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26 de janeiro Um ano da morte de Sophia, caso que escancarou uma série de falhas na rede de proteção Relembre o caso e saiba o que o estado fez para melhorar o trabalho de proteção a crianças e adolescentes 26 JAN 2024 • POR Valesca Consolaro • 12h00
Sophia tinha 2 anos   Reprodução

Data que entrou para história de Campo Grande e do País, nesta sexta-feira (26), faz um ano que Sophia de Jesus O’Campo, de 2 anos, foi morta brutalmente, desencadeando em longa investigação sobre uma série de erros do estado, principalmente quanto ao atendimento às crianças submetidas a violências, algo que colocou conselhos tutelares na mira da população dos órgãos de fiscalização. 

O caso ganhou repercussão nacional, não só pela idade e motivos que levaram a menina ao falecimento, mas principalmente pelo número de denúncias que já tinham sido realizadas com relação à suspeita de que Sophia fosse vítima de violência em casa. 

Após a morte da menina e denúncia do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), a mãe de Sophia, Stephanie de Jesus da Silva, de 24 anos, e o padrasto Christian Campoçano Leitheim, 25, se tornaram réus por homicídio triplamente qualificado por motivo fútil.

O padrasto também foi denunciado por estupro de vulnerável, a partir de exame necroscópico que constatou a violência.

Mãe e padrasto de Sophia Ocampo

Stephanie, a mãe, também foi denunciada por homicídio doloso por omissão, já que só encaminhou a menina à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) aproximadamente sete horas após sua morte. 

O laudo também apresentou que a menina teve traumatismo raquimedular na coluna cervical.

Além disso, chamou atenção o fato de Sophia ter sido atendida em postos de saúde de Campo Grande por cerca de 30 vezes antes de morrer. 

Conforme as investigações, um ano antes de ser assassinada, Sophia já sofria agressões em casa. O primeiro boletim de ocorrência, registrado pelo pai da criança, foi  feito em janeiro de 2022. 

O inquérito com a última denúncia de agressão contra a menina ficou 21 dias sem movimentação, após ser protocolada no dia 5 de janeiro. 

Diante disso, órgãos públicos e o Conselho Tutelar de Campo Grande passaram a ser alvo de investigação e críticas, sob a suspeita de negligência quanto à atuação na proteção de crianças e adolescentes, principal função do órgão.

Foi escancarada a carência na quantidade de conselhos para atender à demanda da população de Campo Grande, que há anos trabalha com a metade de unidades e de conselheiros necessários. 

À época da morte de Sophia, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MP/MS) protocolou um inquérito civil para apurar a responsabilidade da instituição na morte da menina. 

Em um dos relatórios, o Conselho afirmou que foi chamado para ir à UPA do Coronel Antonino, no dia 26 de janeiro, local em que Sophia já chegou sem vida. Mas, de acordo com o documento, o conselheiro que atendeu ao telefone da polícia afirmou que a instituição não poderia intervir neste caso porque a criança já estava morta.

Contudo, antes dos serviços do Conselho serem solicitados pelos policiais que atenderam ao caso no UPA, o órgão já havia sido notificado sobre as condições em que a vítima vivia. 

Pai de sophia 

Jean Ocampo, pai da menina Sophia, quer justiça pela filha- Foto: Marcelo Victor

Quanto ao pai de Sophia, Jean Carlos Ocampo, diante da suspeita de omissão do poder público com o caso da menina, processou o Estado e o município por negligência no atendimento e investigação do caso. 

Durante um ano, Jean lutou pela guarda da filha enquanto realizava denúncia sobre as suspeitas de violência. 

A dificuldade em conseguir a guarda, mesmo diante de denúncias levantou dúvida sobre um outro problema: homofobia por parte do estado, por Jean viver em um relacionamento com outro homem. 

Conforme o jurídico de Jean, a menina foi levada diversas vezes à UPA do Coronel Antonino, sempre com sinais de maus-tratos, mas nada foi devidamente relatado sobre as marcas de agressão. 

Em uma dessas vezes, a menina foi levada pela mãe ao pronto atendimento no dia 16 de novembro de 2022, dizendo que Sophia estava com a barriga inchada e com um quadro de vômito, mas, dois dias depois, ela teve a perna engessada por estar com tíbia quebrada. 

O que mudou 

Desde então, o estado passou a tomar medidas para se isentar da suspeita quanto à negligência, adequando o sistema de atendimento às crianças e adolescentes. 

