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Mato Grosso do Sul Seguradora e iFood aplicam calote em motoentregadores acidentados Trabalhadores que sofreram acidente e não conseguem trabalhar vivem calvário em busca de indenização 19 FEV 2024 • POR Eduardo Miranda • 08h00
Cotidiano dos motoentregadores tem sido difícil após acidentes   Foto: Marcelo Victor

Motoentregadores de Mato Grosso do Sul que prestam serviços para o iFood vivem um calvário para receber as indenizações da seguradora contratada pelo aplicativo de entregas. Nos últimos três anos, nenhum deles – que seguem impossibilitados de realizar novas entregas – conseguiram receber as indenizações que deveriam ter sido pagas pela seguradora contratada pelo iFood, a

MetLife Seguro & Previdência, ou pelo próprio aplicativo. Enquanto o calote do aplicativo e da seguradora permanece, as ações judiciais para cobrança se acumulam no Poder Judiciário. Somente no início deste ano, foram mais dois novos processos ajuizados.

Em tese, o iFood e a MetLife oferecem uma cobertura de até R$ 100 mil para morte acidental, de até R$ 100 mil para invalidez permanente ou parcial por acidente e de até R$ 15 mil como parte da cobertura de despesas médico-hospitalares e odontológicas por acidentes.

Em cinco casos recentes ocorridos em Campo Grande – e observados pelo Correio do Estado –, porém, a dificuldade dos motoentregadores acidentados em provar que estavam a serviço do iFood e que estão impossibilitados de exercer a profissão é tamanha que não lhes restaram outra alternativa a não ser procurar o Judiciário.

Há o caso, por exemplo, do motoentregador Iraldemar Constantino Brito, vítima de um acidente em 22 de abril do ano passado, na Av. Ministro João Arinos, às 22h20min, quando fazia uma entrega, conforme consta no processo judicial.

Ele sofreu um trauma irreversível no pé direito, contudo, depois de dar entrada no pedido para a indenização por meios administrativos, foi contemplado com um prêmio de R$ 14 pela seguradora MetLife.

“É visível o descaso da requerida [seguradora] com o requerente [Brito] e os danos corporais sofridos, uma vez que a indenização paga por aquela, a título de indenização por invalidez permanente, demonstrasse [ser] irrisória e desproporcional, sendo até motivo de chacota o pagamento de R$ 14 diante de uma apólice de R$ 100 mil”, argumentou sua advogada, Elaine Durães Barrreto.

Em todos os casos, o iFood tenta reafirmar que nada tem a ver com os pedidos e alega que a situação se trata de uma relação entre a seguradora e o motoentregador, muito embora seja ele o contratante do seguro e o estipulante da relação por meio de cláusula de adesão.

Tanto a MetLife quanto o iFood, em vários processos, também tentam anular todos os pedidos, alegando que o local onde o acidente ocorreu (nos casos específicos em Campo Grande) não é o foro competente para a demanda, e sim São Paulo (SP). Essa tese, porém, tem sido derrubada pelo Poder Judiciário local. 

Diante das dificuldades impostas pelo iFood e pela seguradora, nenhum dos cinco motoentregadores examinados pelo Correio do Estado teve seu processo finalizado, e o motivo é simples: a seguradora só aceita pagar a indenização se houver perícia médica e se houver documentos que provem que o entregador estava a serviço do iFood no momento do acidente.

Ocorre que, no decorrer do processo, essas provas são solicitadas pelos entregadores e quase nunca fornecidas pelo iFood.

O motoentregador Matheus Alexandre de Oliveira Souza, por exemplo, chegou a anexar uma imagem de seu acidente com a mochila térmica do iFood para provar que estava a serviço do aplicativo. Entretanto, a seguradora e o iFood permanecem irredutíveis.

Charles Machado Pedro, advogado de Matheus, disse que seu cliente e outros motoentregadores terão uma longa jornada pela frente. “A gente está levando esse debate para o Poder Judiciário, e as discussões estão só começando”, analisou.

Desproteção

Enquanto a disputa pelo pagamento dos prêmios do seguro contratado pelo iFood se arrastam no Judiciário, ainda não há um consenso sobre a proteção previdenciária desses trabalhadores.

No ano passado, o governo federal criou um grupo de trabalho para regulamentar o trabalho intermediado por aplicativo, mas a discussão está longe de um consenso.

O lado ligado às empresas de tecnologia é contra qualquer tipo de regulamentação e envolvimento delas na seguridade ou nas relações de trabalho com seus prestadores de serviço.

Por outro lado, sindicatos e políticos mais à esquerda defendem que esses trabalhadores sejam cobertos pelas garantias da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Uma das alternativas em estudo é a adesão obrigatória desses trabalhadores ao status de Microempreendedor Individual (MEI), em que há o recolhimento previdenciário e que, por consequência, existe a cobertura de indenizações e aposentadorias por invalidez em caso de acidentes de trabalho, como ocorre com trabalhadores regulamentados.

Outro lado

Em todos os casos citados, o iFood e a MetLife se isentam de responsabilidade sobre as indenizações. O iFood, juridicamente, se posiciona como mero intermediador. Já a seguradora alega que os demandantes não cumpriram os requisitos para o recebimento do prêmio.