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MÚSICA CLÁSSICA

Cantora lírica campo-grandense se destaca no cenário brasileiro e internacional

Elouise Miranda, a qual ganhou o terceiro lugar no Concurso Maria Callas (SP), prepara-se para mais uma importante competição internacional; conheça um pouco da vida e da arte dessa importante cantora lírica campo-grandense de apenas 25 anos

17 JUN 2024 • POR Marcos Pierry • 10h00
A soprano lírico Elouise Miranda ao lado do pianista Daniel Gonçalves, que a acompanhou no 22º Concurso Maria Callas   Foto: Reprodução

“Acho melhor não divulgar ainda”, responde Elouise Miranda quando perguntada sobre a próxima competição de canto da qual pretende participar. Destaque da música clássica de Mato Grosso do Sul desde o ano passado, a cantora lírica nascida em Campo Grande chamou atenção de quem entende do assunto por volta dos 17 anos, passando a ocupar uma posição de destaque no cenário nacional faz quase três meses.

Foi na noite de 21 de março, no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulista, que ela conquistou o terceiro lugar na 22ª edição do Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, talvez o mais importante do País dedicado ao canto lírico.

As sopranos Flavia Stricker (PR) e Isabella Luchi (ES) ficaram, respectivamente, com a primeira e a segunda posição na competição, que é organizada pela Cia Ópera São Paulo, sob a direção de Paulo Abrão Esper.

Uma das árias preferidas da notável artista de 25 anos, “Caro Nome” – da ópera “Rigoletto” (1851), de Giuseppe Verdi (1813-1901) – serviu de passaporte para o reconhecimento de seu talento no circuito paulista de música de concerto, que ajuda (e muito) a posicionar com distinção o nome de quem busca lugar no panteão do gênero.

Além da peça entoada por Gilda no primeiro ato da ópera de Verdi, Elouise cantou, na final do concurso, “Je Veux Vivre” (1867), da versão de Charles Gounod (1818-1893) para “Romeu e Julieta”.

Enquanto se prepara para mais uma prova, Elouise segue com a vida que escolheu para si desde os sete anos, quando ficou “viciada” em um CD do pai com as composições de Mozart (1756-1791). Já nesse tempo, bem antes de ingressar na Fundação Barbosa Rodrigues (FBR), em que começou como estudante de violino, a menina se divertia à beça imitando as cantoras de ópera.

“Sopranos são sempre lembradas principalmente pela capacidade de alcançar notas agudas, mas, mesmo dentro dessa classificação, existem as subclassificações, na qual cada uma tem suas características. Eu sou uma soprano lírico coloratura, minha voz é considerada encorpada, arredondada e com um certo lirismo, ao mesmo tempo que consegue fazer passagens que exigem agilidade com clareza”, descreve Elouise.

“Quando eu tinha 13 anos, minha mãe ficou sabendo que a FBR abriria uma vaga e logo me inscreveu. Porque sabia que eu tinha muita vontade de tocar um instrumento, mas na época não tinha condições de pagar. Então, esse projeto social foi um início muito importante. Comecei a fazer aulas de violino com o maestro Eduardo Martinelli e amava tocar, fiquei anos estudando muito, mas o canto lírico não tinha deixado de sair da minha cabeça”, conta a cantora.

“Em uma das apresentações em que a Orquestra Jovem da FBR tocou, a filha do maestro [Martinelli], minha amiga [e cantora lírica] Bianca Danzi cantou, e até então eu não tinha escutado alguém cantar lírico pessoalmente, só por gravações. Isso me deixou enlouquecida para estudar. Minha mãe me incentivou a falar com o maestro e ele me disse para preparar algumas músicas com a Bianca. Então fiz isso, me dediquei e até fizemos apresentações, mas na época eu ainda não fazia aulas”, ressalta Elouise.

A sua rotina atualmente se divide entre a agenda de maestrina de coral e professora de canto e violino – na Escola de Música Tom Maior e na Sociedade Assistencial Meimei – e as horas que dedica aos estudos e aos ensaios com a própria voz.

“Faço aulas de canto duas vezes por semana, nos dois dias em que tenho minha manhã livre, e estudo sozinha nos outros dias, nos horários livres entre um aluno e outro”, diz a artista, que cresceu em um ambiente musical, ao som da voz e do violão do pai e da mãe.

PARA VALER

“Depois de um bom tempo, já com 17 anos, a Bianca me disse que estava fazendo aula com a professora Cristina Passos [mestre em Música pela Universidade Federal de Goiás e bacharel em Canto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro] e me indicou. Fiquei muito animada. Depois que dei início, só tive a confirmação de que era o que eu queria estudar com seriedade. Minha voz vem se desenvolvendo, e durante esses anos fiz concertos em Campo Grande e participei de recitais”, prossegue.

“Me formei em Música pela UFMS [Universidade Federal de Mato Grosso do Sul], fui ganhando experiência e ocupando todos os espaços possíveis que pudessem favorecer minha formação”, afirma a jovem cantora.

“Agora, com 25 anos, sei que o processo de amadurecimento técnico, artístico e também psicológico sempre está em desenvolvimento. Mas me sinto mais preparada a avançar para outros espaços que me desafiem e me estimulem para um próximo nível”, mira a soprano.

