É enganosa a postagem que afirma que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) gerou mais empregos que os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) juntos. Em 2021, Bolsonaro bateu recorde de criação de empregos com carteira assinada, mas o número foi obtido após mudança na metodologia do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o que dificulta a comparação com anos anteriores.
Dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que, na realidade, os mandatos petistas geraram ao todo mais que o triplo de empregos formais que o mandato de Bolsonaro. Considerando a média anual de criação de empregos, o segundo mandato de Lula é o que fica em primeiro lugar.
Conteúdo investigado: Publicação em que uma pessoa questiona os índices de emprego nos governos de Lula, Dilma e Bolsonaro. A legenda diz: “Tem 22 anos que o cabra vota no PT, mas culpa do desemprego é do Bolsonaro.
Durante 4 anos de governo Bolsonaro foi gerado mais emprego do que 18 anos de governo Lula e Dilma. Detalhes: Na pandemia bateu recorde de contratação de carteira assinada!”. Uma animação acompanha o post, em que mostra o desenho de duas filas, uma vazia e nomeada “emprego” e a outra cheia nomeada “esmola do PT”.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem que afirma que Bolsonaro gerou mais empregos que os governos de Lula e Dilma juntos.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na realidade, os 14 anos de gestões petistas registraram 3 vezes mais novas contratações em carteira assinada que os 4 anos de Bolsonaro.
Na comparação da média anual de criação de empregos, o segundo mandato de Lula fica em primeiro lugar.
A postagem analisada aqui utiliza números do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Como houve uma mudança de metodologia em 2020, não é possível comparar números de anos anteriores usando esses dados. A pesquisa antiga do Caged era feita de forma opcional, ou seja, as empresas se voluntariavam para preencher as informações.
A partir de 2020, no entanto, o Ministério do Trabalho começou a usar informações inseridas no eSocial e no EmpregadorWeb, sistemas públicos que as empresas são obrigadas a divulgar seus dados. A análise de especialistas é que a mudança aumentou a base de informações usadas para a construção dos resultados e, por isso, os números depois de 2020 são maiores, não sendo possível fazer comparações.
A comparação de número de postos de trabalho pode ser feita, de forma aproximada, com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Foi isso o que o Comprova buscou fazer nesta verificação.
A RAIS é feita a partir do preenchimento obrigatório, para todos os estabelecimentos, inclusive aqueles sem ocorrência de vínculos empregatícios no exercício. Assim as informações são disponibilizadas segundo o estoque (número de empregos) e a movimentação de mão-de-obra empregada (admissões e desligamentos).
Na comparação realizada aqui, foi necessário preencher o ano de 2022 com números do Novo Caged. Isso porque o levantamento da RAIS referente a 2022, último ano da gestão de Bolsonaro, ainda não foi divulgado e, por isso, a fim de aproximação, o Comprova usou nesta verificação os dados do Novo Caged de 2022.
Isso foi feito porque os números do RAIS e do Novo Caged são mais próximos do que os números do Caged original e de sua versão atualizada.
A média para cada mandato foi calculada para evitar distorções diante da quantidade de anos que Lula e Dilma estiveram no cargo, 14 ao todo, contra os quatro anos de Bolsonaro.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de setembro, a publicação no X contava com 147,1 mil visualizações, 3,8 mil republicações e 12,3 mil curtidas.
Como verificamos: Em primeiro lugar, buscamos no Google informações oficiais e matérias jornalísticas sobre a geração de empregos formais e recordes de carteiras assinadas nos governos Lula, Dilma e Bolsonaro. Também procuramos no site do Ministério do Trabalho e Emprego explicações sobre as metodologias do Caged e do Novo Caged.
Entramos em contato com o MTE para obter dados sobre a geração de emprego nos últimos 20 anos. Consultamos Alexsandre Lira, analista de políticas públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), especialista em mercado de trabalho. Por fim, contatamos o autor da publicação.
Mudanças de metodologia do Caged dificultam comparações
O Ministério do Trabalho e Emprego anunciou que 2021 registrou recorde histórico no número de novos empregos criados. Os dados, no entanto, foram recebidos com ressalvas por especialistas. Isso porque, a partir de 2020, houve uma mudança de metodologia para contabilizar a criação de empregos no país.
Além da pesquisa realizada mensalmente com os empregadores, o sistema também passou a puxar dados do eSocial e do EmpregadorWeb (sistema no qual são registrados pedidos de seguro-desemprego).
