O segundo projeto de lei complementar da reforma tributária, que será analisado pelo Congresso Nacional traz a antecipação da cobrança do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), tributo cobrado pelos municípios brasileiros na venda de imóveis.
A proposta prevê que o tributo municipal seja pago no ato da assinatura do contrato de compra e venda. Setor imobiliário avalia como negativa a mudança.
A regulamentação indica que o imposto deve incidir sobre um preço de venda acordado ou do valor de referência do imóvel, estabelecido pelo município, com base em estimativas de mercado, prevalecendo desta forma o que for maior.
O projeto que também cria o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), apresentado na terça-feira (4) pelo governo federal é uma demanda das prefeituras, visto que atualmente a taxação ocorre no momento da transferência da propriedade do imóvel, sendo paga pelo comprador do bem, incidindo sobre o valor efetivo de venda do imóvel.
As leis complementares apresentadas vão nortear o funcionamento dos novos tributos previstos no processo da reforma tributária. O primeiro instituiu o IBS e a Contribuição Sobre Bens Serviços (CBS), que vai substituir toda a tributação sobre as relações de consumo.
Já o novo projeto, abre a possibilidade de a prefeitura realizar a cobrança logo após a assinatura do contrato de compra e venda, que ocorre antes da transferência legal do bem.
O Conselho Regional de Corretores de Mato Grosso do Sul (Creci-MS) avalia como negativos os efeitos.
“Essa proposição é fora de contexto. Não tem como ser realizada no momento que se inicia a compra, ou seja, quando você faz o contrato de compra e venda”, analisa o presidente da instituição, Eli Rodrigues.
Ele explica que a assinatura do contrato representa uma espécie de promessa.
“Ainda não é um negócio realizado 100% fechado. Então essa situação vai trazer muitos transtornos se for colocada da maneira que está”, afirma Rodrigues.
O presidente do Conselho ainda levanta o questionamento de como seria feito o recebimento do valor no caso do negócio não se concretizar. Além de destacar que o projeto vai contra o que diz a constituição federal.
Ele lembra que a constituição Federal em seu artigo 156, inciso II, estabelece a competência tributária para instituir e cobrar o ITBI: Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
Segundo o Código Civil, os direitos só são considerados transferidos por meio do registro no cartório de imóveis.
ITBI
O advogado tributarista Daniel Pasqualotto explica que em Campo Grande já há exigência do recolhimento do imposto.
“Quando você chega no tabelionato de notas para fazer uma escritura, os tabeliães já pedem que tenha sido feito o recolhimento desse ITBI”, pontua.
Ele explica que a norma 250/2021 da corregedoria do Tribunal de Justiça, explica que o tabelião recomenda que seja pago o ITBI, mas isso é opcional.
O advogado ainda complementa que uma compra e venda é feita em duas etapas, sendo uma num cartório de notas, onde se faz a escritura de compra e venda, e depois, munidos da escritura, as partes levam no registro de imóvel.
“Às vezes o próprio cartório de notas já faz esse serviço de mandar para o cartório de registro de imóveis competente daquela localidade para que ele registre esse bem, e aí tem a norma da corregedoria, explicando que na escritura é recomendável, o notário pode recomendar, mas não é uma obrigação, a obrigação vai ser quando for feito o registro”, esclarece.
Com a mudança, a cobrança vai passar a ser quando esse comprador for registrar a escritura.
“Quando levar a escritura já a um cartório de notas para ser feita, as partes já vão ter que ter recolhido o ITBI, sob pena dessa escritura nem sequer ser feita”, relata Pasqualotto.
Essa ação vai contra o que está sendo feito hoje e é o que está de normativa na corregedoria do tribunal, porém, na prática muitos cartórios ainda exigem e às vezes levam até a judicialização, explica o tributarista.
“O contribuinte entra na justiça brigando, dizendo, olha eu não posso recolher agora, eu não tenho expectativa de fazer o registro dessa escritura agora. Então assim, o que vai acontecer? Vai acabar com essa judicialização e vai passar a ser exigido já quando da escritura. Fez o contrato, levou para escriturar e pronto. Ali já está devido o ITBI”, conclui Pasqualotto.
JUDICIALIZAÇÃO
Em matéria publicada pelo Estadão, o economista e secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos, Gilberto Perre, explica que objetivo é evitar a judicialização em cima do tributo com a definição clara da base de cálculo.
A normativa atual abre brechas para a base de definição do valor do ITBI, podendo ser o da escritura, da matrícula e também o valor alegado pelo contribuinte na transação, o que causa um litígio no processo.
“Outra questão era o momento da ocorrência, a discussão em torno do momento e do valor de cálculo é que acaba levando a um debate e a um eventual não pagamento do tributo” argumenta Perre.
Desse modo, a discussão gira em torno de como os estados vão ter controle sobre a arrecadação disso que vai ser um imposto único no território nacional e como é que os estados vão controlar para que tenham participação também efetiva e fiscalização.
Perre afirmou ainda, em entrevista coletiva, que o objetivo da mudança foi exatamente reduzir os questionamentos sobre esse tema.
“Temos a expectativa de que o texto vá na direção de diminuir esse debate”, afirmou. Segundo ele, não se trata de tributo novo nem mais imposto para o contribuinte.
CONTROVERSO
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, havia decidido que a cobrança teria que ser feita pelo valor de venda, por falta de previsão legal à respeito do assunto, o que fez com que tribunal se manifestasse contrário ao projeto de lei.
A jurisprudência consolidada do STJ, no entanto, determina que a ocorrência do fato gerador se dá no momento do registro imobiliário, sendo inexigível no contrato de promessa de compra e venda.
Além disso, há pronunciamentos do Supremo, em algumas ações individuais, sobre a impossibilidade de cobrança no momento de formalização da compra e venda.
O projeto elaborado pelo governo federal em conjunto com estados e municípios também diz que a base de cálculo será o valor venal, com previsão do “valor de referência” na legislação municipal ou distrital, com base em dados de mercado.