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tecnologia do mal Advogados eleitoralistas de MS temem por uso desenfreado de IA nas eleições O maior risco é com as deepfakes, técnica que cria vídeos, áudios e imagens falsos que são manipulados para parecerem autênticos 2 DEZ 2023 • POR daniel pedra • 08h00
Com uso cada vez mais popular, cresce temor de que a IA seja usada criminosamente nas eleições   ARQUIVO/CORREIO DO ESTADO

Uma nova ameaça tecnológica espreita a campanha eleitoral do próximo ano em todo o Brasil: o uso desenfreado da inteligência artificial (IA), que pode se tornar um fator determinante da escolha de um candidato pelos eleitores brasileiros. As eleições municipais de 2024, com a expectativa de contar com mais de 150 milhões de eleitores espalhados pelos 5,5 mil municípios brasileiros, podem ser marcadas pela presença dessa tecnologia. E com a evolução contínua da IA, as interações deverão ser cada vez mais personalizadas.

Segundo advogados eleitoralistas de Mato Grosso do Sul ouvidos pelo Correio do Estado, as eleições de 2022 ficaram marcadas pelo grande volume de notícias falsas disseminadas pelas campanhas políticas e pela sociedade. Porém, a utilização de IA na próxima campanha eleitoral poderá trazer um novo panorama ao cenário político, oferecendo ferramentas poderosas para compreender eleitores, direcionar estratégias e disseminar informações.

No entanto, de acordo com eles, esse avanço também traz desafios significativos, especialmente no que diz respeito à disseminação de desinformação, em que algoritmos podem ser programados para disseminar conteúdos enganosos, manipulando a percepção pública e afetando a legitimidade do processo eleitoral.

Uma das preocupações é sobre o uso das deepfakes, técnica que usa a IA para criar vídeos, áudios ou imagens falsos, nos quais rostos e vozes são sinteticamente manipulados para parecerem autênticos, muitas vezes, confundindo-se com os conteúdos reais. 

As deepfakes podem ser empregadas para difundir informações falsas, comprometer reputações e disseminar desinformação em grande escala, minando a confiança nas fontes de informação.
Com isso, o impacto delas no contexto político é particularmente preocupante, pois poderão ser usadas para criar discursos falsos de candidatos, gerar vídeos de eventos inexistentes ou até mesmo distorcer declarações de figuras públicas.

PROCESSO IRREVERSÍVEL

Para o advogado eleitoralista Alexandre Ávalo, que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a evolução tecnológica é um processo irreversível e ocorre que atualmente se fala muito em IA.

“O que certamente traz pontos positivos em vários setores da sociedade mundial, entretanto, algo que causa preocupação e também bastante atenção é a utilização de IA nos pleitos eleitorais”, ressaltou.

O especialista citou dois pleitos que recentemente utilizaram a IA: o segundo turno das eleições em Chicago (EUA) e a eleição para presidente da Argentina. “No primeiro caso, foram utilizadas informações por meio de áudios supostamente de um dos candidatos, afirmando que apoiava a brutalidade policial, enquanto no caso das eleições argentinas foram repercutidos vídeos em que o candidato aparece consumindo entorpecentes”, detalhou.

Ávalo argumentou que nos dois exemplos foi constatada a utilização de IA, mais precisamente de deepfakes. 

“Essa ferramenta é a evolução da fake news, que, dentro de um contexto de inteligência artificial, permite a reprodução de imagens e áudios muito próximos à realidade. O que dificulta e muitas vezes até impossibilita constatar se tratarem de imagens ou áudios falsos”, ressaltou.

Ele assegurou que a evolução tecnológica é irreversível, mas o grande desafio no âmbito brasileiro, notadamente no ano pré-eleitoral, é extrair os aspectos positivos da IA, inclusive no exercício da cidadania, e impedir – e até combater – a utilização indevida dela, principalmente nesse novo contexto de deepfakes.

“Primeiramente, a partir dessas pesquisas que estão sendo anunciadas de que teriam sido feitas pela Escola Judicial, constatarão e tentarão se antever quais os problemas que possam surgir para o pleito 2024”, analisou.

REGULAMENTAÇÃO

O advogado eleitoralista acrescentou que, a partir dessa constatação, a regulamentação contida nas resoluções que serão publicadas no próximo semestre trará alguns instrumentos de proteção e combate para a má utilização de IA, principalmente de deepfake.

“Toma ainda maior relevância no contexto brasileiro, em que as pessoas utilizam reiteradamente o WhatsApp, assim como outras plataformas digitais, como mecanismo de comunicação e distribuição de informações. Portanto, o grande ponto é aprimorar a legislação que já protege o eleitor e o seu direito ao voto, a ponto de que ela possa caminhar, ao menos paralelamente, com a tecnologia. Nesse contexto, então, [as leis] são importantes”, disse.