Entre tais medidas está a promessa de abertura de novos Conselhos Tutelares, que ainda não saiu do papel; a abertura da Vara Especializada em Crimes Contra Crianças e Adolescentes (VECA); bem como a promessa de salas especializadas para atender crianças em delegacias e a abertura da Casa da Criança.

Impasse com os Conselhos tutelares 

Há anos Campo Grande atuava com apenas cinco Conselhos Tutelares, a metade do que é realmente necessário, considerando que a Capital possui 906.092 habitantes.

Diante disso, foi decidido que ocorreria a ampliação da equipe e Conselhos, passando de cinco para oito unidades em Campo Grande. 

Os conselhos já existentes ficam localizados nas seguintes regiões: 

Ainda não se sabe onde os novos Conselhos serão alocados, mas já foi realizada eleição no fim do ano passado, para os novos titulares de todas as unidades, inclusive das que ainda serão abertas. 

Aguarda-se agora a atuação da prefeitura de Campo Grande para agilizar a abertura desses locais, algo que já deveria ter acontecido, considerando que a promessa foi feita em fevereiro do ano passado. 

Tal inauguração está diante de um impasse, pois a prefeitura alega dificuldades jurídicas e orçamentárias. 

Entretanto, o Conselho Municipal afirmou que é lei federal a posse dos 40 eleitos e, caso isso não aconteça, comprometeria o pleito, levando ao cancelamento do edital.  

“ A reunião em que tivemos com a prefeita foi um pouco tensa. A prefeitura apresentou suas dificuldades orçamentárias e jurídicas e o conselho analisou suas necessidades. Há possibilidade que Campo Grande não tenha nenhum conselheiro tutelar. Estamos trabalhando para que isto não aconteça e que também não ocorra nenhuma impugnação”,  afirmou Adriano Vargas, presidente da Associação dos Conselheiros, no dia 9 de janeiro deste ano.  

Vara Especializada em Crimes Contra Crianças e Adolescentes (VECA) 

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul ampliou a 7ª Vara Criminal de Campo Grande, abrindo a Vara Especializada em Crimes Contra Crianças e Adolescentes (VECA), que passa a receber os crimes de menor e maior potencial ofensivo. 

A alteração foi feita por meio da Resolução nº 284, publicada no Diário da Justiça do dia 22 de março de 2023. 

O Juiz Robson Celeste Candelorio explicou à época que a mudança serve para que todas as demandas de crimes contra crianças e adolescentes se concentrem em uma única vara especializada, localizada no Fórum de Campo Grande.

“Antes havia uma dicotomia, crimes de menor potencial ofensivo ou pequenas causas, como crime de maus tratos, quando uma mãe bate no filho ou abusa dos meios de correção era tratado no juizado especial, e os crimes mais graves, como estupro de vulneral na 7ª Vara Criminal, consequentemente as medidas protetivas contra essas crianças também”, explicou. 

Salinha na casa da mulher 

Desde março do ano passado, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), localizada na Casa da Mulher Brasileira, passou a realizar plantões para atender crianças vítimas de violência.

A unidade, que costuma funcionar de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, passou a ficar aberta aos fins de semana e feriados para atender as crianças.

Atendimentos seriam  realizados enquanto novas unidades e salas destinadas a esse público não são concluídas. 

Após isso, diversas salas especializadas para o atendimento a mulheres e crianças  foram abertas em delegacias de Mato Grosso do Sul. 

O destaque foi para a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), por meio da Polícia Civil, inaugurou, em maio do ano passado, o plantão de atendimento ao público infanto-juvenil na Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário - Centro Especializado de Polícia Integrada (Depac-Cepol), em Campo Grande.

Com isso, crianças e adolescentes, vítimas de violência, passaram a ser atendidas na sede da DEPCA no período diurno (8h às 18h) e atendidas na Depac-Cepol no período noturno (18h às 8h), finais de semana, feriados e pontos facultativos.

O ambiente é decorado com desenhos de Toy Story, parques de diversão, roda gigante, carrossel e castelo. Brinquedos como boneca e carrinho também são oferecidos para deixar o ambiente 'mais leve'. A sala é isolada de outras áreas da delegacia.

Casa da Criança 

Outra promessa, que caminha para sair do papel, é a Casa da Criança, que, segundo a Secretaria de Segurança de MS, deve funcionar em moldes semelhantes aos da Casa da Mulher Brasileira, que oferece, em um só lugar, diversos atendimentos. 

Em dezembro do ano passado, o Governo Federal confirmou a doação de área de 5 mil m² para a construção da Casa da Criança. 

O Estado de MS fica responsável pela regularização do imóvel em prazo máximo de 12 meses. Logo, a promessa ainda deve demorar para ser concretizada.