O desembargador Sérgio Fernandes Martins assumiu, no dia 1º deste mês, a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para o biênio 2023-2024.
Ele é o terceiro magistrado oriundo do Quinto Constitucional da advocacia a presidir a mais alta Corte de Justiça do Estado.
Em entrevista ao Correio do Estado, Martins adiantou que terá a reaproximação do Judiciário com a comunidade como um de seus principais objetivos de gestão. E os primeiros atos neste sentido serão obrigar os magistrados a passarem mais tempo em suas comarcas e reduzir o trabalho remoto dos servidores.
“Hoje, temos magistrados que nem moram mais na comarca, que vão de vez em quando. Isso não é possível”, afirmou.
Ele também disse que está ciente dos números de violência doméstica em Mato Grosso do Sul e que intensificará os trabalhos para transformar essa difícil realidade para as mulheres do Estado.
“Nossa administração intensificará o trabalho no combate à violência contra a mulher”, complementou.
Confira a entrevista completa.
Conte-nos sobre sua trajetória no Tribunal de Justiça até chegar à presidência.
Normalmente, só se exerce a presidência do Tribunal de Justiça uma vez. Agora, pela ordem natural das coisas, eu fui eleito por unanimidade, por aclamação, mas eu já exerci cargos aqui. Fui corregedor-geral. Os três cargos da administração são presidente, vice e corregedor-geral.
Quando o Paschoal (Carmello Leandro) foi o presidente, eu fui o corregedor-geral. Eu ingressei na magistratura, aqui no Tribunal de Justiça, em 22 de novembro de 2007. Entrei pelo Quinto Constitucional da advocacia. Estou aqui no Tribunal de Justiça há pouco mais de 15 anos.
E como foi a transição, neste período, da advocacia para a magistratura, uma vez que é oriundo do Quinto Constitucional?
Na verdade, meu pai foi magistrado de carreira. Chegou ao Tribunal de Justiça lá em Mato Grosso, o desembargador Sérgio Martins Sobrinho.
Então eu sempre estive em contato com ele, nos fóruns, nas reuniões. Até porque sou o único filho dele que optou por trilhar a área jurídica. Meu irmão é engenheiro; minha irmã, publicitária.
No entanto, eu nunca tive a pretensão de fazer concurso. Meu pai até tentou que eu fosse para a Magistratura ou Ministério Público, e eu sempre optei por advogar, porque eu sempre gostei muito, e também gostava um pouco da política.
Lecionar também sempre foi um dos trabalhos que tive ao longo da carreira. Fui professor por 20 anos na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco). Só parei mesmo para vir para cá, porque não dava para conciliar mais.
Mas há coisas que acontecem na vida. Surgiu a vaga do desembargador Carlos Stephanini, que havia se aposentado, e eu tive um certo incentivo do governador da época, o André Puccinelli. Ele me disse: “Que tal você se candidatar?”.
Estava até um pouco resistente. Mas aí me candidatei, entrei na lista sêxtupla, na lista tríplice e cheguei aqui.
A relação entre a sociedade e o Poder Judiciário já esteve melhor. O que fazer para que ela se normalize?
Do ponto de vista geral, nós temos basicamente duas formas de encarar o Poder Judiciário. Uma é o que a gente chama de garantismo, e outra é o que a gente chama de ativismo. Não é uma questão de preferência pessoal.
São pensamentos que foram desenvolvidos ao longo do tempo, em que alguns entendem que o Judiciário deve ser garantista, e sendo garantista ele não pode ultrapassar os seus limites. Ele tem de julgar de acordo com o que determina o legislador. Tem de aplicar a lei no caso concreto.
Já os ativistas entendem que o Judiciário pode expandir o que o legislador estabelecer. Por exemplo, ativistas poderiam ser aqueles que entendem que podem ampliar as opções que a Constituição prevê para aborto ou para outras situações.
Estes não ficam muito no que está delimitado no texto legal, no texto constitucional.
Eu me posiciono na linha dos garantistas. Entendo que a gente não pode ultrapassar o que a legislação define.
Mas, hoje, a gente vê um Supremo Tribunal Federal muito mais ativista do que garantista. Começam a tomar decisões que extrapolam a legislação.
E garantismo, é bom frisar, não significa ser condescendente em alguns casos criminais, esperar o trânsito em julgado em alguns casos. Me refiro ao garantismo no sentido de garantir as liberdades individuais do cidadão, previstas na Constituição Federal.
