Logo Correio do Estado

CRÍTICA

Orquestra Sinfônica de Campo Grande: um aulão de música no Teatro Glauce Rocha

Dezenas de pessoas acompanharam de pé a apresentação que marcou o lançamento do 17º Festival Encontro com a Música Clássica para conferir as composições orquestrais consagradas de gênios como Bach, Mozart, Tchaikovsky e Villa-Lobos

19 JUN 2024 • POR Marcos Pierry • 10h00
Mais de 800 pessoas estiveram no Teatro Glauce Rocha na noite de segunda-feira, a fim de acompanharem o concerto da Orquestra Sinfônica de Campo Grande, sob a regência do maestro Eduardo Martinelli   Foto: Jardel Tartari

Uma aula de música. Assim pode ser resumido o concerto realizado nesta segunda-feira, no Teatro Glauce Rocha, pela Orquestra Sinfônica de Campo Grande, sob a regência do maestro Eduardo Martinelli. 

E que aula: didática, frugal, inspirada, sensível e competente em seu propósito de seguir com a popularização da música clássica por meio da execução de temas consagrados, a exemplo das “Quatro Estações”, de Antonio Vivaldi (1678-1741).

A plateia estava completamente lotada – todas as quase 750 poltronas ocupadas e com dezenas de pessoas em pé ou sentadas no carpete do teatro – para acompanhar a apresentação, que durou em torno de 90 minutos e funcionou como uma espécie de best of dos medalhões da música de concerto desde o período barroco.

O repertório, que poderia soar manjado ou previsível, funcionou mais que a contento, dando pedal para que os instrumentistas pudessem exprimir com precisão e sensibilidade a plástica sonora de tantas partituras geniais.

Do italiano Vivaldi ao brasileiro Ernani Aguiar, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nascido em Petrópolis (RJ), em 1950, o que se viu – e ouviu – repassou nada menos que três séculos de composições angulares que foram, a seu tempo, inovando e mudando a criação musical.

MOZART

Dos 10 compositores elencados no programa, o primeiro foi Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Entre os temas que levam a assinatura do austríaco foram executados “Pequena Serenata Noturna” (1787); “Eine Kleine Nachtmusik”, no original em alemão, que é um hit no TikTok; e a “Marcha Turca” (1783), terceiro movimento de uma conhecida sonata para piano do compositor, o qual, do jazz a comédia, fez a cabeça de muita gente (Dave Brubeck, Mr. Bean, etc.).

Expoente do clássico (1730-1820), com uma importância difícil de ser mensurada, transcendendo – e muito – esse período, Mozart fez sua marcha para piano solo brilhar. Mas no concerto da noite de segunda, o tema foi rearranjado, com a melodia a cargo de violinos e flautas.

Se deixa uma pontinha de saudade do som das teclas para um tema tão bem tratado por Claudio Arrau (1903-1991), Glenn Gould (1932-1982) e tantos outros virtuoses, a transcrição proposta serve para mostrar o desafio de manter o andamento da “Marcha Turca” – originalmente em allegretto – quando são propostas outras paragens.

Do mesmo modo, “Noturno”, do romântico Tchaikovsky (1840-1893) e que foi apresentado no Glauce Rocha, também ganhou transposição: para violoncelo solo (Marcelo Geronimo) e orquestra de cordas. E não deixou de agradar.

BACH

A música de Johann Sebastian Bach (1685-1750) certamente foi um dos apogeus, com Rafael Henrique Morais demonstrando mais uma vez sua incrível intimidade com o violoncelo, 
ao fazer solo durante o prelúdio de uma das seis famosas suítes que o compositor barroco criou para o instrumento.

Ou então no momento em que a Orquestra Sinfônica de Campo Grande executou a “Ária da Quarta Corda” (1717-1723), em um crescendo orquestral de arrepiar e que fez mais de um espectador ir às lágrimas.

Falando no barroco, talvez tenha feito falta o cravo, provavelmente pelo uso do teclado eletrônico utilizado para substituir o som do antigo instrumento de origem medieval.

Deu uma vontade danada de pedir para a classe política que estava presente – a senadora Soraya Thronicke, a prefeita Adriane Lopes e a secretária municipal de Cultura, Mara Bethânia Gurgel – sanar a lacuna.

(Reconhecendo: a senadora propôs uma emenda parlamentar para alavancar a música de concerto em todo o Estado e a Orquestra Sinfônica de Campo Grande, coordenada pelo maestro Jardel Tartari, é uma iniciativa bancada prioritariamente pela prefeitura da Capital. Que venham, então, muitos cravos para MS. No momento, até onde se sabe, não há nem sequer um exemplar do instrumento em território sul-mato-grossense.)

VALSA E BRASILEIROS

A noite teve ainda muito mais: “Danúbio Azul”, a valsa de Johann Strauss II (1825-1899) eternizada no cinema por Stanley Kubrick (1928-1999); “Dança Húngara”, de Johannes Brahms (1833-1897), com direito a acompanhamento de palmas da plateia na versátil e simpática condução de Martinelli; o norueguês Edvard Grieg (1843-1907); e ainda três brasileiros.

Além de Ernani Aguiar, teve também o modernista Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e César Guerra-Peixe (1914-1993) – outro filho de Petrópolis –, de quem se ouviu uma vibrante releitura do maracatu pernambucano.

Se a missão era marcar o lançamento da 17ª edição do Festival Encontro com a Música Clássica, que ocorrerá entre os dias 26 e 30 de agosto, o concerto desta segunda foi mais que próspero. Uma festa e tanto para os sentidos.

Assine o Correio do Estado