A mudança gerou impacto porque a declaração dos vínculos temporários à pesquisa do Caged é opcional, mas a inserção no eSocial, que passou a ser contabilizada, é obrigatória.
O Novo Caged, portanto, gera resultados maiores ao considerar esses vínculos, conforme informou nota técnica da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, em maio de 2020.
O Caged foi criado pela Lei nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, como instrumento de acompanhamento e de fiscalização do processo de admissão e de dispensa de trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo é assistir os trabalhadores desempregados e apoiar medidas contra o desemprego, ou seja, tem uma finalidade trabalhista.
Já o eSocial possui caráter tributário, previdenciário e também trabalhista. Criado em 2014, o sistema tem como objetivo unificar e simplificar a prestação de informações relativas a trabalhadores e empresas, bem como o cumprimento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas.
A transmissão eletrônica desses dados, em ambiente único, simplifica o processo de envio das informações, de forma a reduzir a burocracia para as empresas. Por esse motivo, capta um volume de informações mais amplo que o Caged.
A nota técnica destaca que a declaração dos vínculos temporários no Caged é opcional, enquanto no eSocial é obrigatória. Assim, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser superior àquelas verificadas historicamente no Caged, uma vez que neste sistema, além dos vínculos temporários serem subdeclarados, não é possível diferenciá-los dos demais.
A nota técnica divulgada pelo Ministério da Economia em 2020 explica que o Caged vigente até então obrigava a declaração apenas de empregados celetistas, tornando opcional, por exemplo, a inserção de trabalhadores temporários.
Já com a adição do eSocial no novo Caged, um total de sete categorias passaram a ser obrigatórias na contabilização: além dos empregados em CLT, trabalhadores temporários, trabalhadores avulsos, agentes públicos e trabalhadores estatutários, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, contribuintes individuais e bolsistas também devem ser inseridos.
Analista de políticas públicas Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e especialista em mercado de trabalho, Alexsandre Lira afirma que, pela mudança na metodologia, não se deve fazer uma comparação com os números registrados antes de 2020, que abrangem as gestões de Lula e Dilma, e os números do governo Bolsonaro.
“Essas séries, elas não podem ser comparadas, são metodologias totalmente diferentes. Logicamente elas buscam e têm o mesmo objetivo que é acompanhar a conjuntura do mercado de trabalho brasileiro. Contudo, existem algumas mudanças metodológicas, o que inviabiliza a comparação”, afirma.
O analista elenca ainda que a partir de 2020 passaram a ser registrados alguns tipos de contratos, como os de estagiários, que não constavam no Caged anterior.
“Então se você tem mudança metodológica em qualquer série histórica, seja mercado de trabalho, seja PIB [Produto Interno Bruto], por exemplo, seja qualquer outra série histórica, você não pode comparar séries diferentes com mudanças metodológicas”, explicou o especialista.
Ele cita a avaliação do economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV).
Em uma reportagem do G1 publicada em abril de 2021, Ottoni destacou o fato de haver mais empresas reportando dados do que antes, já que cresceram as sanções para as companhias que deixam de informar as movimentações de emprego.
O mercado de trabalho brasileiro poderia ser comparado a partir dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), segundo avaliação de Lira. A relação, também de autoria do MTE, é um Registro Administrativo instituído em 23 de dezembro de 1975.
A base de dados possui periodicidade anual – diferentemente dos sistemas de Caged, que são mensais – e apresenta informações sobre todos os estabelecimentos formais e vínculos celetistas e estatutários no Brasil.
O estoque de empregos formais, uma das principais informações contida no RAIS, diz respeito ao número de vínculos ativos e representa um retrato do mercado de trabalho.
Dentro de sua base de dados, é obrigatória a declaração anual, por parte dos estabelecimentos, empregados sob o regime CLT, trabalhadores temporários, trabalhadores avulsos, agentes públicos e trabalhadores estatutários, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, e diretores sem vínculo empregatício, para os quais o estabelecimento ou entidade tenha optado pelo recolhimento do FGTS (contribuinte individual).
A série histórica iniciou em 1985 e passa pelas gestões de Lula e Dilma. No entanto, os dados de 2022, último ano de Bolsonaro, ainda não foram divulgados.
Governo Bolsonaro não criou mais empregos que Lula e Dilma
Ao ser contatado pelo Comprova, o MTE disponibilizou uma tabela com os dados de geração de empregos entre os anos de 2003 e 2023. Na lista, estão delimitados os anos e os números de admitidos, desligados, saldo líquido e estoque – total de pessoas empregadas formalmente, com carteira assinada. Os dados, no entanto, consideram os valores do Caged tanto com a antiga quanto com a nova metodologia, o que não é recomendável, de acordo com Lira.
