Na última semana, o governo do presidente Lula (PT) divulgou algumas mudanças no modelo do Ensino Médio público.
De acordo com a proposta, o governo federal pretende reduzir a carga horária destinada à diversificação do currículo e passar de quatro para duas as opções de áreas de aprofundamento a serem escolhidas pelos alunos, os chamados itinerários formativos.
O Ministério da Educação (MEC) encaminhará até o início de setembro um projeto de lei para efetivação das mudanças pelo Congresso Nacional. Antes disso, será preciso encontrar um consenso com os secretários de Educação dos 27 entes federativos.
O secretário de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul e representante das demais unidades federativas, Hélio Queiroz Daher, explicou em entrevista ao Correio do Estado que os estados já encaminharam algumas propostas para alterar a carga horária básica.
“A gente oficializou uma proposta. Dentro dessa proposta, tinha justamente uma readequação da carga horária, para aumentar um pouquinho a formação geral básica que já tinha sido diminuída”.
Daher também afirma que a mudança é positiva para o Estado e que a preocupação maior estava relacionada às disciplinas profissionalizantes, o que já foi resolvido pelo governo federal.
"Nós temos 170 escolas que oferecem ensino em tempo integral. A nossa meta é universalizar a oferta. Todos os municípios do Mato Grosso do Sul têm de ter pelo menos uma escola oferecendo tempo integral. Faltam oito municípios apenas para a gente conquistar isso”.
O governo federal encaminhou para o Congresso novas mudanças para o Ensino Médio, com o aumento da carga horária das disciplinas obrigatórias e a redução da carga horária das disciplinas dos itinerários formativos. Como você avalia essa mudança?
Essa alteração que o governo federal está propondo até conversa com aquilo que os estados propuseram e entregaram há um mês, mais ou menos. Eu coordeno o Ensino Médio dos 27 estados, assumi essa função.
Então, a gente oficializou uma proposta. Dentro dessa proposta, tinha justamente uma readequação da carga horária, para aumentar um pouquinho a formação geral básica que já tinha sido diminuída.
Voltar a ter uma carga horária maior de formação geral básica era uma preocupação que os estados também tinham, principalmente Língua Portuguesa e Matemática. Então, havia essa preocupação.
É positivo para nós esse aumento de carga horária, mas fica um gancho de preocupação com relação à carga horária da educação profissional.
Porque a gente tem de ofertar a educação profissional de nível médio e ela tem de ter, no mínimo, 1.200 horas de carga horária mínima. Se eu reduzo a carga horária do itinerário [formativo], eu não consigo mais encaixar a formação técnica de nível médio.
Mas, para isso, o próprio governo federal apontou que as escolas que ofertam educação profissional vão poder utilizar uma carga horária mais flexível, ou seja, diminuir a formação geral básica para colocar a educação profissional, então, deu essa flexibilizada no processo.
Os estados, Mato Grosso do Sul incluído, acharam positiva essa mudança.
Além da carga horária, o governo federal também quer estabelecer outras disciplinas como obrigatórias, além de Português e Matemática. O que isso vai trazer de mudanças para a forma como o Ensino Médio é aplicado hoje em MS?
Mato Grosso do Sul não vai ter diferença nenhuma, pois aqui já estava convencionado que essas unidades curriculares, essas disciplinas que o governo federal apontou agora, eram obrigatórias.
Mato Grosso do Sul, desde o processo de implementação, quando surgiu a Lei nº 3.415, já havia definido que aqui não seria suprimido nenhum componente, então, aqui, Língua Portuguesa e Matemática, além de Geografia, Filosofia e Sociologia, vão permanecer como estão, porque, no caso de Mato Grosso do Sul, realmente não tinham sido suprimidas.
É que alguns estados passaram a trabalhar por área do conhecimento. Como aqui a gente atua na concepção diária, mas cada um com sua disciplina, não houve mudança na prática para nós.
