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SAÚDE

Com 83 anos, hospital que era isolado vira referência em oftalmologia

Chancelado pelo SUS, o São Julião é referência no atendimento oftalmológico em Mato Grosso do Sul mas foi criado pelo governo federal como "leprosário", local que tratava pessoas com hanseníase

5 AGO 2024 • POR Judson Marinho • 09h00
Médico ajusta aparelho para exame oftalmológico em paciente   Foto: Marcelo Victor

De um hospital isolado de Campo Grande, para se tornar uma instituição especialista na área oftalmológica que valoriza a ciência, tecnologia, meio ambiente e o atendimento humanizado. O Hospital Filantrópico São Julião completa hoje (5), 83 anos, onde se comemora sua capacidade de se reinventar ao longo de sua história.

Inaugurado em 5 de agosto de 1941, o Hospital São Julião passou por uma verdadeira transformação ao longo dos anos. Inicialmente o Asilo-Colônia São Julião foi construído pelo governo federal para servir de confinamento para pessoas que tinham a hanseníase, na época conhecidos como “leprosários”.

Porém a partir de 1964, a freira Ir. Silvia Vecellio do Colégio Auxiliadora, se comoveu com a situação dos leprosos, e começou a investir em ações no São Julião com apoio de um grupo de  jovens, religiosos e profissionais da saúde da cidade italiana de Turim.

Com um projeto organizado, os investimentos na infraestrutura do Hospital transformaram o local com a reforma dos prédios antigos, construção de novas unidades e investimento em assistência médica que foi potencializada pela descoberta da medicação que trouxe a cura da hanseníase.

Em entrevista para o Correio do Estado, o Diretor Técnico do Hospital São Julião, Augusto Afonso de Campos Brasil Filho, destaca a referência de atendimento na oftalmologia  que a unidad-e possui. 

“O serviço de oftalmologia é referência no Hospital porque praticamente todas as subespecificidades da oftalmologia são contempladas aqui, desde transplantes até as mais diversas complicações que existem, sendo que 90% dos transplantes de córnea no Estado são realizados aqui”, informou Augusto.

Além dos atendimentos de pacientes, o Hospital também oferece a residência médica para formar novos profissionais para o setor oftalmológico.

“Aqui no Hospital São Julião trabalham mais de 40 oftalmologistas, além dos profissionais que atuam na residência médica, que quando o possível são integrados para termos sempre médicos novos e um pessoal altamente qualificado para o atendimento”, ressaltou. 

O Hospital São Julião também conta com um elevado atendimento na realização de cirurgias eletivas, sendo o responsável por 48% do total desses procedimentos realizadaos em Campo Grande.

Em média são atendidos 3.500 pacientes mensalmente, nas seguintes especialidades: clínica médica, cirurgia geral, oftalmologia, hanseníase, tratamento vascular, pneumologia, otorrinolaringologia, odontologia, endoscopia, colonoscopia, estomaterapia, urulogia, cirurgia plástica reparatória e cardiologia de risco cirúrgico.

Sobre a hanseníase, o diretor técnico do hospital informa como as sequelas da doença e os motivos do preconceito que a sociedade tinha com os pacientes acometidos.

“Este preconceito se deve a um acometimento neurológico, que leva a perda de sensibilidade, alterações motoras e isso muitas vezes impacta na qualidade de vida do paciente, tendo lesões de pele, que causam deformidades e criam a ideia que a hanseníase é uma doença muito ruim e feia esteticamente, sendo marcada pelo estigma e preconceito”, declarou Augusto Afonso.

ISOLAMENTO 

A política pública adotada pelo governo federal nos anos 40, consistia em isolar as pessoas com hanseníase da sociedade, já que na época não havia cura para a doença, colocando assim o Hospital São Julião na periferia da cidade.

Porém com a ajuda da Ir. Silvia Vecellio, a administração do Hospital que era do governo federal, foi repassada em 1970 para a Associação de Auxílio e Recuperação dos Hansenianos (AARH), criada após a chegada da primeira expedição da Itália, que se reuniu aos voluntários campo-grandenses para criar a esta associação.

A assessora de comunicação do Hospital São Julião, Lenilde Ramos, explica que o hospital começou a atender novas especialidades quando foi descoberto o tratamento para a hanseníase.

“Quando foi descoberto o coquetel de medicamentos para a cura da hanseníase, começaram a trazer esta medicação para cá, e a partir da década de 80, a medicação começou a apresentar resultados, e os leprosos que tinham condições de ter alta começaram a ser preparados para serem reinseridos na sociedade”, disse Lenilde.

Este processo de reintegração a sociedade trouxe a possibilidade de se criar novos projetos para o hospital, que começou a contar com uma Escola para os pacientes com hanseníase pudessem aprender a ler a escrever.

“Nos outros leprosários do país, quando começaram a dar alta para os pacientes, muitos fecharam e os funcionários foram demitidos. Em Campo Grande foi diferente,muitos pacientes saíram do hospital com uma profissão. Este processo de transição foi muito importante, porque a partir dele o hospital não foi inativado e novas especialidades chegaram fazendo uma mudança de perfil”.

A direção do hospital ainda almeja no futuro a criação de novos projetos para o São Julião, que incentivem o trabalho científico e tecnológico na medicina. 

"Temos a responsabilidade de preservar a história do São Julião e aprender com ela para que, no futuro,  continuemos valorizando a ciência e a tecnologia sem perdermos a vocação humanitária de nosso trabalho". Declarou o Presidente do Hospital São Julião, Carlos Melke.

Atualmente circulam diariamente pelo São Julião uma média de 2 mil pessoas, entre funcionários,médicos, pacientes, acompanhantes e a comunidade da Escola Padre Franco Delpiano.Diariamente o hospital realiza 400 consultas e no mínimo 70 cirurgias. 

Saiba

A Escola dos tempos da segregação, também se abriu, e atualmente atende os bairros Nova Lima, Anache, Colúmbia e Montevidéu. Hoje ela faz parte da rede estadual, que conta com 400 alunos de Ensino Médio Profissionalizante.