Ele acrescentou que é preciso destacar que, atualmente, a legislação eleitoral já veda a utilização de qualquer conteúdo utilizado para enganar o eleitor ou utilizado de forma a distorcer ou impedir a concretização da vontade do eleitor.

“Isso tudo com base inclusive na Constituição, que traz o sufrágio, o voto como direito fundamental. Nesse contexto, a Escola Judiciária Eleitoral do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] vem buscando fazer pesquisas no âmbito da tecnologia para compreender as ferramentas e minimizar os impactos possíveis”, comentou.
Ávalo completou que os impactos negativos que a IA pode ocasionar também se referem ao respeito ao direito de votar e ser votado – lembrando que esses dois direitos estão garantidos como fundamentais pela Constituição, principalmente o livre exercício 
do direito de votar.

“Não pode ser prejudicado por ferramentas que possam distorcer ou mesmo borrar a percepção adequada e lúcida no momento da escolha dos candidatos que os eleitores votarão”, pontuou.

PREPARAÇÃO

Para o pleito de 2024, conforme ele, será muito bem-vinda a preparação das instituições, das candidaturas e dos eleitores com mecanismos de proteção.

“Tem como identificar deepfake, e mais, também pode trazer ferramentas de combate e sanção a todos aqueles que se utilizarem desses instrumentos. Uma vez que a viralização de uma informação, por exemplo, nas vésperas de um pleito, é capaz de prejudicar todo o contexto de exercício de cidadania, de escolha dos seus representantes dentro de um contexto de estado democrático”, afirmou.

O advogado eleitoralista argumentou que propagar uma espécie de censura tecnológica é indefensável, além de ser inútil. “Por outro lado, é possível propagar informação e conscientização para todos, de modo que esses eleitores, candidatos, candidaturas e partidos possam estar preparados para estabelecer um filtro de consciência”, ponderou.

“O sentido de utilizar positivamente as ferramentas de IA e, ao mesmo tempo, ter condições de minimizar os impactos negativos quando essas ferramentas são indevidamente utilizadas. Uma sugestão é de que, além da regulamentação que se aproxima, aplicar por todos os operadores do Direito Eleitoral uma interpretação progressiva e evolutiva capaz de estabelecer um acompanhamento alinhado com as tecnologias existentes e também atento para outras que virão, já que esse processo evolutivo tecnológico é irreversível”, sugeriu.

Já o advogado eleitoralista Douglas Oliveira, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), disse que a utilização de IA em eleições tomou relevância nas eleições recentes da Argentina e de estados estadunidenses, tendo sido utilizada de modo a prejudicar o discernimento dos eleitores e com vistas a criar informações fraudulentas sobre candidatos.

“Denominada por alguns como deepfake ou fake news 2.0, a IA foi utilizada nas eleições citadas, com vistas a possibilitar a edição de imagem e vídeo de candidatos, mediante a alteração de discursos e imagens.

Embora o Código Eleitoral já vede o emprego de desinformação com intuito de enganar eleitores e disseminar notícias inverídicas, é importante que o TSE também regulamente de maneira específica o tema para as próximas eleições, assim como ocorreu com as fake news, pois o emprego de IA com intenção de criar e disseminar informações falsas pode trazer danos extraordinários ao processo eleitoral”, analisou.
Ele acrescentou que, ainda que alguns defendam que o uso de IA pode facilitar e maximizar a comunicação, os efeitos contrários, se empregada de maneira incorreta, podem causar grandes danos.

“Imagine a gravação editada de um vídeo em que determinado candidato de direita apoia pautas da esquerda e vice-versa? Situações como essas podem gerar grande confusão entre eleitores e influenciar no resultado das eleições”, concluiu.

TSE ainda não tem resolução específica

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que ainda não foram aprovadas as resoluções que orientarão especificamente as eleições de 2024 e que, segundo a legislação, elas podem ser apreciadas até 5 de março. 

No começo deste ano, o TSE reuniu representantes de plataformas digitais e redes sociais para ressaltar a importância da atuação conjunta para o combate à desinformação. Participaram da reunião representantes das plataformas digitais TikTok, Twitter, Meta (WhatsApp, Facebook e Instagram), Telegram, YouTube, Google e Kwai. O TSE tem defendido a importância de as empresas atuarem no sentido de prevenir e coibir, na internet, a disseminação de discursos de ódio, a incitação à violência e os atentados contra a democracia 
e contra as instituições. 

O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do TSE conta atualmente com mais de 150 parceiros, como redes sociais e plataformas digitais, instituições públicas e privadas, entidades profissionais, entre outros.