MESTRES

Quem primeiro lhe avistou o rouxinol na garganta segue a celebrar a sua voz.

“Eu não sabia [do seu potencial para o canto], tinha ela como uma ótima estudante de violino. Comecei a incluir no repertório da Orquestra Jovem da FBR algumas árias de ópera para que ela e a Bianca cantassem”, conta Martinelli.

“Fizemos uma adaptação do duo da ‘Flauta Mágica’, [do dueto] de Papageno e Papagena, e elas cantavam e faziam o maior sucesso, inclusive. Começaram a se entrosar, e vi que o negócio era sério. Pedi para a professora Cristina Passos um favor: ‘Que você conheça, ouça e oriente essas moças aqui’”, continua.

“Nisso, a Elouise começou, sob a orientação da Cristina, a desenvolver cada vez mais, mais e mais, a participar de tudo quanto é coisa, a fazer solos com orquestra profissional. Participou com a gente do [Festival] Encontro com a Música Clássica e culminou com o prêmio no Maria Callas”, cita Martinelli.

“Além de estar sempre atuando e cantando. Participou da última edição, por exemplo, do Festival Encontro com a Música Clássica, cantando com o barítono Santiago Villalba [RJ]”, afirma.

“Então, todos os méritos aí dela e da professora Cris por esse aperfeiçoamento incrível. A gente fica muito feliz por ela estar sempre conosco enquanto estiver morando aqui. Elouise é extremamente jovem para ter o amadurecimento que tem na sua voz. É um mérito incrível dela e da Cris”, diz o instrumentista e educador.

“Uma jovem cantora de Campo Grande que inicia sua carreira com um futuro promissor” – é assim que Cristina Passos define a sua pupila.

“A Elouise é uma pessoa muito estudiosa. Ela consegue preparar um repertório rapidamente e assimila muito bem todo o aprendizado. Isso aí é um ponto positivo, porque ela aplica o que aprende e se desenvolve com a sua musicalidade e a sua inteligência musical a partir dessa dedicação, dessa seriedade com que ela leva o trabalho”, define.

“Conheci a Elouise quando ela tinha entre 17 e 18 anos, apresentada pelo maestro Martinelli. Ela fez a primeira apresentação cantando árias antigas, e foi quando eu percebi que reunia um conjunto de qualidades, de requisitos para ser preparada como uma cantora lírica. Apresentou muita musicalidade, senso estilístico, e foi quando eu conversei com ela para propor um estudo sério, com uma finalidade de formá-la”, conta a professora.

“Dei uma bolsa para ela e logo depois vim para Goiás, onde resido desde 2020, na época da pandemia [de Covid-19]. Nós começamos a fazer aulas on-line. Nesse período, a Elouise se formou na UFMS e participou de uma competição on-line, e o Maria Callas foi o primeiro [concurso] presencial que integrou. Nosso intuito nessa sua participação foi aprimorar seus estudos, dar uma acelerada na expansão do repertório”, salienta Cristina.

REENCONTRO

Dois amigos da professora que atuam no Rio de Janeiro – e orientaram Elouise de forma on-line – também tiveram um papel fundamental na preparação da jovem cantora para o concurso paulista: Victor Emanuel Abdala, historiador especializado em ópera e integrante da equipe que prepara as montagens do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e Daniel Salgado da Luz, filósofo, musicólogo e diretor de cena na mesma casa teatral.

“[Eles] me ajudaram muito, principalmente no desenvolvimento de uma conexão entre corpo, voz e personagem, um trabalho de lapidar a performance e de pesar nas nuances”, reconhece Elouise, 
que meses depois ainda celebra o reencontro presencial com a mestra Cristina Passos.

“Para esse concurso, conversamos sobre a possibilidade de nos encontrarmos em São Paulo, a fim de que ela me acompanhasse, e foi isso que fizemos. Ela foi junto e me deu apoio em todas as fases, foi um momento muito especial”, agradece a cantora.

VÍDEOS

Após ter conferido uma performance de Elouise gravada em vídeo, a comissão de seleção do Maria Callas decidiu incluir a artista sul-mato-grossense entre as semifinalistas do concurso.

“Viajei para São Paulo em 16 de março, dia do meu aniversário, e fiz a prova da fase semifinal em 19/3. Cantei duas árias que eles haviam pedido previamente para ser preparada, ‘O zittre nicht, mein lieber Sohn’ [de “A Flauta Mágica”, 1791] e ‘Quel Guardo il Cavaliere’ [da ópera-bufa “Don Pasquale”, de Gaetano Donizetti, que estreou em 1843]”, diz a soprano.

Nas redes sociais, a rasgação de elogios para seus vídeos é uma constante: “Bravíssima!”, “orgulho”, “perfeita”, “canta muito!”, “muitos parabéns!”, perfeita demais”, “canta tanto e tão bem que dá vontade de chorar”, “gigante”, “sem palavras”, “bravo!”, “maravilhosa”, “divina”.

Confira de perto no Instagram @_elouisemiranda ou procure por Elouise Americo Miranda no YouTube.

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