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MÚSICA CLÁSSICA

O destino em canto e cordas

O quarteto sul-mato-grossense Brasil Opus Música recebe o trio Parcae, da França, para dois recitais com entrada franca; um amanhã, em Campo Grande, no Teatro Aracy Balabanian, e o outro no dia 22, em Bonito, na Praça da Liberdade

17 JUL 2024 • POR Marcos Pierry • 10h00
Trio Parcae: Fiona Fauchois (soprano), Elise Gueroult (mezzo-soprano) e Léa Sirera (soprano)   Foto: Divulgação

As parcas, na Roma Antiga e na mitologia grega, eram três irmãs que governavam o destino dos homens. Filhas da noite (ou de Júpiter e Têmis), Nona (ou Cloto), Décima (ou Láquesis) e Morta (ou Átropos) teciam o fio da vida e eram simbolizadas como três velhas fiandeiras – bem ao gosto, aliás, da escritora Raquel Naveira. As três também eram responsáveis por vigiar o movimento das “esferas celestes e da harmonia do mundo”.

É assim, carregado de sentidos, o nome escolhido por três jovens cantoras líricas francesas para o projeto do trio Parcae. Elise Gueroult, Léa Sirera e Fiona Fauchois – a primeira é mezzo-soprano, enquanto as outras duas são sopranos – buscam mostrar um trabalho vocal que é resultado de uma investigação sobre a influência da música medieval na tradição da música europeia, trazendo à tona “figuras esquecidas pela história”, a fim de propor um “repertório distante, reorganizado e repensado de forma a ser apresentado com canções dos dias atuais”.

Elas chegaram na manhã de ontem em Campo Grande e estão sendo ciceroneadas pelo quarteto sul-mato-grossense Brasil Opus Música, com quem fazem duas apresentações no Estado, ambas com entrada franca: a primeira delas amanhã, na Capital, no Teatro Aracy Balabanian, às 19h, e a segunda no dia 22, em Bonito, na Praça da Liberdade, no mesmo horário.

Com o seu “repertório distante”, o trio Parcae quer fazer o público “dançar, chorar e sonhar” com as suas intérpretes e com os parceiros com quem desenvolvem a sua arte.

A ideia dos dois recitais em MS, que integram o projeto Catedral Erudita, da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), é justamente trazer para o Estado a oportunidade de se ver – e principalmente ouvir – como se dá a química sonora do Parcae com um dos mais destacados grupos de câmara da cena local.

Idealizado e dirigido pelo maestro e violonista Eduardo Martinelli, o quarteto Brasil Opus Música apresenta, por sua vez, uma abordagem bastante inventiva das tradições brasileiras, sul-americanas e da região do Pantanal.

O grupo é formado por músicos com vasta experiência internacional, tendo se apresentado ao lado de instrumentistas dos Estados Unidos, do Canadá, do Chile, da Argentina, do Uruguai, de Portugal, da Espanha, da Suíça, de Trindade e Tobago, da Coreia do Sul e da Itália.

A formação das duas apresentações com o trio Parcae envolve, além de Martinelli, Brenner Rozales na viola erudita (ou de arco), Gleison Ferreira no violino e Marcelo Geronimo no violoncelo.

Os integrantes do quarteto de CG e do trio francês se conheceram em fevereiro, quando o Brasil Opus Música cumpriu uma agenda de apresentações em Barcelona, na Espanha, e descobriram “uma conexão única entre estilos e abordagens artísticas”, como relata o maestro Martinelli, que fala em “diálogo entre culturas e épocas distintas” e em “transcender fronteiras” ao comentar sobre o encontro no palco com as convidadas.

REPERTÓRIO

Toda essa miscelânea de referências e sensibilidades chegará aos ouvidos do público por meio de um repertório bem eclético, capaz de pôr à prova a versatilidade das duas formações em sua simbiose artística.

E isso com uma interessante pontuação da expressão feminina ao longo do programa, desde “A chantar m’er de so qu’eu no volria”, da trovadora Beatriz de Dia (1140-1180), única “cantiga de amigo” – como são chamadas as canções de amor compostas por mulheres no período medieval – da qual a música 
se mantém intacta, até “Lua Branca” (1911).

Essa segunda canção é uma célebre modinha da carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935), um dos maiores nomes da composição brasileira de todos os tempos, que a fez para a burleta (uma forma de teatro de costumes) “Forrobodó”.

A partir daí, o tema ganharia o cancioneiro nacional, permanecendo como um standard com Olívia Hime, Maria Bethânia e diversas outras vozes. Tema do bis do recital, “Lua Branca” foi uma escolha de Martinelli.

“Sugeri por ser de uma compositora brasileira muito importante e pelo timbre de voz das cantoras também. É uma coisa bonita, e acredito que músicos de outros países podem gostar não só de conhecer, mas também de interagir e se integrar. Achei que tinha muito a ver com a questão das três cantoras. Na minha intuição e no meu conhecimento da forma, achei que era uma coisa muito bacana e que pudesse dar supercerto”, conta o maestro e violonista.

Até os ensaios presenciais de ontem, hoje e amanhã, a interação dos grupos – cada um de um lado do Oceano Atlântico – vinha ocrrendo virtualmente, por WhatsApp e videochamadas coletivas/laterais.

“A troca de material, de verificação de tonalidade e das formas musicais foram antecipadas remotamente”, diz Martinelli.

Confira o repertório completo no box.

Repertório – Trio Parcae & Brasil Opus Música

Parte 1 – Música Antiga

“A chantar m’er de so qu’eu no volria” (Beatriz de Dia); “Le tre grazie” (Barbara Strozzi); “La fille au roi Louis” (autoria anônima); “Quand je menai les chevaux boire” (autoria anônima).

Parte 2 – Ópera

“Habanera” (da ópera “Carmen”,  de Bizet), com Elise e Brasil Opus Música; “Belle nuit o nuit d’amour” (da ópera  “Os Contos de Hoffmann”, de Offenbach), com Léa, Fiona e Brasil Opus Música; “Dueto de Gatos” (Rossini); “Nana” (de “Sete Canções Populares”, de Manuel de Falla), com Léa e Brasil Opus Música; “La rosa y el sauce” (Carlos Guastavino); “Je ne t’aime pas” (Kurt Weill).

Parte 3 – Música Popular

“La vie en rose” (Édith Piaf); “Cucurrucucu Paloma” (Tomás Méndez), com Léa e Brasil Opus Música; “Aatini Al Naya wa Ghanni” (Gibran/Fairuz), com Elise e Brasil Opus Música; “Recuerdos de Ypacarai” (Ortiz/De Mirkin); “Will ye go lassie go” (autoria anônima), com Fiona e Brasil Opus Música; “La valse à mille temps” (Jacques Brel);

Bis: “Lua Branca” (Chiquinha Gonzaga).

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