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ENTREVISTA "O mercado financeiro não tem nada contra a política social de Lula" O economista Gustavo Loyola foi presidente do Banco Central nos mandatos dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e esteve em Campo Grande proferindo palestra 24 DEZ 2022 • POR ELIAS LUZ • 09h30
  Foto: Gerson Oliveira

GUSTAVO JORGE LABOISSIÈRE LOYOLA 

Doutor em economia e ex-presidente do Banco Central 

O economista Gustavo Loyola esteve em Campo Grande proferindo palestra para o setor produtivo do Estado nas áreas de agricultura, pecuária, indústria e comércio. A reportagem do Correio do Estado esteve com ele antes do encontro com os empresários.

Loyola, que foi presidente do Banco Central nos mandatos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, criticou a sede do novo governo em querer garantir mais recursos para a área social e rebateu o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao afirmar que no mercado financeiro ninguém é contra um Auxílio Brasil ou Bolsa Família, no valor de R$ 600.

Para ele, o novo governo Lula terá missões espinhosas para resolver, como o combate à inflação, a diminuição da taxa de juros, a geração de empregos, o dólar em ascensão, a reforma tributária, além das políticas sociais.

Na entrevista, Loyola expõe perspectivas econômicas para os próximos dois anos, em conjunto a uma série de desafios a serem superados.

O ex-presidente do Banco Central, que já foi eleito o economista do ano, em 2014, mostrou-se atento também à economia sul-mato-grossense ao destacar que o Estado tem a nova rota do agronegócio nas mãos, com os biocombustíveis e a geração de energia limpa por meio de biomassa de bagaço de cana-de-açúcar e eucalipto. Confira a entrevista:
 
Como o senhor analisa a PEC da Transição, que, segundo parlamentares de oposição ao presidente eleito, vai furar o teto de gastos para o próximo ano?

Eu acho que, na forma original que foi proposta, essa PEC é uma transição para a irresponsabilidade fiscal, porque abre um espaço muito grande no Orçamento. Basta dizer que o Orçamento atual já prevê, dentro do teto de gastos, o pagamento de até R$ 405 para o Auxílio Brasil.

Então, só necessitaria buscar a aprovação para mais R$ 200. Entendo que a PEC é necessária, mas deveria ser mais modesta e concentrada apenas no primeiro ano de gestão, enquanto o governo eleito toma outras providências para colocar outros temas de controle fiscal a partir de 2024. Essa transição não pode ir para o sentido do descontrole fiscal. 
 
Quais os principais desafios para o novo governo em 2023?

Na área econômica, o grande desafio é a questão fiscal como um todo. Não é só uma questão de abrir espaços para gastos adicionais. É, na realidade, mudar a forma como o dinheiro público é gasto no Brasil e como os impostos são arrecadados, ou seja, do lado da arrecadação, precisamos de uma reforma tributária bastante profunda e, do lado do gasto, precisamos acabar com esse Orçamento, que é superengessado.

O Orçamento é apropriado para grupos de interesses. É preciso, sim, que haja espaço para o atendimento das necessidades básicas da população brasileira, como educação, saúde, enfim, todo aquele conjunto de atividades que são inerentes ao Estado e que não podem ser substituídas pelo setor privado.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai pegar uma situação melhor ou pior da que herdou há 20 anos?

Eu acho que será pior, porque, há 20 anos, o governo tinha superavit fiscal. O governo anterior ao de Lula, no caso o de Fernando Henrique Cardoso, tinha sido de muitos ajustes. Além disso, Lula pegou um vento muito favorável do exterior, que foi aquele boom de commodities.

Foi um período em que o Brasil se aproveitou disso. Então, considerando a herança do governo anterior naquela época e os ventos que ele se apropriou e aproveitou, com uma situação externa favorável, bastou a ele manter a política econômica, que foi o que ele fez na gestão do ex-ministro Antonio Palocci.

A situação começou a mudar entre 2008 e 2009 e se deteriorou com a ideia de fazer algumas experiências, já na gestão do Guido Mantega. Essa nova matriz econômica levou o País a uma descendente que acabou gerando aquela recessão no fim do governo da Dilma, o que se tornou um ingrediente importante no impeachment em 2016. 

O senhor é a favor de uma reforma tributária? Acredita na proposta de um imposto único?

Sou a favor da reforma tributária, mas quanto ao imposto único, eu sou radicalmente contra. Acho que toda vez que você quer simplificar um problema complexo ou dar uma reposta simples tudo isso acaba dando errado.

Tributação é uma coisa muito complexa para ser abarcada com o imposto único, que seria ainda um imposto em cascata e vai se agregando ao valor dos bens de serviços e vai acumulando um sobre o outro. Imposto único não deu certo em nenhum país do mundo.

Essa ideia de simplificação excessiva não funciona. Precisamos de uma reforma tributária que simplifique o nosso sistema, mas o imposto único seria uma ideia insana.
 
Acredita que a taxa Selic, atualmente em 13,75%, comece a baixar no próximo ano?

Sim. Acredito que em 2023 nós tenhamos um início de queda gradual. Mas qual é a hipótese por trás desse pensamento? Essa PEC de Transição não será vista como desestabilizadora do ponto de vista fiscal ou que vá colocar a trajetória da dívida pública em um terreno perigoso.

