentos sob o argumento da necessidade de uma auditoria financeira.


Após o fim da suposta auditoria, o grupo anunciou uma reestruturação da empresa, a fim de que os investidores efetuassem novos aportes. A investigação aponta também que houve ameaças do “CEO” da empresa de que quem processasse ou realizasse registros de boletins de ocorrências seria identificado, processado e não receberia o valor investido de volta.


Ao todo, foram cumpridos seis mandados de prisão preventiva contra os líderes da organização e 41 mandados de busca e apreensão. Apesar de terem sido expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, os mandados foram cumpridos fora de Mato Grosso do Sul, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina. 


Houve ainda o bloqueio de U$ 20 milhões e sequestros de dinheiro em contas bancárias, imóveis de altíssimo padrão, gado, veículos, ouro, joias, artigos de luxo, mina de esmeraldas, lanchas e criptoativos em posse das pessoas físicas e jurídicas investigadas.


Os investigados responderão pelos crimes de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro por operar sem autorização, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bem mineral da União Federal, execução de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, falsidade ideológica e estelionato por meio de fraude eletrônica.

As penas máximas, somadas, podem chegar a 41 anos de prisão, sem prejuízo do perdimento dos bens e de multas ambientais e tributárias a serem apuradas.

ALERTA


Segundo o advogado, especialista em segurança e ex-superintendente da Polícia Federal de Mato Grosso do Sul Edgar Marcon, é importante que as pessoas desconfiem de toda promessa de ganhos fáceis e muito acima do valor praticado por qualquer instituição financeira.


O especialista pede que as pessoas pesquisem antes de embarcar nesse tipo de investimento. “As pessoas que têm dinheiro para investir, economias, até mesmo por falta de instrução sobre investimentos, acabam aceitando juros altos ou buscam a melhor oferta. Mas é importante buscar mais informações sobre qualquer tipo de investimento, tem de buscar informação sobre tudo, não pode cair na primeira oferta milagrosa”, alerta.


Para ele, muitas vezes, as pessoas ficam cegas pelas promessas de dinheiro rápido e fácil e continuam caindo nesses esquemas de pirâmide, que são denunciados há anos pela polícia.


“As pessoas têm de prestar atenção no que está sendo oferecido, isso de dobrar o patrimônio de um dia para o outro não existe nem no mercado nacional nem no internacional. A ganância do ser humano muitas vezes cega as pessoas”, avalia.


Marcon ainda orienta que as pessoas interessadas em fazer investimento devem procurar instituições sólidas e a ajuda de profissionais cadastrados pela Bolsa de Valores.

SAIBA

Segundo a Polícia Federal, a operação tem esse nome em razão de alguns dos investigados serem detentores também da nacionalidade espanhola e por terem montado uma bilionária pirâmide financeira, com o seu próprio banco e a sua própria “casa da moeda”, fabricando dinheiro por meio de criptoativos próprios.

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