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LENTIDÃO

Desembargador recebeu R$ 5,12 milhões do TJ desde que soltou mega-traficante

Ele foi afastado porque ministra do STJ temia que estivesse fazendo um "pé de meia" antes da aposentadoria. Seu salário médio de 2023 foi de R$ 131 mil

13 FEV 2024 • POR Neri Kaspary • 12h05

Afastado do cargo no último dia 8 por conta da suspeita de ter recebido propina para conceder prisão domiciliar a um dos maiores e mais conhecidos narcotraficantes de Mato Grosso do Sul, o desembargador Divoncir Schreiner Maran recebeu R$ 5,12 milhões em salários do Tribunal de Justiça desde o mês em que concedeu a liminar, em abril de 2020. Isso representa R$ 111,3 mil ao longo dos 46 meses desde então. 

O montante supera inclusive os cerca de R$ 3 milhões sem comprovação de origem que teriam sido movimentados nas contas de familiares depois da suposta venda da sentença, conforme investigação da Polícia Federal. 

O despacho da ministra Maria Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, que determinou o afastamento do desembargador, deixa claro que tanto o sigilo fiscal e bancário do desembargador quanto do advogado que defende Gerson Palermo sofreram devassa da Receita Federal e da Polícia Federal.  

Porém, como não foi constatado nada que pudesse fundamentar a suspeita de recebimento de propina para liberação do traficante, a investigação foi estendida para três filhos e a esposa do magistrado, além de outras quatro pessoas do círculo profissional de Divoncir Maran. E foi nestas quebras de sigilo que foram encontradas as movimentações consideradas suspeitas. 

E nestas movimentações financeiras já estão excluídos os valores que o desembargador recebeu do Tribunal de Justiça. Somente em 2023, conforme dados informados na transparência do TJ, o desembargador recebeu salário bruto da ordem de R$ 1.572.725,00.

Isso equivale a uma média de R$ 131 mil mensais, embora o teto do funcionalismo público fosse de R$ 37.589,95. Em novembro, por exemplo, o salário chegou a R$ 224 mil. Valores semelhantes aos de Divoncir foram pagos a praticamente todos os demais 36 desebargadores. 

No ano anterior, ainda de acordo com os dados disponíveis no TJ, o salário bruto chegou a R$ 1.419.695,00, o equivalente a R$ 118,3 mil mensais. E assim como em 2023, o recorde dos pagamentos ocorreu em novembro, com R$ 197.348,00. Em 2022, o salário fixo (teto) estava em R$ 35.462,22. 

A devassa feita pela Receita Federal também deve ter constatado que em 2021 os rendimentos brutos do magistrado somaram R$ 1.147.895, uma média mensal de R$ 95,65 mil. Diferentemente que nos dois outros anos, o recorde de pagamentos aconteceu em agosto, com R$ 218.850. 

No mês em que concedeu a liminar, em abril de 2020, o salário de Dinvoncir Maran foi R$ 102,846,00, o que deixa claro que certamente não seria a falta de dinheiro o motivo para que supostamente recebesse pagamentos indevidos para atender ao pedido de soltura do homem que é apontado como chefão do PCC. Somando os outros oito meses daquele ano, recebeu um total de R$ 864.878,00.

A ministra Maria Isabel Gallotti suspeita que "supostamente, a liminar teria sido dada a troco de vantagem indevida, para aproveitar o período final do desembargador antes de sua aposentadoria. Pode ser vista como uma forma de 'juntar dinheiro' enquanto ainda é titular do cargo. Logo, há concreto risco, diante do comportamento adotado, de que a conduta se repita", escreveu a ministra.

Mas, se era essa realmente a intenção do magistrado, o afastamento do último dia 8 chegou tarde. No próximo dia 6 de abril ele completa 75 anos e vai se aposentar compulsoriamente. Quer, dizer, a ministra teme que nestes dois meses ele pudesse “praticar outros crimes”. 

Mas, no dia seguinte à soltura, em 22 de abril de 2020, a liminar já foi revista pelo desembargador Jonas Hass, deixando claro que imediatamente as autoridades perceberam que algo estranho havia ocorrido. Mas apesar da revisão da liminar, Gerson Palermo havia desaparecido e até hoje não foi encontrado. 

Alem disso, algumas semanas depois da libertação, um dossiê com mais de 60 páginas foi encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que somente em setembro do ano passado decidiu investigar o caso. E em decorrência dessa investigação, nos dias 3 e 4 de abril, às vésperas da aposentadoria, promete tomar depoimento de testemunhas e do próprio desembargador. 


PALERMO

Gerson Palermo, preso pela última vez em 2017 econdenado a 126 anos de prisão, é piloto experiente de aeronaves e já sequestrou um avião de carreeira que seguia de Foz do Iguaçu a Curitiba, em agosto de 2000, do qual ajudou a roubar R$ 5,5 milhões.
Ele é apontado como um dos chefões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Em maio de 2002 teria sido um dos organizadores da série de rebeliões em presídios de Mato Grosso do Sul. Sete internos acabaram sendo executados no complexo penitenciário de Campo Grande.