Avô e avó maternos de Sophia, pais de Stephanie de Jesus da Silva, prestaram depoimento na tarde desta segunda-feira (17), durante a audiência de instrução - a primeira a ouvir as testemunhas de acusação para colher todas as provas para o julgamento do Caso Sophia.
Rogério Silva foi o primeiro familiar de Stephanie a depôr. O avô da pequena Sophia relatou o choque que foi ver a neta no velório, e afirmou que, ao passar a mão no rosto da criança, era possível sentir que os ossos de sua face estavam quebrados.
"Eles desfiguraram ela. Eu senti os farelos dos ossos no crânio e no maxilar, entre a testa e o nariz. A gente colocava a mão e afundava, não tinha osso", lamentou.
Silva não era muito próximo de sua filha. Ele explicou que se divorciou da mãe de Stephanie há 21 anos, e que a filha sempre reclamou dos pais, dizendo que eram ausentes. Apesar de não haver tanta proximidade, o homem afirmou já ter visto hematomas na criança, mas nunca imaginou que Sophia era espancada.
"Nunca vamos imaginar que isso vai acontecer com a gente".
O avô da vítima ainda acrescentou que ele e a avó já tinham medo da Sophia ser estuprada, porque desde que Stephanie havia passado a morar com Christian, o padrasto da menina, a casa "vivia cheia de homens".
Durante seu depoimento, a mãe de Stephanie, Delziene da Silva de Jesus, relatou que a filha se afastou depois de ter conhecido Christian, e que chegou a proibi-la de entrar na residência do casal.
"Depois que ela conheceu o Christian mudou por completo. Ela se afastou de mim porque não gostava que eu interferia, ela me proibiu de entrar na casa dela".
Por conta do contato reduzido, Delzirene afirmou não ter conseguido notar os sinais de violência, e só constatou as agressões quando viu o laudo médico.
Stephanie procurou pela mãe no dia em que Sophia morreu. "Eu fui recebendo mensagens de que a Sophia estava passando mal, e recebi uma foto da menina dormindo. Sthephanie informou que iria esperar para levar a menina para o UPA", afirmou a testemunha.
Chegando à Unidade, Stephanie ligou para sua mãe para informar que Sophia estava morta. Delzirene acredita que Stephanie foi conivente com a violência sofrida pela criança.
"Por conta das mensagens que ela foi me mandando durante o dia, por conta da enfermeira relatar que Sophia estava há mais de quatro horas morta, não tinha como ela não saber que ela estava morta", disse. "Nas mensagens ela estava com a voz apavorada, de uma forma diferenciada. Ela estava chorando quando me mandou um áudio falando que a Sophia tinha morrido", concluiu Delziene.
Além dos avós, foram ouvidos nesta tarde o pai biológico de Sophia, um investigador e a ex-namorada de Cristian, que já tem medida protetiva contra ele por violência doméstica.
A mulher em questão, A.F., foi ouvida como informante. Ela teve um casamento de dois anos com Christian, com quem tem um filho. No depoimento, afirmou que Christian sempre bateu nela e no filho do casal.
Em uma ocasião, A.F. foi chamada para limpar a casa em que Sophia morava com Stephanie e Christian, e relatou que o ambiente era extremamente sujo. A testemunha ainda confirmou que os tutores eram agressivos com a criança.
"Eu sei dizer que as poucas coisas que eu presenciei foi que eles eram agressivos com a Sophia".
Nesse dia, a mulher afirmou não ter dito nada a ninguém por medo de que Christian agredisse o filho.
Christian Campoçano Leitheim foi denunciado pela promotoria de justiça por homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, meio cruel, contra menor de 14 anos, e estupro de vulnerável. Stephanie de Jesus da Silva deve responder por homicídio doloso e omissão por motivo fútil, meio cruel, contra menor de 14 anos e está sendo assistida pela Defensoria Pública.
O caso
No dia 26 de janeiro de 2023, Stephanie de Jesus da Silva, de 25 anos, levou a pequena Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos, para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino, em Campo Grande. Segundo as enfermeiras que realizaram o primeiro atendimento, a menina já apresentava rigidez cadavérica quando chegou à unidade.
Posteriormente, a perícia constatou que a criança havia morrido 4 horas antes de chegar à UPA. O laudo necroscópico do Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol) indicou que Sophia morreu por um traumatismo na coluna causado por agressão física. Além das diversas lesões no corpo, a criança apresentava, ainda, sinais de estupro.
Conforme noticiado anteriormente pelo Correio do Estado, mensagens trocadas entre a mãe de Sophia e o padrasto indicam que a dupla já sabia que a menina estava morta.
No diálogo que aconteceu no dia da morte de Sophia, por meio de um aplicativo de mensagens, Christian e Stephanie discutiam o que diriam para justificar o falecimento da criança.
Christian afirma para Stephanie que ele não tinha condições de cuidar das crianças, e que já havia avisado que um dia eles dariam azar e que a companheira perderia todas as coisas dela.
“Eu não tenho condições de cuidar de filhos. [...] Eu te avisei que sua vida ia ficar pior comigo, mas você não acreditou”, disse Leitheim à mãe de Sophia.
Na mesma conversa, o homem ainda diz que vai tirar a própria vida quando Stephanie o informa que Sophia está morta. As mensagens foram trocadas quando a mãe da menina estava na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino, onde a criança já chegou sem vida.
“Tô saindo. Não vou levar o celular e nem identidade para, quando me acharem, demorar para reconhecer ainda. Desculpa, Stephanie, vou sair da sua vida”, afirmou em uma das mensagens trocadas com a namorada.
Ainda de acordo com o documento a que o Correio do Estado teve acesso, logo após dar a notícia da morte da criança, Stephanie conta que exames constataram que Sophia tinha sido estuprada. Esse fato foi relatado pela mãe à polícia quando prestou os primeiros esclarecimentos e confirmado por meio de laudo necroscópico.
“Disseram que ela foi estuprada”, disse Stephanie, ao que Christian respondeu: “Nunca. Isso é porque não sabem o que aconteceu com ela e querem culpar alguém. Sei que você não vai acreditar em mim”.
O padrasto completou: “Se você achar que é verdade, pode me mandar preso, pode fazer o que quiser”.
Durante o diálogo, ele ainda deixa a entender que não teria sido a primeira vez que Sophia havia sofrido algum tipo de agressão, já que ele disse para a mãe “inventar qualquer coisa” que justificasse os hematomas.
“Fala que se machucou no escorregador do parquinho, igual da outra vez”, sugeriu.
Em dois anos e sete meses de vida, Sophia já havia passado por pelo menos 30 atendimentos nas unidades de saúde. O laudo necroscópico indicou que a pequena Sophia morreu por um traumatismo na coluna causado por agressão física.
A Secretária Municipal de Saúde de Campo Grande afirmou que a sindicância aberta para apurar falhas no atendimento dado à criança nas mais de 30 vezes em que ela foi levada à unidades de saúde da Capital está em fase de conclusão.
O resultado das investigações podem ser publicadas até o final de abril, mas este prazo ainda não é definitivo, já que as apurações podem se prolongar por mais algum tempo.