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soltura de megatraficante

Lentidão do CNJ tende a resultar na impunidade de desembargador

Divoncir Maran completa 75 anos daqui a sete meses e se aposentar. Com isso, o caso deve ser arquivado

6 SET 2023 • POR Neri Kaspary • 12h45
Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta terça-feira (5) investigar Divoncir Maran por ter soltado Gerson Palermo  

A demora de quase 41 meses para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidir se abriria ou não processo administrativo para investigar a conduta do desembargador Divoncir Schreiner Maran, o que aconteceu nesta terça-feira (5), tende a resultar na impunidade do magistrado, caso a investigação aponte que ele cometeu alguma irregularidade ou crime ao conceder prisão domiciliar a um traficante condenado a 126 anos de prisão.

Isso porque o magistrado chegou nesta sexta-feira (6) a 74 anos e cinco meses de idade. E, ao completar 75, em 6 de abril de 2024, terá de se aposentar compulsoriamente. E quando isso ocorrer, o processo no CNJ será automaticamente arquivado, conforme entendimento de um advogado ouvido pelo Correio do Estado que pediu anonimato. 

E, conforme acredita este advogado, o julgamento do processo no CNJ dificilmente será concluído em sete meses, ainda mais levando em consideração que a decisão sobre a abertura da investigação demorou mais de 40 meses. 

A investigação aberta terça-feira pelo CNJ, por 11 a 4, pode resultar na absolvição, advertência ou até mesmo na “demissão” (aposentadoria compulsória) de Divoncir Maran, que já presidiu o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal de Justiça e Mato Grosso do Sul. Ele está na magistratura desde 1981. 

Mas, mesmo que seja demitido, terá direito ao salário de qualquer outro magistrado aposentado, da ordem de R$ 40 mil (além de alguns penduricalhos) já que juízes têm cargo vitalício no Brasil. 

SUSPEITAS

No dia 21 de abril de 2020, o desembargador transferiu o megatraficante Gerson Palermo, que estava preso desde 2017, para prisão domiciliar com uso de tornozeleira. No dia seguinte, porém, a decisão foi revista por outro desembargador. Mas, antes de voltar à prisão, Palermo rompeu a tornozeleira e fugiu. Até hoje não foi recapturado.

Entre os principais argumentos acatados pelos conselheiros que votaram contra o desembargador estão o fato de ele não ter ouvido o Ministério Público, ter tomado a decisão em um plantão em meio a um feriado prolongado, o fato de o réu ter condenação de 126 anos e ter menosprezado a informação de que ele é piloto aéreo e teria facilidade para fugir do país.

Os quatro conselheiros que votaram a favor de Divoncir levaram em consideração principalmente o fato de a soltura ter ocorrido por conta da pandemia da covid. Mas, o corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, lembra que a defesa não apresentou nenhum atestado médico apontando que ele fazia parte de algum grupo de risco. 

Entre os que votaram pela abertura da investigação está a presidente do Conselho, a ministra do STF Rosa Weber, que também está prestes a se aposentar. No seu entendimento, o argumento da pandemia é frágil demais para justificar a soltura de um traficante de tamanha periculosidade.

O caso somente foi desengavetado no CNJ porque o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da 1ª Vara Criminal de Três Lagoas, insistiu em apontar supostas irregularidades da soltura do traficante. Ele chegou a elaborar um dossiê com supostas irregularidades e o enviou ao CNJ.

Na denúncia que o juiz de Três Lagoas levou ao CNJ, ele insinua que o pedido de liminar foi feito exatamente naquele dia porque os advogados de Palermo sabiam que Divoncir Maran estava de plantão. 

Prova disso, segundo ele, é que outros três plantonistas já haviam trabalhado depois que o juiz de primeira instância negou o pedido de relaxamento da prisão e mesmo assim o recurso não fora impetrado. 

O denunciante também estranhou o fato de o desembargar ter assinado a liminar logo no começo da manhã do dia 21 de abril, às 08:11 e, 40 minutos depois já mandou cumprir a decisão. As outras liminares concedidas por ele naquele dia, conforme o corregedor do CNJ, só foram assinadas bem mais tarde. 

Preso pela última vez em 2017 pela Polícia Federal,  Palermo tem uma série de passagens pela polícia por envolvimento com o tráfico de cocaína desde 1991. Ele participou, também, do sequestrou de um avião que levava malotes com R$ 5,5 milhões do Banco do Brasil no ano de 2000. 

Só dois “demitidos”

O juiz Rodrigo Pedrini foi um dos principais responsáveis pela “demissão” da desembargador Tânia Garcia de Freitas Borges, em fevereiro de 2021.

Assim, como no caso de Divoncir, ele estranhou o fato de a desembargadora ter ido pessoalmente liberar o filho no presídio em Três Lagoas, onde estava depois de ter sido flagrado traficando maconha e munições. 
Conforme a denúncia apresentado por ele ao CNJ, ela usou do cargo para beneficiar ilegalmente o filho e por isso acabou sendo "demitida".

A aposentadoria compulsória, ou demissão, de magistrados é fato raríssimo. Além de Tânia Borges, outro juiz demitido em Mato Grosso do Sul foi Aldo Ferreira da Silva Júnior, em julho de 2022.

Ele estava afastado do cargo havia cerca de quatro anos por suspeita de envolvimento em um esquema, junto com a esposa, de cobrança de propina para liberação de precatórios, que são créditos concedidos para quem venceu ações na Justiça contra o poder público e que não cabem mais recurso. 

O caso dele nem mesmo chegou ao CNJ e foi demitido por decisão do próprio Tribunal de Justiça. Seus advogados, porém, ainda tentam reverter a punição.