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Juca Kfouri: O polêmico novo Mundial da Fifa

Os gigantes europeus querem receber o que pensam valer e os demais que se virem

13 JUN 2024 • POR Juca Kfouri - Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP. • 00h05
Juca Kfouri   Divulgação

Numa das poucas vezes em que teve razão na vida, se não foi a única, o bufão, milionário e fascistoide Silvio Berlusconi (1936-2023), então dono do Milan, deu entrevista logo após a Itália ser eliminada pela Argentina nas semifinais da Copa do Mundo de 1990, que sediou.

A Holanda, que tinha o trio milanês composto pelos magníficos Rijkaard, Gullit e Van Basten, campeões da Eurocopa dois anos antes, já havia caído, eliminada logo nas oitavas de final, pela Alemanha, depois de três decepcionantes empates com Egito, Inglaterra e Irlanda na fase de grupos e o segundo lugar conquistado só no sorteio.

Disse o magnata, então: "Passamos dois anos com nossos estádios sem suas capacidades totais porque em reforma para receber a Copa do Mundo e amargamos prejuízos por isso. Meus três holandeses decepcionaram e a Itália não chegou à final com uma porção de jogadores do Milan. Agora a Fifa vem e diz: ‘Toma, reerga o futebol na Itália’. Ora, a Copa do Mundo de seleções não faz mais sentido no mundo globalizado. Que se limite ao torneio de seleções nas Olimpíadas. Copa do Mundo tem de ser dos clubes, repletos de estrangeiros. E os hinos a serem tocados têm de ser os dos clubes", disse à revista semanal Panorama.

Tudo isso para mencionar o previsto, para junho/julho de 2025, Mundial de Clubes Fifa com 32 clubes, a ser disputado nos Estados Unidos nos moldes da Copa de seleções.

Os gigantes europeus pressionam a Fifa para receberem o que avaliam valer para participar do torneio.

Em regra a entidade ganha brigas do gênero, mesmo que tenha de pagar um pouco mais por isso.

Disputar o interesse com a Champions League da Uefa é só e tudo o que Fifa quer e da competição entre as duas confederações não será surpresa se, em futuro próximo, vier à luz o que já foi ensaiado duas vezes sem sucesso: a Liga dos Clubes Europeus, com um campeonato continental composto apenas pelos gigantes durante toda a temporada em pontos corridos.

A luta por mais dinheiro é incessante e a busca pela prevalência da elitização parece inevitável.

Clubes como o Real Madrid perguntam por que raios têm de dividir faturamento com confederações, que ficam com a parte do leão, se essas não possuem times para botar em campo.

Do ponto de vista dos países do mundo periférico do futebol, e aí estão incluídos os cada vez mais poderosos e bilionários clubes árabes, a briga promete, sem que se possa prever o desfecho.

Dólares, euros, libras e petrodólares jamais se preocupam com a maioria.

E não adianta clamar pelos valores românticos do futebol raiz porque o choro não passará de resistência inócua, tamanhos são os interesses em jogo.

O torcedor é cada vez mais um ser impotente que vê o mercado financeiro tomar conta de sua paixão, as casas de apostas envenenarem ainda mais o ambiente poluído, cartolas encherem os próprios bolsos em tabelinhas com empresários de atletas e endividarem os clubes, que, sem saída, recorrem a quem, em tese, pode salvá-los.

Talvez exista quem saiba como encontrar outra solução que não seja a de se dobrar ao sistema capitalista que vigora cada vez mais potente no mercado do futebol.

Se existir, estamos todos loucos por ouvi-lo.

E se não for mais um mitômano como tem aparecido por aí, será candidato à canonização ou ao equivalente na diversidade religiosa.