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PERFIL Fran vale ouro "Todas as imagens da Rebeca eram da minha câmera", conta a cinegrafista Franciane Dahm, de 31 anos, uma das poucas mulheres que operam câmera no telejornalismo esportivo brasileiro; 15 AGO 2024 • POR Marcos Pierry • 10h00
Franciane Dahm: além da paixão pelo trabalho de operar câmeras nas coberturas esportivas, ela curte ouvir "La Vie en Rose" na versão de Chloé Stafler e de rolês gastronômicos   Fotos: Arquivo Pessoal

Você se forma em Arquitetura na Uniderp, mas, embalada no sonho de ser atriz, junta uma grana e vai para São Paulo (SP) fazer cursos de interpretação  e tentar a vida na área. “Só que financeiramente é muito complicado viver disso, ainda mais uma pessoa que está vindo de fora, não conhece ninguém e não tem indicação”. Então você trabalha em “vários lugares de áreas diferentes” e precisa contratar um profissional de audiovisual “pra gravar umas coisas”.

O resultado é que a arquiteta Franciane Dahm acompanhou aquele dia de gravação para a empresa de parklets para a qual trabalhava e ficou, em suas próprias palavras, fascinada pelo mundo do audiovisual. 
“Aí comecei a pesquisar mais e a gravar com o próprio celular. Aprendi a editar no YouTube mesmo, a fazer edição de imagens, e fui brincando assim. 

Comecei a fazer vídeos pra um ou outro amigo e entrei mesmo no mundo do audiovisual como videomaker”, diz Fran, como a cinegrafista do SporTV de 31 anos gosta de ser chamada.

Nascida em Clevelândia, no Paraná, ela chegou a Campo Grande com 1 ano e na Capital passou a infância, a adolescência, e concluiu os estudos formais. Até que partiu para a cidade de São Paulo, aos 23 anos, com o sonho de brilhar na frente das câmeras que a fustigava desde menina, como sempre 
a recorda Lucimar, sua mãe.

Corte em jump cut para o parágrafo acima: quando a carreira de videomaker começa a dar certo e ela já está atuando com o seu próprio equipamento, mais uma reviravolta sacode a trama da jovem sonhadora.
“Logo depois começou a pandemia. E tive meio que me adaptar ali, porque já ninguém mais queria os vídeos. Tive que me movimentar. Chegou um momento em que a grana ficou apertada e eu comecei a me organizar para voltar pra Campo Grande. Mas, daí, em um último suspiro de tentativa, comecei a mandar meu currículo pra uma galera que eu conhecia”, prossegue.

“Foi por uma indicação que eu entrei na Globo [em junho de 2021], que estava passando por esse período de trazer mais mulheres para essa área da cinegrafia”,conta.

“Fui lá, fiz um teste e entrei como temporária, com a ideia de ficar nove meses e só. Só que aí, no quarto mês, abriu uma vaga e eu fui contratada. Foi dando tudo muito certo”, relata.

“Quanto a um curso de captação [de imagens], foram técnicas que fui aprendendo no YouTube sozinha ou um ou outro curso que eu paguei. Foi mais por conta própria. Não fiz faculdade”, diz a cinegrafista, 
que desde agosto do ano passado, quando regressou da Austrália, onde participou da cobertura do Mundial Feminino de Futebol, foi transferida para a equipe carioca do SporTV.

CORTA PARA PARIS

Foi integrando uma das equipes do canal pago que Fran desembarcou em Paris no dia 19 de julho, para cobrir a Olimpíada. No seu time, estavam o repórter e apresentador Marcelo Barreto e a produtora Aline Falcone. A missão do trio não era cobrir as competições, mas “fazer as entradas ao vivo para os programas da noite”, como o “Jornal Nacional” e o “Ça Va Paris” (SporTV). “Minha demanda de trabalho começava quatro, cinco da tarde, e parava quatro, cinco da manhã”, relata a cinegrafista.

“Fazia uma sequência de entradas ao vivo e depois uma participação nos programas pra contar como tinha sido o dia,  o resultado das competições que o Brasil teve e as competições gerais. Por sorte, com o meu horário assim, eu consegui, na parte da manhã e no início da tarde, conhecer Paris,  a Torre Eiffel, fazer alguns rolês mais turísticos, e isso foi a realização de um sonho de criança. Foi muito massa”, comemora Fran, que seguiu de Paris para Londres, para descansar e visitar uma amiga.