Outra crítica do governo federal é em relação às disciplinas que fazem parte dos itinerários formativos. Em MS, nós temos algumas disciplinas que são polêmicas, como a que ensina a fazer sabão.
Isso foi discutido com o governo federal? Quais seriam essas mudanças? O que será alterado e retirado dos itinerários formativos lecionados atualmente?
Na verdade, a proposta do governo federal direciona para dois grandes itinerários propedêuticos e o técnico. Dentro do que está no escopo dos itinerários, os estados vão permanecer com liberdade de propor.
Não é muito a questão da disciplina em si, como no exemplo da disciplina de fabricar sabão: você trabalha concepções de química na fabricação do sabão que são muito mais ricas, às vezes, que uma aula de química padrão.
Você trabalha ali a construção, a composição e a reação química para chegar em um determinado produto, e aí você envolve empreendedorismo, para como vender o sabão, envolve matemática e envolve física. Há uma relação de profundidade nisso.
Então, o que ficou especificado no processo é que, dentro do que eles estão pensando, são menos itinerários, porque antes eram quatro itinerários e um técnico, agora passam a ser dois itinerários e um técnico.
Dentro do itinerário, você não vai replicar os componentes curriculares da formação geral básica, você tem de aprofundar, [já que] o itinerário é um aprofundamento. É muito importante agora aproveitar para realmente organizar a casa.
{Perfil}
Hélio Queiroz Daher
Professor efetivo da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, graduado em Geografia pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal (Uniderp) e especialista em Gestão Escolar pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Tem mestrado profissional em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Foi professor de Geografia nas redes municipal e estadual em Campo Grande. Foi coordenador de Educação Básica, superintendente de Gestão da Rede e Normatização, superintendente de Orçamento e Finanças da Secretaria de Estado de Educação (SED), membro da Comissão Técnica Nacional de Geografia do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD 2020) do Ministério da Educação.
Como os estados ficaram muito soltos, se você comparar um estado com outro, realmente os currículos meio que não conversam nos itinerários. E a gente espera que o MEC converse com os estados, para a gente construir juntos uma relação de possíveis itinerários que conversem entre si.
Com as mudanças, o governo federal também tenta incentivar o ensino em tempo integral. MS tem o objetivo de abrir mais 40 escolas até 2024. Essa meta deve ser cumprida?
Vai, a gente vai cumprir. Hoje nós temos 170 escolas que oferecem ensino em tempo integral. A nossa meta é universalizar a oferta de ensino em tempo integral em Mato Grosso do Sul.
Todos os municípios do Estado têm de ter pelo menos uma escola oferecendo tempo integral. E isso está no escopo das 40 escolas para chegar.
Faltam oito municípios apenas para a gente conquistar isso, então, a gente está bastante feliz, hoje MS é um dos estados que tem o maior porcentual de escolas oferecendo ensino em tempo integral, já passamos de 50% das escolas, mas a gente tem de continuar buscando ampliar.
É importante ressaltar que a gente não vai deixar de oferecer a escola em período parcial, porque a gente tem muitos jovens no Ensino Médio que já atuam no mercado de trabalho, que precisam do outro período para trabalhar.
Então, o Estado, da mesma forma que vai investir muito na ampliação do tempo integral, vai garantir para o jovem trabalhador que haverá espaço para poder estudar no período diurno em alguma das nossas escolas em qualquer município.
Quais os principais benefícios que você aponta para os alunos que estão em escolas de tempo integral? Acredita que a abertura dessas escolas reduzirá a evasão escolar?
Hoje a gente pode afirmar, com números, que a escola de tempo integral entrega mais que uma escola parcial. Então, nós temos resultados de desempenho propedêutico melhor, os resultados de proficiência dessas escolas são melhores. Os índices de evasão e abandono também são bem menores.
Então, normalmente, o estudante da escola de tempo integral tem realmente um bom desempenho.
A expectativa é de que, naturalmente, quanto mais estudantes nós tivermos em tempo integral, melhor serão os resultados.
