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COINCIDÊNCIA? Com integrante a serviço do tráfico, apreensões de cocaína do DOF despencam No primeiro semestre de 2022 foram 1.771 kg. Neste ano, cerca de 98 kg. Sargento do DOF foi preso acusado de integrar quadrilha de "Don Corlenone" 4 JUL 2023 • POR Neri Kaspary • 11h10
Ygor Nunes Nascimento, sargento que fazia parte do DOF, foi preso pela PF acusado de ser informante de Antônio Joaquim da Mota  

As apreensões de cocaína e de pasta base de cocaína feitas pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF), grupo de elite da polícia de Mato Grosso do Sul que comemora 36 anos nesta terça-feira (04), despencaram no primeiro semestre deste ano na comparação com igual período do ano passado. 

Coincidência ou não, nesta sexta-feira (30) foi preso um de seus integrantes, o sargento Ygor Nunes Nascimento, sob acusação de estar a serviço da maior quadrilha de traficantes de cocaína que atua na região de fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Conforme a Polícia Federal, o bando é chefiado pelo sul-mato-grossense Antônio Joaquim da Mota, conhecido como Motinha, ou Don.

Nos primeiros seis meses do ano passado, conforme dados divulgados pelo próprio DOF, foram apreendidos 1.777 quilos de cocaína (1,04 tonelada) e de pasta base de cocaína (737 kg). No mesmo período de 2023, nenhuma grande apreensão foi divulgada pela corporação e o volume chega a cerca de 98 quilos. 

A maior apreensão do ano anunciada até agora ocorreu justamente horas depois da prisão do sargento Ygor. Na sexta-feira, o DOF anunciou ter interceptado 40,2 quilos de cocaína na BR-262, que liga Campo Grande à fronteira com a Bolívia. Antes disso, o recorde do ano havia sido de 20,4 quilos, no dia 9 de junho, em Laguna Carapã. 

E não é que a cocaína tenha parado de passar por Mato Grosso do Sul. Prova disso é que as apreensões da Polícia Rodoviária Federal dispararam nos primeiros seis meses deste ano. No primeiro semestre de 2022 a PRF reteve 5.123 quilos. Em 2023, o volume aumentou pouco mais de 90% e saltou para 9.571 quilos, o que é recorde para a história da instituição no Estado. No ano passado inteiro foram 10,7 toneladas. 

Dados da Secretaria de Justiça e Segurança Pública mostram que a PRF, com cerca de 500 integrantes, o que representa cerca de 5% do efetivo policial em Mato Grosso do Sul, é responsável por cerca de 90% de toda a cocaína apreendida no Estado neste ano. 

O sargento Ygor, transferido para o DOF oficialmente em março deste ano, foi preso na sede da corporação, em Dourados. Com ele foram encontrados uma pistola 9 milímetros, carregadores para a arma e cerca de 60 munições para fuzil. 

No mesmo dia ele foi excluído do grupo de elite que atua ao longo de toda a fronteira com a Bolívia e o Paraguai, inclusive em rodovias federais, nas quais a PRF interceptou 36 carregamentos de cocaína no primeiro semestre deste ano

"DON CORLEONE"

O chefe do bando especializado em traficar cocaína para a qual o policial estaria trabalhando, Antônio Joaquim da Mota, conseguiu escapar da Polícia Federal na operação da última sexta-feira. No dia 11 de maio, em outra operação da PF na região de Ponta Porã, ele também escapou. Nas duas fugas ele teria utilizado helicóptero. Conforme a PF, a quadrilha já perdeu 12 helicópteros para a polícia nos últimos anos.

Também de acordo com a PF, a seu serviço ele tem um grupo paramilitar composto por brasileiros, um italiano, um romeno e um grego. Os estrangeiros conseguiram fugir no helicóptero o chefe. E,  além de fazer a segurança de Motinha, que se autodenomina Don Corleone, eles também seriam responsáveis pela segurança dos carregamentos de cocaína. 

Evitar que as drogas passassem nos locais onde ocorrem fiscalizações seria uma das atribuições do sargento do DOF preso na última sexta-feira.

FAMÍLIA TRADICIONAL

Antônio Joaquim Mota é de tradicional família do agronegócio da região de Ponta Porã. Além da produção de grãos e atuação na pecuária, a família Mota é proprietária de um frigorífico de abate de bovinos e de uma das mais tradicionais casas de carne da região de fronteira. 

A PF suspeita, inclusive, que Motinha utilizasse os negócios da família para o tráfico, já que caminhões que transportam carne saem lacrados dos abatedouros e a polícia somente rompe os lacres se tiver certeza de que existe alguma irregularidade.

Em 28 de julho do ano passado, por exemplo, o DOF apreendeu 568 quilos de cocaína em um caminhão frigorífico no anel viário de Dourados. Foi uma das maiores apreensões do ano da corporação, que fechou 2022 com a retensão de cerca de 2.350 quilos de cocaína e base. Não existe informação, porém, de que o carregamento pertencesse à quadrilha de Motinha.

O Estadão apurou que as autoridades brasileiras suspeitam de vazamento de informações do lado paraguaio da operação.  Antônio Joaquim Mota é o atual líder do chamado "clã Mota", organização criminosa que já atuou no contrabando de cigarros, aparelhos eletrônicos e agora se especializou no tráfico internacional de drogas. 

Motinha teria negócios com grandes traficantes que atuavam na região e que estão presos, como Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro.

Durante as investigações, a Polícia Federal constatou que a organização criminosa possui grande poder bélico, com coletes balísticos, drones, óculos de visão noturna, granadas, além de armamento de grosso calibre, a exemplo de fuzis 556, 762 e ponto 50, este capaz de perfurar blindagens e abater aeronaves.

Na operação, foram realizadas duas prisões em Minas Gerais, uma em São Paulo, uma no Rio Grande do Sul, e duas em Mato Grosso do Sul, nas cidades de Ponta Porã e Dourados. Além disso, foram apreendidas pelo menos 14 armas, além de 40 caixas de munição, seis granadas e colete balístico.

DOF não vê relação

Em resposta ao Correio do Estado, o comando do DOF rechaçou a possibilidade de esta queda ter algum vínculo com a chegada do sargento Ygor Nunes Nascimento à corporação. 

Em nota, “a direção do DOF (Departamento de Operações de Fronteira) informa que o período em que o Sargento PM Igor esteve na Unidade, de 7 de abril de 2023 (sua primeira escala como estagiário) a 30 junho de 2023 (data de sua prisão em serviço) as apreensões de cocaína e pasta base de cocaína somaram aproximadamente cem quilos. No mesmo período do ano anterior, as apreensões foram de 5,7 quilos de cocaína e pasta base de cocaína.” 

A nota diz ainda que “a direção do DOF enfatiza que o policial em questão estava em período de Estágio e não integrava, efetivamente, o departamento (não usava o fardamento do DOF); e não fazia parte dos grupos operacionais, de inteligência ou administrativo, além de não ter nenhum canal de acesso às informações internas”, explicou a nota.

A nota do Departamento não traz nenhuma possível explicação para a queda drástica nas apreensões.

* Matéria atualizada às 14h39 do dia 05 de julho para acréscimo de informações