Mas o Judiciário também parece estar cada vez mais distante do cidadão comum, muito embora o Poder Judiciário também seja composto de cidadãos. O que fazer para melhorar esta relação?
Nós temos algumas distorções que têm de ser corrigidas. Eu vou cobrar maior presença do magistrado na comarca. Não porque não existe dentro da Lei Orgânica da Magistratura essa obrigação. Pelo contrário, é uma imposição.
O magistrado tem de ficar na sua comarca. Ficando dentro de sua comarca, o magistrado tem uma inserção dentro daquela sociedade, para ele poder ter conhecimento de como as coisas se passam, para ter um contexto social daquela localidade e, com isso, possa não somente ter uma proximidade maior, mas também decidir melhor.
Nós temos algumas distorções que já existem há algum tempo e que estão sendo muito difíceis de decidir.
Nós vamos tentar pôr em prática a nova normativa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que estabeleceu que somente 30% dos servidores poderão ficar no regime de teletrabalho. Uma situação que aumentou muito, em razão da pandemia, e que se manteve.
Mas tudo isso fez com que o distanciamento do Poder Judiciário da sociedade, que era um distanciamento mais de resguardo, até porque se cobrava muito da natureza do juiz um certo procedimento pessoal, uma liturgia do cargo, se tornar-se um distanciamento real.
Agora, com as facilidades modernas, com a tecnologia e depois com a pandemia, temos magistrados que nem moram mais na comarca, que vão de vez em quando. Isso não é possível.
Há uns (magistrados) que vêm para a Capital na quinta-feira à noite, ficam até segunda-feira e só atendem na comarca na terça, quarta e quinta. Isso não é realidade aqui no Tribunal de Justiça entre os desembargadores, mas no interior isso ocorre.
Começou a existir um certo descuido. Não queremos desvalorizar o magistrado, porque ele produz muito. Mas não é só questão de produzir, ele pode produzir até 100% mais. Porém, obrigar o magistrado a estar na comarca melhora a satisfação do jurisdicionado.
Mato Grosso do Sul é um dos estados brasileiros campeões no número de crimes cometidos contra a mulher no âmbito da violência doméstica. Como o Poder Judiciário pode ajudar a transformar essa realidade?
Infelizmente, eu não sou otimista em relação a isso. É uma situação de enxugar gelo. A magistratura faz o que é possível. É a mesma situação do usuário de droga que é preso, vai para audiência de custódia e em seguida é solto novamente.
Isso é resultado de uma legislação que prevê isso, não é uma coisa que o magistrado fez, não foi o magistrado que elaborou isso.
A questão da violência contra a mulher é estrutural dentro da sociedade brasileira e ela sempre aconteceu. Ela só tomou essa dimensão depois que veio a Lei Maria da Penha e depois que o Judiciário passou a ter esse papel importante. Mas a solução não está no Judiciário.
Por exemplo, quando há uma agressão, o Judiciário faz a parte dele, notifica, determina um procedimento para o agressor manter distância da vítima.
Agora, quem pode fiscalizar isso? A pessoa tem a obrigação de manter uma distância da mulher e recebe uma tornozeleira, mas quem pode acompanhar isso?
Não compete ao Judiciário ter todo esse aparato. Assim como não compete ao Judiciário criar as vagas nos presídios, que depende do Executivo.
Isso só poderá ser diminuído quando tivermos penas duras, mas não somente isso, porque já temos penas duras, mas quando tivermos efetividade. O juiz define uma pena e a pessoa realmente a cumpre. Quando não cumpre, a pessoa volta a rescindir.
O caso de violência contra a mulher é um exemplo clássico, porque qual a garantia que ela tem de que, ao fazer a denúncia e tendo a intervenção do Judiciário, ela não será molestada e agredida logo depois?
E não dá para colocar um juiz, um assistente social ou até mesmo um policial dentro da casa. Só um trabalho muito intenso, entre o Judiciário e o Executivo, para que isso possa ser minorado.
Mas a nossa administração vai intensificar o trabalho no combate à violência contra a mulher para transformar esta situação e levar mais segurança para as vítimas de violência doméstica.
A gestão que se encerrou em novembro protagonizou algumas polêmicas em nível nacional durante a pandemia. Pretende ter uma atuação mais discreta?