Aliás, foi da capital da Inglaterra que ela concedeu a última parte dessa entrevista, uma conversa fatiada entre “um ao vivo e outro” que ficou ainda mais fragmentada por conta da diferença de seis horas de fuso horário.

“Participei, por exemplo, do bate-papo no “Jornal Nacional” com a Rebeca Andrade, com a Bia Souza, com todos os medalhistas de grupo ou individuais. A minha equipe atendeu mais o SporTV, mas por estar trabalhando de noite, a gente acabou fazendo junto esses outros programas”, conta Fran.

“O marcante é isso, os campeões olímpicos, os medalhistas de ouro da Olimpíada de Paris 2024. Talvez nem tenha caído a ficha ainda. Quando entrei na rede social no dia seguinte em que a Rebeca ganhou, todas as imagens dela eram as imagens da minha câmera. Era eu quem tinha gravado. São situações muito especiais e muito marcantes. Mesmo que não esteja trabalhando durante a competição, de alguma forma eu estava fazendo parte disso”, avalia a camerawoman, que celebra o êxito profissional, mas que não esconde os percalços.

PRECONCEITO

“Ser mulher no audiovisual é meio que um teste diário, com provações diárias. Desde provar que você dá conta de carregar o equipamento até esse preconceito de que mulher não gosta ou não entende de esporte ou não entende de um ou outro equipamento. É o tempo inteiro assim. Já passei por várias, várias e várias situações de eu só estar erguendo o meu equipamento e vir um homem oferecer ‘ai, quer que eu carregue pra você? Tá precisando de ajuda?’”, desabafa.

“Vou fazer uma entrada ao vivo e digo ‘o áudio aqui na minha câmera tá o.k. Pra você aí tá chegando?’. ‘Não, não tá chegando’. Aí já acha que o problema é comigo, mas só por aquele preconceito de ‘ah, é nova, acabou de chegar, não tem experiência, então talvez não sabe do que está falando’. O tempo todo assim nessa provação, sabe? Isso não acontece com cinegrafistas homens com tanta frequência. Sem falar das situações que a gente tem que passar de...”, revela Fran, deixando reticências e um suspiro profundo no fim da frase. “Não sei se é assédio. Talvez não seja a melhor palavra,  mas as ‘situaçõezinhas’ de ter que ouvir uma ou outra coisa, sabe? Um ambiente extremamente machista. É difícil fugir disso. Você vai ter que passar por várias situações desagradáveis, vai ter que ouvir coisas que não está a fim ou respirar fundo, engolir seco. A sociedade está passando ainda por um processo de transformação. As pessoas olham com muita estranheza quando estou andando na rua com a câmera no ombro  e o repórter do meu lado só com o microfone na mão”, denuncia.

“‘Ué? Por que você está carregando a câmera, e não ele?’. ‘Nossa! Você aguenta essa câmera? Não é muito pesada pra você não?’. ‘Você não é muito pequena pra isso?’. ‘Que diferente ter uma mulher na câmera, né?’. Sempre, sempre, com esse olhar de ‘nossa, que esquisito, que estranho!’, e nunca tipo ‘caraca, que massa que isso tá mudando! Que legal!’. E geralmente quem tem essa visão [de reconhecimento positivo] são as próprias mulheres”, prossegue Fran, que demonstra combater o preconceito com a paixão pelo que faz.

RESISTÊNCIA

“Vou continuar trabalhando, entregando e dando o meu máximo todos os dias desde que eu entrei. Não é porque eu passei por um grande evento desses que vai mudar alguma coisa. Vou continuar ali fazendo 
o meu, me dedicando e sempre buscando melhorar e aprender e evoluir. O objetivo é esse”, elenca.

“Não dá pra parar nem pra dar ré na vida. É isso que eu amo fazer. Tenho muito tesão em fazer o que eu faço, trabalhar com o que trabalho, porque é uma realização e me dá muito prazer pensar em um enquadramento, decidir qual o equipamento que vou usar”, conclui.