Logo Correio do Estado

Produção & meio ambiente

Como Mato Grosso do Sul pretende zerar as emissões de carbono até 2030?

Estado já praticamente zerou o desmatamento ilegal e avança no pagamento por produção sustentável, mas ainda há desafios

11 OUT 2023 • POR Eduarco Miranda • 09h30
  Foto: Gerson Oliveira

Daqui a sete anos, quando o Estado de Mato Grosso do Sul estiver completando 53 anos de fundação, em 2030, se tudo ocorrer conforme o planejado, a unidade da Federação tem tudo para ser uma das primeiras do Brasil (se não a pioneira) a neutralizar suas emissões de carbono e ainda ter créditos de sobra para compensar as emissões de outras regiões do Brasil e do mundo. 

A meta de Mato Grosso do Sul é ambiciosa, e quem diz isso não são apenas autoridades locais ou empresários, proprietários de terra ou ambientalistas, que têm ligação direta com o cotidiano da produção e também do esforço de conservação, mas de outras regiões do mundo. 

Um exemplo vem das autoridades do meio ambiente do estado norte-americano da Califórnia. O relato é de Jaime Verruck, que por aqui comanda a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc). 

“A primeira reação que eu me lembro. Estava na Cop [Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente], estava o governador da Califórnia, o secretário de Meio Ambiente, e ele olhou assim para mim e disse ‘o que você vai fazer? Porque eu não consigo chegar em 2030 [meta de carbono zero] de jeito nenhum’”, contou Verruck, durante palestra ministrada na Conferência Regional do Meio Ambiente. Verruck então disse a ele: “Calma, que eu vou te explicar”. 

Antes de caminhar para a explicação, é necessário haver uma contextualização. O Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, prevê que todos os países do mundo neutralizem suas emissões de carbono até 2050.

Pois bem, Mato Grosso do Sul foi mais agressivo e diminuiu a meta em 20 anos. Na contagem regressiva, restam somente sete anos para atingi-la. Por enquanto, a dupla formada por Verruck e pelo atual governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB), que também já atuou como secretário de Governo e Planejamento Estratégico em gestões passadas, está muito tranquila. 

De fato, o plano prevê várias cartas na manga para Mato Grosso do Sul neutralizar suas emissões até lá. E os passos estão sendo dados sequencialmente, sem atropelo. 

Como atingir a meta?

A meta número 1, conforme explicou Jaime Verruck no mesmo evento, é a de zerar o desmatamento ilegal no Estado.

E a meta já foi atingida. Conforme o secretário, titular da pasta que gerencia o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), os desmatamentos ilegais foram extintos no Estado, mas isso não significa que o problema deixou de existir e que as autoridades não têm de ficar vigilantes. 

“O que constatamos é que a maioria dos desmatamentos ilegais é legal. Vamos chamar assim, são aqueles que têm autorização e o fazem de uma maneira diversa da licença”, informou Verruck.

E para coibir qualquer prática diversa da autorizada pelo Imasul, o instituto conta com um monitoramento em tempo real, capaz, inclusive, de embargar os trabalhos automaticamente. Aliás, é isso que tem ocorrido. O proprietário, quando flagrado fazendo “diferente do autorizado”, tem 72 horas para se manifestar. É uso da tecnologia para a preservação. 

Ao pôr fim ao desmatamento ilegal, cabe à sociedade e ao Estado trabalhar no conceito de adicionalidade, que consiste em adicionar uma área preservada além da prevista em lei.

Por exemplo, se o Código Florestal determina que o proprietário preserve 20% de sua propriedade, ele estará gerando uma adicionalidade, caso, voluntariamente, decida manter, por exemplo, 30% ou 40% da área preservada.

“Não dá para fazer compensação de algo que já existe, porque eu não mudo a realidade”, explica o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação. 

Biometano

Mas ainda há mais iniciativas que o governo de Mato Grosso do Sul tem feito para neutralizar as emissões. Uma que está sendo iniciada agora, que terá grande impacto nos próximos anos, são os incentivos para a troca das matrizes energéticas.

A lógica é simples: combustíveis fósseis fabricados à base de petróleo, como gasolina e diesel, emitem mais carbono do que o gás natural, outro combustível fóssil.

Mas o plano é ainda mais ambicioso: o biometano tem um processo muito próximo da neutralidade de emissões e, nesse sentido, é muito mais ambientalmente responsável do que os dois anteriores. 

No início do ano, o governo do Estado deu início a uma política de incentivos para a conversão da frota de carros e caminhões da gasolina e do diesel para o gás natural.

Mas não só isso, a criação de uma rede para ampliar a circulação desses veículos também está em via de ser implementada. 

A estatal MSGás também prepara um programa de compra de biometano para uso em sua rede, e o incentivo que o governo pretende dar é o de pagar pelo metro cúbico do combustível o dobro do que é pago pelo gás importado da Bolívia. 

Já existem experimentos de biometano em circuitos off-line (não conectados de produção), como tratores e caminhões movidos pelo combustível, dentro de circuitos produtivos no Estado. “É uma questão de ampliar tudo isso”, explicou Verruck. 