Acho que o que houve com o Carlos Eduardo Contar foi uma má interpretação por parte daqueles que fizeram as reportagens. Mas evidentemente que eu tenho um jeito de ser diferente de outros.
Eu também venho de uma experiência política, fui vereador, fui procurador do município, fui subchefe da Casa Civil. Isso me talha um pouquinho para não ingressar muito em polêmicas, embora não falte quem queira me chamar para esse tipo de situação.
Isso é uma coisa que não tem jeito hoje em dia. Mas como eu passei por muitas coisas na minha vida, não vamos ter muita surpresa nesse sentido, pelo contrário.
Mas algumas medidas suas podem criar polêmicas?
Como esse tribunal aqui é muito bem-visto no ponto de vista de sua organização e produção, às vezes não tem o que falar disso.
Eu posso criar até uma celeuma, talvez pelo lado de cobrar que os juízes voltem para as suas comarcas, para cumprir a normativa do CNJ sobre trabalho presencial.
Há lugares em que estamos com mais de 60% dos servidores sem vir presencialmente. Tem de dar um freio de arrumação nisso. E isso o pessoal pode reclamar. Eu quero dar um freio de arrumação.
Há perspectiva de novo concurso para analista?
Acontece que tem o concurso que está em vigor e ainda não acabou de chamar e por isso ainda não podemos abrir o próximo.
O Poder Judiciário está obedecendo ao limite prudencial com gasto com pessoal e com uma certa folguinha, o que significa que ele foi razoavelmente bem gerido lá atrás, não se gastou muito.
Sobre o concurso, eu teria de esgotar as vagas do atual, até porque se eu não esgotar os que estão para ser chamados eles podem entrar com mandado segurança. Eu só vou poder ter uma noção, agora, na hora de assumir, que em alguns locais eu estou sentindo que há necessidade.
Sobretudo porque eu quero agilizar a nossa Central de Processamento Eletrônico (CPE), que é a nossa “galinha dos ovos de ouro”.
É lá onde a gente consegue produzir com muito mais rapidez, ela se transformou em um grande cartório e substituiu os cartórios. Para se ter uma ideia, ali é um lugar que já tem quase 600 servidores. Quanto mais e melhor funcionar a CPE, mais rápidos serão os atos, os processos e tudo.
A gente tem de dar uma atenção, mas antes é preciso dar um freio de arrumação. Não adianta você entupir de gente lá e a coisa não fluir. Por isso, vou adotar o que a gente chama de contrato de gestão, em que cada um destes setores terá de ter metas.
E sobre as taxas dos cartórios, como acabar de vez com o impasse?
Esta é uma matéria afeta à Corregedoria, não tem nada a ver com a presidência. Mas eu não vou me eximir de, eventualmente, me debruçar sobre ela novamente.
Aquele primeiro projeto, que foi um projeto elaborado por mim, quando eu era corregedor, ele está aprovado aqui, internamente. Porque, em um primeiro momento, ele tem de ser elaborado, submetido a um órgão especial, feito pela Corregedoria, aprovado para, depois, o presidente enviá-lo para a Assembleia.
E posteriormente ele foi retirado de pauta da Assembleia Legislativa porque deu esse ruído (em que a sociedade cobrava um corte linear de 30% no valor dos serviços).
E vou tentar aproveitar que a Assembleia está iniciando uma nova legislatura para reiniciar as conversas neste sentido e ver o que é possível adaptar. Agora, o que eu tenho de rechaçar de imediato é esse reducionismo: “tem de cortar linearmente 30%”. Isso não é possível.
Eu visitei todas as comarcas e fui a todos os cartórios extrajudiciais, fui a todas as serventias e conheço bem a realidade do interior. Há cidades que fazem, no máximo, três escrituras por mês, e estes cartórios não sobreviverão.
E é necessário que eles sobrevivam, porque eles prestam serviço à população, você não pode pedir que um cidadão se desloque 80 quilômetros para conseguir uma Certidão de Nascimento ou de Casamento.
Perfil
Sérgio Fernandes Martins
Sérgio Fernandes Martins é natural de Dourados (MS) e ingressou no Tribunal de Justiça pelo Quinto Constitucional na vaga destinada à Ordem dos Advogados do Brasil.
Foi corregedor-geral de Justiça no biênio 2019/2020, professor universitário, subchefe da Secretaria de Estado de Governo de MS e procurador-geral do Município de Campo Grande.