Para avaliar a alegação posta no conteúdo investigado aqui, Lira sugeriu uma comparação com os dados da RAIS de mandatos anteriores.
E, para completar tais dados, que não trazem os números de 2022, sugeriu o uso dos dados do Novo Caged de 2022, somando o Estoque de Vínculos Formais da RAIS 2021 com o saldo anual de empregos do Caged 2022. Nesta comparação, “a conclusão é que Bolsonaro não gerou mais empregos formais que Lula e Dilma”, afirma Lira.
A partir da inserção do eSocial, o Novo Caged tem uma metodologia mais aproximada com a forma com que o RAIS é apresentada, o que permite que a comparação seja mais fidedigna. No entanto, é preciso ressaltar que ainda há diferenças entre os dados dessas duas contagens, por não serem metodologias totalmente idênticas.
Em nota técnica de outubro de 2020 do Ministério da Economia, há uma comparação entre o RAIS e o eSocial, que passou a contabilizar o Novo Caged.
Enquanto o eSocial obriga a inserção de todos os trabalhadores formais, o RAIS exclui algumas categorias: diretores sem vínculo empregatício para os quais não é recolhido FGTS; autônomos; eventuais; ocupantes de cargos eletivos; estagiários; bolsistas; empregados domésticos; cooperados ou cooperativados; diretores e assessores de órgãos; e institutos e fundações dos partidos, quando remunerados com valor mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social.
Isso faz com que o número do Novo Caged, apesar de mais aproximado do que da metodologia anterior, seja maior que o RAIS. Para exemplo de comparação, no ano de 2021, enquanto o RAIS apresentou saldo de 2.492.695 novos empregos gerados, o novo Caged apresentou 2.778.360 novas vagas.
A tabela abaixo mostra a comparação feita por Lira, governo a governo.
| Comparação entre as gestões com base nos dados da Rais e do Novo Caged.
A soma do saldo líquido dos governos petistas, sem contar o atual mandato de Lula, totalizaria mais que o triplo do que o saldo do governo de Bolsonaro, justamente porque a comparação seria entre 14 anos contra apenas quatro.
Entre 2003 e 2016, o número de empregos com carteira assinada criados no Brasil totalizou 17.376.285. Já entre 2019 e 2022, foram 4.111.504 novos empregos formais criados. Para fins de comparação, o Comprova calculou também a média de criação de vagas de emprego por ano nos mandatos, a maneira mais correta de criar parâmetros.
Durante o primeiro mandato de Lula, foram criados em média 1,6 milhão de empregos por ano. No segundo mandato do petista, a média subiu para 2,2 milhões. No primeiro mandato de Dilma, esse número chegou a 1,3 milhão. Em seus dois anos do segundo mandato, até o processo de impeachment, foram destruídos 3,5 milhões, uma média de 1,7 milhões.
Já com Bolsonaro, foram criados cerca de 1,02 milhão de empregos por ano, em média. Diferentemente do que faz crer a postagem, a média anual de criação de empregos no governo de Bolsonaro só foi maior do que a do segundo mandato de Dilma.
O que diz o responsável pela publicação: O perfil @misteriouspavao no X não aceita receber mensagens privadas. Entramos em contato com a conta de mesmo nome no Instagram, mas não obtivemos resposta até a publicação desta verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática muito utilizada por desinformadores é a de mesclar dados verdadeiros com outros falsos para tentar dar credibilidade ao conteúdo. A comparação na publicação também suprime a mudança na metodologia do Novo Caged, levando a conclusões equivocadas. Ao encontrar esse tipo de postagem, busque por informações nos canais oficiais e em veículos jornalísticos de confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Durante o debate presidencial da TV Globo em 2022, uma fala de Lula criticando a metodologia estabelecida pelo novo Caged foi utilizada em peças de desinformação para afirmar que o então candidato à presidência iria acabar com o Microempreendedor Individual (MEI). A verificação dessas publicações foi feita pelo Aos Fatos e pelo Comprova.
Comparações entre governos costumam ser um tema utilizado por desinformadores e que já foram verificados pelo Comprova. Recentemente, o Comprova mostrou que Lula levou presentes em contêineres de forma legal e que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Bolsonaro, não do petista.