Carne

Outro caminho que deve gerar ponto para Mato Grosso do Sul neutralizar suas emissões são as práticas agro sustentáveis. O Estado já contribui com uma remuneração direta ao produtor que atua em produções de cadeias verdes e certificadas. O boi orgânico do Pantanal é um exemplo. 

Atualmente, o produtor recebe um incentivo de R$ 850 por animal abatido certificado dentro do sistema de produção orgânica.

“São critérios de sustentabilidade”, explica Verruck, que frisa que, para participar desse programa e receber o incentivo, o produtor deve estar em dia com as documentações e licenças ambientais e protocolares.

Atualmente, Mato Grosso do Sul já investe – seja em pagamentos diretos, seja na forma de renúncia fiscal – aproximadamente R$ 200 milhões em pagamentos por serviços ambientais.

“A gente deve mudar os nomes dos programas. Estamos revisando e, anualmente, também subimos a régua para todo o pessoal”, ressalta Verruck, ao explicar o plano de zerar as emissões até 2030. 

“São processos. Vamos fazer no novilho precoce, vamos fazer no Leitão Vida, na suinocultura, em que o produtor, para entrar, tem de ter todos os laudos de biossegurança e fazer o tratamento adequado dos resíduos”, explica.

Empresas

Além disso, o Estado também conta com a produção das empresas instaladas no Estado para ajudar a zerar as emissões. Algumas delas contam com processos que inclusive geram créditos de carbono desde o início do processo. É o caso da Eldorado Celulose, por exemplo.

A planta processadora de Três Lagoas, além de neutralizar carbono com sua grande área de floresta plantada e com suas práticas sustentáveis em sua planta, ainda reaproveita os resíduos dos eucaliptos gerando energia.

Outras indústrias de celulose do Estado também já contam com processos para neutralizar a emissão de carbono e também gerar créditos.

Além disso, a aposta no sistema de produção que integra lavoura, pecuária e floresta também é um caminho rumo à neutralidade de emissões até 2030.

No setor de bioenergia, indústrias como a Atvos, que têm três unidades em Mato Grosso do Sul (Rio Brilhante, Nova Alvorada do Sul e Costa Rica), também estão engajadas nas práticas sustentáveis.

As três plantas agroindustriais produzem etanol e eletricidade limpa e sustentável por meio da biomassa da cana-de-açúcar, sendo a unidade em Eldorado também produtora de açúcar VHP ou Very High Polarization – o açúcar bruto, menos úmido e ainda com a camada de mel que cobre o cristal, por isso sua cor se assemelha a do mel.

Mato Grosso do Sul também tem pelo menos R$ 3 bilhões de investimentos para os próximos anos na adaptação de seu parque industrial de bioenergia para a construção de uma usina de etanol de segunda geração.

Foi durante o 1º Encontro Regional de Meio Ambiente, promovido pela Associação dos Procuradores do Estado de Mato Grosso do Sul (Aprems) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Estado e do Distrito Federal (Anape), que Verruck anunciou a segunda unidade de etanol de segunda geração no Estado.

Este tipo de etanol tem um rendimento muito maior a partir da cana-de-açúcar, pois se consegue extrair o álcool não somente da quebra da frutose da planta, mas também da celulose.

Desafios

Para se chegar à meta de zerar as emissões em 2030, contudo, Mato Grosso do Sul não pode perder as matas que já têm preservadas, mesmo as presentes nas propriedades rurais, na forma de reservas legais.

Desmatamentos em biomas sensíveis como o Pantanal também são um entrave. A revisão de um decreto de 2015 que levou ambientalistas a denunciarem a disparada da supressão vegetal no bioma integra esse processo.

No fim de agosto, o governo do Estado suspendeu todas as licenças ambientais concedidas pelo Imasul que permitiam o desmatamento em fazendas no Pantanal. A concessão de novas licenças também está suspensa até a aprovação da nova lei.

No início deste mês, Riedel esteve em Brasília (DF), no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ocasião em que se encontrou com a ministra da Pasta, Marina Silva. Juntos, eles formalizaram a criação de um grupo de trabalho para a redação da nova legislação.

Nesta semana, temendo uma lei que possa puni-los, os sindicatos rurais da região do Pantanal também se encontraram com o governador. Resta agora os ambientalistas, que ainda não se sentaram com a administração estadual a fim de também participarem do processo.

Pecuária

Na esteira dos produtores pantaneiros, o setor da pecuária também teme uma auditoria mais precisa de suas emissões de carbono. É porque no balanço entre as emissões e a captação de carbono, elas contribuem por lançar mais gás carbônico na atmosfera.

Por isso, os produtores do segmento ficaram de fora da Lei do Carbono aprovada neste mês, no Senado.

Verruck e Riedel, conforme declarações dadas em eventos na semana passada, entendem que o agronegócio como um todo deveria consta nessa legislação, mesmo sendo emissores em primeiro momento.

E o ponto de vista deles é muito claro: os mercados externos caminham para uma transição muito rápida para se exigir certificações de processos sustentáveis.

No mercado formal de carbono, o agronegócio também seria um aliado para a meta de zerar as emissões até 2030.

Assine o Correio do Estado