A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada pelo Senado na quarta-feira (7) e encaminhada para votação na Câmara dos Deputados, já começa a reverberar preocupação em economistas.
Isso porque a PEC da Transição autoriza gastos de R$ 145 bilhões em programas de assistência social.
Números da própria Comissão de Orçamento, tanto na Câmara quanto no Senado, apontam que R$ 80 bilhões seriam suficientes para aumentar o Auxílio Brasil – ou Bolsa Família, a partir de 1º de janeiro – de R$ 405 para R$ 600 e ainda pagar mais R$ 150 por cada criança na escola.
A magnitude bilionária do pontapé inicial do novo governo inicia-se, ainda, deixando livres outros R$ 65 bilhões, que segundo o próprio texto da PEC poderão ser utilizados em outros programas sociais, como Farmácia Popular, além de injetar mais dinheiro no Sistema Único de Saúde (SUS) e, de quebra, disponibilizar verba para projetos da Lei Aldir Blanc, de cultura.
No entanto, apesar do reconhecimento da necessidade urgente de se investir em políticas sociais, economistas explicam que essa grande quantidade de dinheiro em circulação pode gerar mais inflação por causa da elevação do consumo.
E mais ainda quando a própria PEC também prevê mais R$ 23 bilhões em investimentos sociais em caso de excesso de receita, ou seja, se a arrecadação da União for maior que a prevista, mais dinheiro será destinado ao esforço que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva chama de “tirar o Brasil mais uma vez do mapa da fome”.
Para Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, essa quantidade de recursos é exorbitante.
“Do jeito que a PEC está, o que se vê não é só o furo no teto de gastos, mas um caminho aberto para a irresponsabilidade fiscal, até porque o Orçamento atual já prevê um auxílio de R$ 405. Isso quer dizer que, com R$ 80 bilhões, daria para aumentar para R$ 600 e ainda incluir os R$ 150 para cada criança matriculada. A PEC deveria ser só para 2023, mas já incluíram 2024”, criticou Loyola em entrevista ao Correio do Estado.
*Saiba o que está incluso
Para o Auxílio Brasil ou Bolsa Família, está previsto adicional de R$ 150,00 por criança de até 6 anos para as famílias beneficiadas;
Aumento real do salário mínimo de 2023, sendo acima da inflação;
Repasse de recursos para a saúde, como o programa Farmácia Popular;
Repasse de recursos para a educação, como a merenda escolar;
Possibilidade de recursos para a cultura, por meio de projetos vinculados à Lei Aldir Blanc.
O doutor em Economia Michel Constantino diz que a PEC poderá chegar a R$ 200 bilhões, porque na redação final são acrescentados mais penduricalhos que aumentam o valor, o que pode ser considerado preocupante.
Quanto à quantidade bi1ionária de recursos, ele acredita que haverá uma pressão inflacionária.
“Já vimos esse efeito no passado e atualmente em outros países. O problema da inflação é que, além de impactar as famílias com renda mais baixa, o Banco Central agirá aumentando juros, podendo frear ainda mais o crescimento econômico, que pode trazer recessão”, explicou Constantino.
O economista Eduardo Matos destaca que não se pode esquecer do diagnóstico inflacionário atual, que de um lado há uma demanda represada pela pandemia, que ainda não foi totalmente atendida, e uma inflação causada por altos custos de insumos-chave, como petróleo e fertilizantes.
“Cabe saber se a redução nos custos e principalmente dos preços externos será proporcionalmente maior ou menor do que os efeitos inflacionários causados pelo aumento do dinheiro em poder do público”, observou.
Máquina
Outra preocupação está relacionada à possibilidade de esses recursos serem destinados ao reaparelhamento da máquina pública, que é um processo que acontece nas negociações para equalizar os votos e principalmente na expansão dos programas, o que, na avaliação do economista, é de difícil solução.
Quanto à elasticidade do destino dos recursos, Constantino diz que esse excesso de recursos no texto já é uma mostra de que essa captura da receita é uma forma de garantir o dinheiro de de várias formas, o que pode incluir aumento de impostos e até o reavivamento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
O economista ainda pontua que o novo governo dá uma largada de gastos sem falar de onde sai o dinheiro e sobre a redução da máquina pública.
“Isso acaba impactando todos, principalmente os mais pobres, com preços mais altos e juros elevados”.
O valor de R$ 145 bilhões com a possibilidade de mais R$ 23 bilhões oriundos do PIS/Pasep é, segundo Matos, uma quantia que extrapola o necessário para honrar com o Bolsa Família.
“Como os gastos deveriam ser atrelados a algum gasto do governo, pelo modus operandi do Lula, a quantia restante seria alocada em outros programas sociais. Agora, independentemente da destinação dos recursos, a expectativa é de abertura de novos editais de concursos públicos. Então, é possível uma nova onda de aparelhamento da máquina pública, mas já há pressões quanto à responsabilidade fiscal”, detalhou Matos.
Já a questão do excesso de receita é vista com preocupação porque deixa de ser a quantidade de gastos e passa ser a qualidade dos gastos.
O economista frisa que, em uma economia de grande magnitude, os efeitos multiplicadores também são massivos.
Com a Selic alta, haverá maior custo do crédito, o que resulta na queda do consumo e principalmente na queda dos investimentos. Isso mostra que o futuro governo tem cenários distintos para pisar.
O maior prejudicado, em primeiro lugar, será o setor produtivo, que ficará impossibilitado de expandir os empreendimentos e ofertar maior número de produtos, podendo até gerar uma “espiral inflacionária” em razão da necessidade de aumentar preços pela incapacidade de expansão produtiva e pelo aumento da demanda causada pelo grande volume de dinheiro em circulação que foi dado em um primeiro momento.
“No segundo momento e no fim das contas, o consumidor e o assalariado mais humilde sofrerão em dobro”, avalia Matos.