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ARTIGOS

Um pacto pela natureza

21 AGO 2024 • POR Ângelo Rabelo, Presidente Instituto Homem Pantaneiro (IHP) • 07h30

Nos últimos 60 dias, eu desperto ao som das aeronaves de combate ao fogo, das Airtractor e dos helicópteros, no centro do furacão dos focos de calor – a cidade de Corumbá.

Aproximadamente 900 homens estão dedicados ao combate ininterruptamente, virando turnos de 24 horas. Os custos devem ultrapassar a casa dos R$ 3 milhões diários.

Não temos antecedentes de tanto apoio com brigadistas, helicópteros, barcos e reconhecimento político, especialmente do governo federal, da importância de proteger o bioma. Vivemos extremos climáticos de forma cada vez mais intensa.

O índice meteorológico de perigo de fogo acumulado neste ano é o maior da história desde 1980, segundo relatório do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ).

As altas temperaturas e a seca extrema elevaram a disponibilidade de material combustível em toda a região. O fogo surgiu e ressurgiu em diferentes lugares, ameaçando e queimando propriedades rurais, cidades, pousadas, gente e vidas silvestres.

O fogo mostrou sua força e arrogância diante das limitações humanas. Inúmeras iniciativas, dos governos federal e estadual, antecederam ao fogo com um enorme planejamento, com investimentos e medidas legais.

Mesmo assim, o fogo foi imperdoável em alguns lugares. Não falhamos! Apenas estamos lidando com algo sem precedentes. Vivemos um evento climático com escassez hídrica histórica.

A necessidade de reavaliar as estratégias é o único caminho possível e necessário. Ele não pode ser pautado pelo negacionismo nem por acusações infundadas.

A criminalização tampouco deve ser o único caminho. Atribuir a origem do fogo às reservas ou às áreas protegidas é um preconceito e uma zona de conforto para não querer entender o momento climático atual.

Essas áreas protegidas representam menos de 5% do bioma. Em uma análise preliminar, as causas passam pela necessidade de mudar uma cultura local, a exemplo de usar o fogo para queima de lixo, espantar mosquitos e a extração de mel.

Essas práticas são comuns ainda hoje. A origem do fogo em fazendas não é comum, pois, ao perder o controle, significa prejuízo na queima de cercas, mangueiros, etc.

A necessidade de sentarmos a mesma mesa – a exemplo da elaboração da Lei do Pantanal – é o único caminho possível de criarmos condições para esse enfrentamento. A recente aprovação da nova Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, inspirada na experiência dos manejos tradicionais, representa um avanço importante diante da proibição radical.

Devemos revisitar nosso planejamento para buscar aprimoramento para os próximos combates. Redefinir bases, meios de acesso, e aprimorar o uso de tecnologia, otimizando os recursos disponibilizados.

A maior oportunidade e o maior desafio estarão na necessidade de melhorarmos o tempo de resposta ao início do fogo. Estamos lidando com um território gigantesco sem estradas.
Outro ponto a ser avaliado é que devemos ter quase 1 milhão de hectares sem gado e sem gente por inúmeras razões.

Essas áreas, sem nenhum tipo de manejo, favorecem o acúmulo de material propício à propagação do fogo. Podemos evoluir nessa batalha se pautarmos todas as iniciativas com o mesmo propósito – que é de fato proteger esse bioma – e com todos os que têm esse compromisso, respeitando o propósito de cada um no seu uso da terra.

A chuva necessária chegou de forma a renovar nossas forças e até deu uma pequena trégua, pois teremos extremos de calor nas próximas semanas. Ela nos dá a oportunidade de sermos melhores, afinal, “somos todos devedores dessas águas”.

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