Essa é a proposta. A gente ficou contente que há essa visão de que o governo federal vai ajudar a investir, porque a escola de tempo integral é cara, tem de ter refeitório, ter uma estrutura mais pesada, mais robusta.
É uma contrapartida que os estados esperam que o governo federal realmente ofereça, para apoiar e para que, justamente, a gente possa ampliar, já que para nós é superinteressante ampliar. Se o governo federal, ajudar melhor ainda.
O governo do Estado resolveu manter as escolas cívico-militares por fazerem parte de um programa diferente daquele do governo federal. Algumas escolas municipais do interior também querem manter o programa. O Estado vai ajudar esses municípios a manter essas escolas?
Nós temos o programa estadual de escolas cívico-militares que não depende do programa federal. Então, as quatro escolas estaduais não foram afetadas, direta ou indiretamente, por essa medida.
Nós temos um outro grupo de escolas municipais que tem programas de escola cívico-militares que não estão ligados diretamente ao programa estadual, mas que recebem ajuda do governo do Estado na formação de professores e na formação de equipe técnica, da parte da educação, e a cedência de servidores militares, da parte da segurança pública, como policiais militares e bombeiros.
Existiam mais duas escolas que recebiam militares federais, e estas foram realmente impactadas porque vão perder os militares por conta do encerramento desse programa.
A gente vai ampliar a ajuda nesse sentido de formação de servidores. A parte de cedência de militares não é com a Secretaria de Estado de Educação, é com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública.
O secretário Carlinhos [Antonio Carlos Videira] já me procurou, para ver se a gente pode ajudar melhor, mas tem de ouvir os prefeitos, ver qual é a expectativa deles de investimento, ver como é que eles entendem isso, mas a nossa parte da questão – consultoria e formação – está mantida.
Como o governo do Estado avalia o ensino das escolas cívico-militares?
O que eu posso dizer é que as quatro escolas cívico-militares vêm apresentando um bom desempenho, melhor do que tinham antes de se tornarem escolas militares.
Então, para essas quatro escolas, a proposta de se tornar uma escola cívico-militar deu resultado. Realmente elas apresentaram melhora, tanto na frequência quanto na questão da proficiência. Então, a gente conseguiu realmente se estabelecer.
Na comunidade, a presença de uma escola cívico-militar realmente contribui muito, principalmente em comunidades carentes, que têm um convívio com militares, que passam a dar uma sensação de segurança às vezes em comunidades muito inseguras, mas é importante salientar que a gente não considera que elas são melhores que uma escola comum.
Nós temos escolas comuns que têm resultados melhores que escolas cívico-militares. Eu particularmente não acredito que elas [escolas cívico-militares] são melhores.
Elas apenas oferecem de forma diferente o conteúdo. Nelas você tem uma pegada de disciplina maior, e vai muito da vontade da família de ter a oferta dessa maneira.
Tem pai que acha legal colocar em uma escola dessas, e o pai que não acha tem outras 74 escolas em Campo Grande que são comuns em que ele pode matricular o filho. Eu sempre faço essa observação, primeiro, para tirar essa questão de que a escola cívico-militar é melhor. Não é.
Ela tem bom desempenho, mas eu não posso dizer que ela é melhor porque eu tenho escolas comuns que também têm um ótimo desempenho.
É como a escola confessional: nós temos escolas confessionais, que são ligadas à Igreja Católica, há muitas décadas elas existem e têm uma forma diferente de ensino também.
Nelas, tem-se uma relação com a missa e com o ensino religioso, e elas têm bons resultados. Inclusive, elas trabalham muito a disciplina, a gente até brinca que, às vezes, são mais rígidas que as escolas militares.
Eu acho que, em um processo democrático, a gente tem de considerar a vontade da sociedade.
O que nós fizemos foi oferecer diferentes formas, por meio de uma escola cívico-militar, de uma escola confessional, de uma escola comum, de uma escola indígena, de uma escola quilombola, de uma escola para estudantes privados de liberdade, formas diferentes de oferecer educação para atender toda a sociedade.