Após 30 anos protegendo a biodiversidade da Serra do Amolar, um trabalho de muitos guardiões, iniciado nos anos 1990, o ano de 2020 produziu uma ferida incurável: o fogo. Cerca de 300 homens, heróis anônimos, tentaram por mais de 90 dias combater algo assustador, incontrolável e perverso.
O fogo atravessou 4.5 milhões de hectares, sem discriminar reservas ou fazendas privadas. Com o vento de mais de 40 km/h, queimou o solo e o subsolo. Queimou sementes em dormência esperando a próxima chuva. Queimou casas, cercas, porteiras, gado e cavalos. Os animais silvestres, em alguns lugares, foram dizimados, transformados em cinzas.
Matou gente, derrubou helicópteros e sacrificou a vida de pilotos. Tínhamos, em uma das reservas, terminado um estudo científico de abelhas. Mais de 40 espécies que foram identificadas desapareceram em poucas horas. Capões, cordilheiras e áreas fantásticas de floresta viraram carvão. A força demonstrada pela natureza surpreendeu a todos. O fogo comandou um espetáculo trágico!
Mas o homem, em sua trajetória pelo planeta, especialmente pós-Revolução Industrial, dotado de máquinas, seguiu uma trajetória de modificação do mundo. Alguns casos foram necessários ao desenvolvimento e à produção de alimentos, mas a maioria foi pautada pela ambição de dominar tudo e todos, marcando territórios, domínios e extinguindo paisagens, nascentes e espécies.
A decisão do governador Eduardo Riedel de suspender a autorizações e abrir a discussão de uma nova lei para o Pantanal foi pautada pela sua maturidade política e com os pés no presente olhando para o futuro! Um gesto de sabedoria e responsabilidade.
É equivocada a leitura de que as discussões tenham motivação em questões ideológicas ou intervencionistas. Os dados de desmatamentos e de outras modificações no patrimônio nacional são contundentes e inquestionáveis, não são falsos. Este bioma, com uma história única no planeta de harmonia homem-natureza, não pode ser invadido pelos vikings, esquartejando as paisagens e apagando suas cores, eliminando suas espécies, discriminando sua gente.
“Cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz”, diz a letra da música mais emblemática, como um hino de nosso estado. Que sejamos “capazes” de participar da oportunidade criada pelo governador, de forma respeitosa e inteligente. Devemos fazer isso em respeito à história, à produção, à biodiversidade e ao nosso maior ativo natural de Mato Grosso do Sul. Para o Pantanal, pior do que a extinção de espécies silvestres é a extinção da cultura pantaneira!