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Correio B+ "A BALEIA" Filme traz assuntos considerados tabus pela sociedade Terapeuta analisou o longa que estreia hoje e pontua as principais conexões 23 FEV 2023 • POR Flavia Viana • 15h00
Brendan Fraser vive um professor de literatura que confronta o seu passado   Divulgação

O aclamado filme “A Baleia”, dirigido por Darren Aronofsky, que estreia hoje nos cinemas brasileiros, conta a história de Charlie, um professor de 270 kg, repleto de problemas emocionais, interpretado por Brendan Fraser que concorre ao Oscar 2023 na categoria de melhor ator.

Ele se transformou fisicamente para viver um homem com obesidade severa que não consegue sair do sofá. Professor de literatura, ele precisa se confrontar com seu passado, que envolve uma filha adolescente (Sadie Sink) e sua ex-mulher (Samantha Morton). O roteiro é escrito por Samuel D. Hunter, baseado em sua peça homônima.

“Esse filme está recheado de conexões profundas. A primeira é a entrega do ator que interpretou o personagem com tanta profundidade que fez com que nós pudéssemos estar lá, atuando e contando sobre as nossas dores emocionais em cada momento que ele aprofunda as próprias dores.

Em uma relação com corpo, mente e alma, nos conduz a olhar de que maneira temos enfrentado os nossos desafios ao longo da nossa vida, o que varremos para debaixo do tapete e quais culpas carregamos e deixamos pesar sobre os nossos ombros”, comenta a terapeuta Wanessa Moreira.

Brendan Fraser que concorre ao Oscar 2023 na categoria de melhor ator - Divulgação

O longa pontua temas importantes que são deixados de lado pela sociedade, como o preconceito com pessoas obesas, depressão, os gatilhos negativos que o luto pode trazer para a vida de uma pessoa e tantos outros.

O personagem então possui uma vida normal, rotulada por um sistema preconceituoso, até que ao se apaixonar por outro homem, se vê na obrigação de ir atrás de sua felicidade, causando tristeza em sua família, abandonando sua esposa e filha recém nascida.

“Vejo a importância de abordar a obesidade e todos os desafios que ela trás, que vão além do preconceito velado, de um distanciamento social, quase um estilo de vida de solidão muitas vezes.

O desafio de lidar com o descontentamento sobre seu corpo, e ter na comida o refúgio para sanar esse pensamento, torna-se um ciclo autodestrutivo que arrasa milhões de pessoas todos os dias”, pontua a terapeuta.

Ao perder seu companheiro, Charlie enxerga na comida sua fuga para viver o luto, longe das pessoas e de todos os que o cercam, incluindo seus próprios alunos que não sabem a aparência de seu professor, pois o mesmo nunca aparece nas aulas virtuais, somente o áudio é possível captar.

Charlie encontra na comida o refúgio para seu sofrimento - Divulgação 

“A mente que busca se preencher de comida é machucada, uma pessoa que não tem seu próprio território, que não sente que tem o seu espaço, que muitas vezes se enxerga ameaçada e excluída de várias situações familiares, se preenche de alimento para poder suprir toda a sensação de descrédito em si mesmo, como se a nutrição compulsiva pudesse repor o colo materno, a nutrição e a atenção que não foi recebida de forma suficiente pela família”, complementa Wanessa.

Brendan Fraser, por sua vez, conta que teve uma entrega total ao personagem, como nunca fizera antes, para mostrar toda a força e vulnerabilidade de Charlie.

“Ele tem uma melancolia que o paralisa que vem do fato de nunca poder ter sido a pessoa que queria ser. Ele carrega muitos sentimentos de culpa“, explica o ator.

Fraser também defende o personagem, que, para ele, não é mesquinho ou calculista, mas vítima de suas próprias escolhas.

“Charlie feriu as pessoas por não ser direto, não ser autêntico, e agora vive uma batalha consigo mesmo. Ele deixou de lado de acertar as contas com as pessoas que amava, e agora pode ser tarde demais para fazer isso. Quando diz aos seus alunos que precisam encontrar uma maneira de dizer a verdade, no fundo, ele está falando isso para si mesmo”.

“Não saber lidar com os desafios, não conseguir pedir ajuda real e não encontrar uma saída possível para o problema que se vive, também é uma grande causa da necessidade de suprir com a comida as emoções. Mas de toda abordagem das emoções que ‘A Baleia’ nos presenteia, vejo uma de muito impacto: o fato da melancolia que o paralisa por nunca ter sido a pessoa que ele queria ser.

Atualmente, o mais comum que ouvimos nos consultórios de terapia, é exatamente essa dor - um ser humano que se olha profundamente e lida com a dor e a frustração de não ter tido a vida que ele planejou, de não ter conseguido realizar o que imaginou, que lida com a dor e a frustração de ser quem é e não quem gostaria de ter sido, e mais, não têm a menor ideia de como mudar isso.

Num mundo de pouca profundidade, baixo comprometimento e relações rasas, estamos com uma população fadada a adoecer de pânico, depressão e frustração, por não saber mais exatamente o que as fariam felizes, independente das conquistas que já obtiveram até aqui”, aprofunda Wanessa.

Parte do elenco no filme que concorre ao Oscar - Divulgação

“Preconceito contra obesidade é uma das últimas fronteiras das maneiras de uma pessoa menosprezar a outra. Muitas vezes, as pessoas do tamanho de Charlie são invisíveis, vistas apenas por suas famílias e cuidadores. É uma forma de silenciamento. Conversando com essas pessoas, percebi que, como qualquer um, elas querem ter suas histórias contadas, e serem tratadas de maneira justa e honesta. Isso tudo foi um impulso para me levar à autenticidade do personagem”, conclui Fraser.

A terapeuta completa: “A falta de direção, verdade e profundidade, conduz com facilidade a identificação das pessoas com a dor do nosso querido personagem, que no momento que ele desiste de si mesmo, abre a câmera para os alunos quando já nada mais importa, e quando, infelizmente não tem tempo para viver o que gostaria, pois na sequência ele se despede da vida e faz a passagem, criando aquele caminho familiar de pensamento, como teria vivido, caso tivesse feito a tempo isso ou aquilo? Terminamos o filme com um tom intrigante com a vida, que leva cada telespectador a repensar sua relação e ação com suas dores, e quem sabe retomar assuntos que estavam na prateleira”, finaliza Wanessa Moreira.