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Mais um round entre Senado e Anvisa na liberação de cigarros eletrônicos Por Claudia de Lucca Mano, advogada e consultora empresarial 22 AGO 2024 • POR Claudia de Lucca Mano - Advogada e consultora empresarial • 07h45

A regulamentação dos cigarros eletrônicos está na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Após tentativas de votação no primeiro semestre, o texto que regulamenta a produção, a comercialização, a fiscalização e a propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil (PL nº 5.008/2023) pode ser votado no começo do mês de setembro.

O projeto é de autoria de Soraya Thronicke (Podemos-MS) e pretende liberar a produção, a importação, a exportação, a comercialização e o consumo dos cigarros eletrônicos em todo o território nacional.O projeto de lei torna obrigatório registro sanitário para os cigarros, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com a taxa sanitária de R$ 100 mil. A proposta, porém, dispensa o registro paraprodutos sujeitos exclusivamente à exportação, vedada a reentrada no Brasil.

Importante destacar que a Anvisa proíbe os cigarros eletrônicos desde 2009. No final do ano passado, a agência revisitou o temae havia expectativa de que a trilhasse o caminho da regulamentação dos dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes, pods, e-ciggarettes, e-pipe, e-cigar e heat not burn. Com a manutenção da proibição, a Anvisa frustrou entusiastas da redução de danos, empresas e cidadãos interessados em uma regulamentação mais proativa. A redução de danos interessaria aos tabagistas, que enxergam no vape a possibilidade de trocar o cigarro convencional por uma alternativa que (acreditam) seja menos prejudicial.

Segundo dados do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), no fim do ano passado, quase 3 milhões de brasileiros já consumiam o produto no Brasil. Mesmo que o consumo de cigarros seja proibido para menores de 18 anos, dados do IBGE indicam que 18% dos adolescentes, entre 13 e 17 anos, fazem uso do vape.
 

Evidenteque existe um mercado ilegal que abastece os consumidores brasileiros com produtos contrabandeados. Esse é o ponto mais frágil do projeto que vai a votação: ao dispensar o controle sanitário de produtos supostamente exclusivos para exportação, o PL facilita tremendamente a logística do comércio ilegal. Claro, se hoje os importados já chegam aos pontos de venda em quantidades e variedades que fazem duvidar da proibição, com a produção dentro do território nacional, sem registro na Anvisa, o buraco tende a ser ainda maior. 

Um ponto positivo do projeto é o que determina que a Anvisa realize a comparação toxicológica entre o cigarro eletrônico e o cigarro convencional para avaliar se a versão eletrônica, objeto de pedido de registro, oferece risco inerente à saúde maior, igual ou menor que o risco inerente ao consumo do convencional. Com isso, o Brasil se posicionaria na corrente de redução de danos, a exemplo de países como o Reino Unido, que tem politicas públicas que estimulam usuários a trocar o tabagismo convencional pelo cigarro eletrônico. 

Acredito que regulamentando, criando parâmetros, controlando a qualidade, a toxicidade e a composição dos produtos, a Anvisa teria ferramentas para proteger a sociedade brasileira dos cigarros eletrônicos clandestinos, que hoje inundam o mercado, são vendidos sem qualquer controle e consumidos por adolescentes.

No passado, o Congresso Nacional desafiou a Anvisa e perdeu a briga. Isso no caso da liberação de anorexígenos emagrecedores, objeto de proibição pela agência em 2014. Na ocasião, foram banidas substâncias como femproporex, mazindol e anfepramona. Em reação, o Congresso aprovou a Lei Federal nº 13.454/2017, liberando o consumo.

Mesmo assim, a Anvisa barrava os pedidos de importação. E as vigilâncias sanitárias locais continuavam apreendendo os anfetaminicos, ignorando a liberação do Congresso. Os produtos eram obtidos em plantas de farmoquímicos situadas em território nacional. Por anos, foi tema de judicialização, para garantir o acesso de farmácias e pacientes a produtos manipulados à base de anoréxicos, considerados por alguns médicos como importantes no tratamento de obesidade grave. 

O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu, em 2021, invalidar a lei federal, confirmando que a Anvisa é o órgão competente para decidir sobre o uso de substâncias que podem afetar a saúde da população.

Portanto, mesmo que avance no Senado a regulamentação do cigarro eletrônico, a Anvisa precisará regulamentar, analisar processos de liberação de importados e nacionais, fiscalizar cargas de fora do Brasil e definir parâmetros analíticos, situação que permite à agência lançar mão de inúmeros instrumentos regulatórios restritivos ou até impeditivos para o setor. É muito provável que o tema pare novamente nas mãos do Judiciário, causando incertezas e insegurança jurídica.

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