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AGOSTO LILÁS

"O feminicídio é negro e a justiça é branca", diz delegada do Piauí sobre violência doméstica

Criadora da 1ª delegacia de combate a esse tipo de crime no país, Eugênia Villa não apoia punitivismo e defende antiracissmo como política pública de enfrentamento

8 AGO 2024 • POR Thais Cintra • 18h40
Eugênia Villa é a criadora da primeira delegacia do mundo a investigar crimes de feminicídio, aberta em 2015, na capital do Piauí, Teresina   Paulo Ribas | Correio do Estado

Durante evento que integra o calendário da Campanha "Agosto Lilás" nesta quinta-feira (8), a delegada piauiense Eugênia Villa, responsável pela 1ª Delegacia de enfrentamento ao feminicídio no Brasil, afirmou que é necessário um olhar mais acolhedor para as vítimas, sendo a maioria mulheres negras, além da adoção de medidas menos punitivas para redução de casos.

"Já que as mulheres negras se silenciam justamente porque o tratamento dado ao parceiro é punitivista, podemos dar alternativas para elas acessarem a polícia e a justiça. A gente precisa tratar a polícia no pensamento antirracista. O feminismo é negro e a justiça é branca. A mulher preta não quer que o companheiro seja preso, então vamos dar um tratamento administrativo, pois elas sabem como ele vai ser tratado pela justiça e pelo sistema criminal. Muitas dizem: 'Eu só quero que ele não durma na minha casa porque ele vai me matar'. O ideal seria uma medida administrativa e não criminal", analisa.

Com uma medida protetiva expedida a cada um minuto no Brasil, as ações de enfrentamento se tornam mais necessárias.  De janeiro a julho deste ano, já foram contabilizadas 19 vítimas de feminicídio, número 16% maior que no mesmo período de 2023 e 30% menor que no ano de 2022.l

Dados da Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp-MS), também mostram que nos últimos dois anos, 93 vítimas foram mortas no Estado, ou seja, crimes tipificados como feminicídio. Locais onde os crimes ocorreram: 

em residência - 57,0%; vias urbanas - 10,8% ; aldeias indígenas - 7,5% propriedades rurais - 5,4%; vias rurais - 5,4%;  outros 13,9% dos feminicídio aconteceram em locais diversos.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de  2023, mostram que 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, sendo 63,6% negras, 71,1% na faixa etária de 18 a 44 anos e 64,3% foram mortas em suas residências, resultando assim no maior número registrado desde a criação da Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015). 

Eugênia elaborou uma tese de doutorado que destrincha detalhadamente o perfil das vítimas do Piauí.Cerca de 80% das que sofreram violência doméstica no Estado nordestino são negras. Villa deixa alguns questionamentos:

"Porque os agressores são negros e as vítimas também? Como é que a polícia trata as pessoas negras? Quem é que é mais preso pela polícia, negros ou brancos? Como nós tratamos os negros? O que diz o Fórum Brasileiro sobre as intervenções policiais? Quem mais nós matamos? Precisamos mudar o atuar da polícia, nós precisamos ter um letramento racial", destaca. 

Campanha "Feminicídio Zero" mostra a situação de violência contra a mulher - Foto: Divulgação Governo Federal 
Agosto Lilás “Mulheres Vivas, Feminicídio Zero”

Segundo a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres de MS, Manuela Nicodemos, o Estado vem utilizando ferramentas para tentar frear os casos de feminicídio. 

"A gente acredita que às vezes não precisa inventar a roda e sim, valorizar o dinheiro público, o investimento de pesquisa, de elaboração teórica que já foi feito, mas a gente precisa revisar esses instrumentos para poder atualizar a política pública de prevenção à violência e de combate ao feminicídio, para a gente poder revisar as experiências que já foram feitas, mas principalmente elaborar de forma transversal. Estamos convidando as demais secretarias de Estado, o sistema de justiça, poder judiciário e envolver a sociedade civil também, para poder coletivamente traçar novas estratégias de prevenção", pontua. 

Denúncias 

De acordo com o Ministério das Mulheres, de janeiro a outubro de 2023, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – atendeu uma média de 1.525 ligações telefônicas por dia, totalizando 461.994 atendimentos, dos quais, 74.584 foram referentes a denúncias de violência contra mulheres, considerando todas as formas de violências.

Algumas formas mais comuns desse tipo de violência são:

dano ao patrimônio;  destruição móveis da casa da companheira ou ex-companheira; quebra de objetos como celular; não devolução de pertences de ex-cônjuge após separação; retenção de documento (identidade, passaporte); uso de dados pessoais para obtenção de benefícios;  celebração de contratos de empréstimo em nome de ex-companheira, sem autorização, mediante artifício e meio fraudulento;  subtração de instrumentos de trabalho para impedi-la de trabalhar; não pagamento de pensão alimentícia e outros. Como denunciar violência contra mulher

O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.

O serviço também fornece orientação a mulheres em situação de violência, direcionando-as para os serviços especializados da rede de atendimento.

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