Então, se tivermos um mínimo de política fiscal responsável e com o que o Banco Central já fez, a inflação tende a cair.

Tanto que as próprias previsões já direcionam para uma queda, embora ainda permaneçam acima da meta, mas já começam a cair.

Quando chegar no meio do ano que vem, o Banco Central já estará mirando em 2024. Dentro desse contexto, as expectativas estarão mais próximas da meta. Aí será possível começar a reduzir os juros.

Quanto ao dólar, acredita que a moeda tende a se valorizar ou virá um novo ciclo de queda?

Acredito que o dólar ficará acima dos R$ 5 por razões simples: os juros americanos estão subindo, e essa tendência se manterá por mais tempo. Isso tende a fortalecer o dólar em relação a todas as demais moedas. O real, neste momento, encontra-se desvalorizado e abaixo da média histórica.

A rigor, o Brasil deveria esperar que o real se recuperasse, mas, em função dos juros elevados nos Estados Unidos, isso não acontecerá tão cedo. A atual cotação é influenciada fortemente pela nossa política doméstica, principalmente pela questão fiscal.

Se a gestão do presidente Lula for vista como irresponsável, do ponto de vista macroeconômico, aí, sim, o dólar pode subir acima dos R$ 6. Mas o Brasil tem grandes reservas internacionais e, o principal, não tem dívida em dólar.

Então, isso serve de âncora para evitar uma desvalorização excessiva do real. Caso haja mais desvalorização do real, isso passará para a inflação e aí não será possível reduzir as taxas de juros.

Por que quando o presidente eleito fala de questão social o mercado reage tão mal?

Eu não acho que o mercado reaja mal, mas as pessoas não pensam igual. Eu, por exemplo, penso que a responsabilidade macroeconômica não exclui as políticas sociais. Ao contrário, o problema é que o que há no Brasil – quanto ao Orçamento – é que o dinheiro não é bem gasto em políticas sociais, ou seja, não é focalizado. Então, nós temos uma distorção muito grande.

Uma delas vem das Universidades Federais, porque quem tem mais recursos vai para as universidades públicas, não paga nada, e tem muita gente que necessita trabalhar o dia inteiro para pagar a faculdade privada à noite, por não ter acesso a uma universidade pública.

Dessa forma, o Brasil acaba tendo um gasto em educação muito grande para quem não precisa. Não estou dizendo que deveria haver cobranças nas universidades.

Por esse raciocínio, dá para perceber que o setor público gasta dinheiro à toa. Eu não vejo ninguém no mercado que seja contra o pagamento do auxílio no valor de R$ 600.

A questão é que esse auxílio é pior que o Bolsa Família, que foi baseado no Bolsa Escola, que incentivava as famílias a colocar as crianças na escola e, portanto, era muito focalizado na infância.

Havia um olhar nesta questão. As transferências de renda de hoje não têm essas condicionalidades. Outro caso é o governo reduzir alíquota de impostos nos combustíveis.

O cara que tem o fusca é beneficiado, o da Ferrari também e o que tem uma frota de mil veículos também é. Será que é justo isso? Eu acho que não. Seria necessário, por exemplo, uma política para subsidiar o gás de cozinha para pessoas sem condições de comprá-lo.

É necessário que haja política social para a primeira infância, para a mulher que é a cabeça da família, pessoas idosas e com deficiência.

Na época que a economia brasileira foi melhor, não foi por causa do Bolsa Família. Foi por causa que a taxa de desemprego caiu. O melhor auxílio que um país pode dar é a de geração de empregos, que vai gerar crescimento econômico.

Não adianta gastar se endividando porque vai gerar inflação e vai bater, primeiramente, no bolso do mais pobre. O economista John Maynard Keynes disse que a inflação nada mais é que um imposto que incide sobre os mais pobres.

Esse conceito está correto, e tivemos uma prova disso nos últimos dois anos. O consumo das classes mais altas quase não foi afetado, mas os mais pobres sofreram mais.
 
Mato Grosso do Sul tem crescido em níveis acima da média nacional. O senhor acredita que o Estado está no rumo certo?

O agronegócio é a vocação natural de Mato Grosso do Sul. Evidentemente, a atração de investimentos públicos e privados tem de acontecer levando em conta essa vocação. Não precisa investir somente nesse setor, mas é preciso dar uma atenção à infraestrutura, à indústria de insumos, ao beneficiamento dos produtos e às inovações.

Agora uma nova avenida do agronegócio está sendo aberta, que é a do combustível verde, ou biocombustível. Então, o etanol de cana-de-açúcar e de milho tornam-se segmentos merecedores de uma atenção maior até por causa da sustentabilidade.

Em vez de usar derivados de petróleo, que é negativo para o meio ambiente, usa-se o combustível que vem do agro. Até mesmo a energia oriunda da biomassa, que no Estado pode ser de bagaço de cana e também do eucalipto.

Por isso, precisa-se vocacionar ainda mais as universidades para o aprimoramento de pesquisas. O Brasil tem vocação para a agricultura e a floresta. Podemos ter investimentos adicionais nos dois setores. É bom ter mais de uma opção.