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Música

"Para entender nossa cultura, é necessário escutar Helena Meirelles"

Em entrevista ao Correio B, o instrumentista Julio Borba, que se apresenta na Concha Acústica Helena Meirelles neste domingo, fala sobre o seu estilo de tocar o violão de sete cordas, suas influências "brasiguaias" e sobre o novo álbum

23 AGO 2024 • POR Marcos Pierry • 15h00
O violonista Julio Borba: música paraguaia e influência de textos psicanalíticos   Divulgação
Julio, como será o show de domingo na Concha Acústica Helena Meirelles?

Em um processo de amadurecimento do meu repertório solo para violão de sete cordas, levarei para esse concerto um repertório autoral, contextualizado na cultura de Mato Grosso do Sul, que venho desenvolvendo ao longo dos últimos dez anos, mas que só ganhou corpo como um projeto estruturado e maduro agora em 2024. Apresentar esse trabalho para o público da capital Campo Grande é uma realização pessoal, pois, trabalhei, em minhas pesquisas artísticas e acadêmicas, a paisagem sonora e as identificações culturais de nossa região. É muito bom poder devolver essa reflexão para as pessoas que me ajudaram a construir o meu trabalho, meu público, meus interlocutores e os amantes da música que estarão presentes neste domingo.

Pode falar sobre o repertório?

Estou muito feliz por apresentar as músicas em que acredito e que me dão vontade de viver e sonhar. Tocarei minhas composições com inspirações na música paraguaia e brasileira, trazendo junto influências paraguaias como de Agustin Barrios, Cardoso Ocampo, Félix Pérez Cardoso e brasileiras como Baden Powell, Tião Carreiro, Dino Rocha, Almir Sater e Helena Meirelles. São marcantes também no meu fazer musical influências da música de concerto como do cubano Léo Brouwer e do francês Claude Debussy.

Algumas músicas desse repertório nunca foram gravadas e são danças como chamamé e polca paraguaia, estilos marcantes no nosso estado, os quais podemos considerar de dentro de uma região fronteiriça. Tocarei também neste show versões de clássicos da cultura caipira e chamamezeira, como “Rio de Piracicaba”, de Tião Carreiro e Lourival dos Santos, assim como “Km11”, de Tránsito Cocomarola. Enfatizo também neste show as influências dos textos psicanalíticos, pois, no processo de análise de meus sonhos, compus três músicas que contextualizo por meio de meus poemas, inspirados em sonhos.

Há como resumir o tipo de música que irá apresentar na concha?

Meu estilo se localiza na música instrumental brasileira, e paraguaia, principalmente na música caipira, no choro e também no chamamé e polca paraguaia. Em um neologismo me identifico com o termo “música instrumental brasiguaia”.

Aliás, a violeira que dá nome ao espaço acaba de completar 100 anos de nascimento. Gostaria de dizer algo?

Sim, pra mim é um orgulho e responsabilidade tocar neste lugar, um espaço importante para nossa cultura e para nossa música instrumental. Para mim, a Helena Meirelles, além de ser uma das maiores referências musicais de nosso país, também é um exemplo de humildade e coragem, quem conviveu direta ou indiretamente com ela sabe de sua capacidade e resiliência para enfrentar os grandes desafios na vida de um artista.

Ela lutou e nos encantou durante toda a sua vida, tocar as minhas composições na Concha Acústica Helena Meirelles é como dar continuidade ao seu legado musical. Para entender a nossa cultura num sentido amplo e profundo, é necessário estudar e escutar o trabalho dessa incrível violeira. 

O que diria do seu próprio estilo de tocar hoje? E como se estabeleceu o foco na expressão do regional local e transfronteiriço em diálogos, fusões e releituras a partir das referências que traz? Me refiro a isso tendo em mente algumas apresentações recentes, como no Teatro do Mundo e no Espaço Arte e Vida.

Meu estilo de tocar foi construído por uma vivência desde a infância no contexto de Mato Grosso do Sul, também chamado de pantaneiro, ouvindo música caipira e os ritmos hipnotizantes de nossa fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia. Desde criança escuto e leio as poesias de Manoel de Barros e a sanfona de Dino Rocha. Essas influências foram marcantes. Na minha adolescência aprendi a ler partitura no projeto do governo estadual chamado Musicalizando (entre 2006 e 2007). Ao ser alfabetizado na música, pude ler partituras dos grandes mestres do violão na cultura ocidental, o que modificou para sempre a minha escuta.

Desde que me identifiquei como músico profissional, tenho essa busca incessante para relacionar, acoplar ou fazer fusões entre diferentes musicalidades. Na prática, faço relações entre músicas mais reflexivas e intelectuais e as músicas de baile, por isso, hoje minhas músicas tem pelo menos duas intencionalidades, uma onírica e reflexiva e outra da festa e dos encontros, o que ao meu ver, traz à tona as contradições e divisões que constituem a realidade humana, de uma maneira original e totalmente influenciada por nosso contexto cultural.

Como tudo isso vai soar no disco novo? Tem data de lançamento prevista?

Esse projeto tem a finalidade de propor um conceito estético original, aliando a reflexão sobre a realidade dos sonhos traduzidos em música com gêneros musicais populares de nossa região, como o chamamé e a polca paraguaia. A unidade estética desse trabalho se dá por sua realização exclusivamente feita no violão de sete cordas, como locutor dessa narrativa, ao mesmo tempo onírica e com os pés no chão, junto de meu povo.

Neste álbum declamo três poesias de minha autoria para contextualizar e conduzir os ouvintes nesse cenário do inconsciente, com uma arquitetura musical trabalhada em seus mínimos detalhes. Gravei oito músicas neste novo álbum, com o nome “Sete Cordas e Um Poema”. Com captação, mixagem e masterização do produtor Anderson Rocha, esse trabalho será lançado no mês de dezembro.

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