Usar o momento de frustração para refletir sobre a importância do diálogo e de respeitar as diferenças em sociedades democráticas é a estratégia recomendada por especialistas a aqueles que ficaram insatisfeitos com a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais.
Segundo psiquiatras e psicólogos, o momento de tensão social sinaliza um adoecimento psíquico da sociedade, e não uma condição de saúde mental individual.
"Individualmente, as pessoas podem expressar que estão magoadas, que não concordam. O perigo é fazer isso se somando a um coletivo e se transformando em uma multidão raivosa", diz a psicóloga social Ivani Oliveira.
"Quando estamos na multidão, perdemos parâmetros de convivência ética e de avaliação moral da situação. Podemos usar a violência de forma exacerbada e desproporcional."
Em parceria com a especialista em psicologia política Flávia Eugenio, Oliveira coordenou rodas de conversa entre os turnos das eleições presidenciais de 2018 para tratar do tema, cada vez mais frequente entre pacientes. Hoje, elas abordam o assunto em consultas individuais.
"Nessa semana que antecedeu as eleições, quase todos os atendimentos tinham a ver com angústias relacionados ao período eleitoral", conta Eugenio.
Para Oliveira, o momento é oportuno para que o grupo que se sente insatisfeito com a vitória de Lula possa refletir sobre questões importantes que apareceram durante a disputa eleitoral, como a necessidade de dissociação entre política e religião.
Além disso, a psicóloga sinaliza que o momento é propício para a reflexão sobre com quais pautas de Jair Bolsonaro (PL) essas pessoas realmente estavam de acordo.
"É possível que elas não tenham concordado com tudo o que foi proposto e feito por Bolsonaro, mas que não tenham podido expressar opiniões contrárias porque isso colocaria em risco o que estavam defendendo naquele momento. Quando a defesa desse líder cai, acho que é importante pensar 'será que eu concordava de fato com tudo?', afirma Oliveira.
Paulo Amarante, psiquiatra e pesquisador sênior do LAPS (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial) da ENSP/Fiocruz (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz), afirma que os insatisfeitos devem tentar se abrir para o apaziguamento e para a construção de diálogo com aqueles que pensam diferente.
Reconhecer o outro na sua diversidade também é central, afirma o psiquiatra.
Amarante ressalta que compreender o sofrimento para além de sua perspectiva individual ajuda a perceber que a resolução do problema não tem a ver com a psiquiatria, mas com a realidade política.
"É importante pensar na implicação política deste momento não só para você, mas para o país. Precisamos reconstruir princípios de coletividade, boa convivência e solidariedade", diz ele.
Para Angelo Costa, psicólogo social e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), quem perdeu as eleições deve compreender que a democracia é fundamentada no diálogo e que a conciliação é necessária para compor soluções comuns, de preferência melhores do que aquelas pensadas originalmente.
Segundo Costa, o cenário de tensionamento político e social aponta para um adoecimento da sociedade, já que o correto é que vivamos em espaços nos quais divergências sejam aceitas e estimuladas.
"Uma sociedade saudável, do ponto de vista da psicologia política, é aberta e resiliente à divergência e ao pensamento contrário", diz Costa.
"A nossa sociedade está adoecida porque não consegue aceitar mais o debate de ideias livre de violência."
Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Abrasme (Associação Brasileira de Saúde Mental), pontua que, ao se sentir frustrado com o resultado, o ideal é refletir sobre como perder e ganhar eleições é inerente à democracia.
O perigo, afirma, é quando as pessoas desenvolvem uma postura agressiva e desrespeitosa.
"Elaborar a frustração nessas condições é muito mais difícil, porque você não consegue lidar com esse sentimento a partir desse lugar de não reflexão", diz.
"Quando você lida com verdades absolutas e que não tem eco na realidade, o que acaba acontecendo é que essa frustração se perpetua, porque vira uma indignação", completa Guljor.
A psicóloga Flávia Eugenio reforça que se sentir frustrado é normal, mas que isso não pode significar desrespeito ao próximo e à democracia.
"Sentir-se decepcionado com os processos coletivos faz parte do processo político. O frustrar-se, não concordar e viver um processo de luto é esperável e entendível, mas isso não pode se transformar em ataque e destruição do outro, pois foge do que é esperado da socialização saudável", afirma.