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TEATRO

Caco Monteiro estreia a peça "Godó, o Mensageiro do Vale"

Com 45 anos de carreira no teatro, no cinema e na televisão, o ator baiano Caco Monteiro estreará na Capital "Godó, o Mensageiro do Vale", seu primeiro espetáculo solo, com texto próprio e direção do inglês John Mowat

28 AGO 2024 • POR Marcos Pierry • 10h30
"Quando entrei pela primeira vez no Vale do Pati, aprendi que é possível ver e viver o mundo sem a loucura do consumismo capitalista"   Foto: Cláudio Zakka

Um menino brinca com dois amigos em um riacho, vê uma revoada de vaga-lumes e leva um de presente para a mãe. Essa é a premissa de “Godó, o Mensageiro do Vale”, peça escrita, interpretada e produzida por Caco Monteiro.

Sete anos após a estreia – e um roteiro de apresentações que inclui Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Sergipe, Portugal, Angola e, na semana passada, Bonito – o impressionante espetáculo do ator baiano, com direção do inglês John Mowat, aporta finalmente em Campo Grande.

Serão duas sessões com entrada franca, amanhã e sexta-feira, sempre às 20h, no Teatro Aracy Balabanian. Caco tem 63 anos e começou no palco aos 18 anos.

Seu personagem mais conhecido deve ser o Gervásio da telenovela “Laços de Família” (2000/2001), que tinha Vera Fischer, Tony Ramos, Carolina Dieckmann, Reynaldo Gianecchini e Marieta Severo entre os protagonistas. Seu portfólio no cinema tem dezenas de produções dirigidas, por exemplo, pelo chileno Miguel Littín e os brasileiros Geraldo Sarno e Vicente Amorim. 

Mas parece que “Godó” é mesmo o grande xodó de Caco. O nome do personagem vem de um prato típico – um purê de banana-verde – da Chapada Diamantina, onde Caco aprofundou sua pesquisa sobre um fato real – a proibição do cultivo do café na região, em 1967, que provocou o êxodo de quase todas as famílias que ali viviam – para dar vida à sua ficção.

“Lá encontrei a pureza da alma humana ainda intacta, e tentei mostrar no meu espetáculo essa pureza”, diz o ator, que vive cinco personagens em cena, na entrevista a seguir.

Sete anos depois da estreia, quem é Godó pra você? E o que esse personagem eventualmente vem te ensinando?

Godó me ensina desde a sua concepção, quando fui para o Vale do Pati , na Chapada Diamantina, na Bahia, fazer as entrevistas com os patizeiros para a minha pesquisa teatral. Foi através deles que vi que o ser humano ainda é possível.

Foram os patizeiros que me ensinaram que a vida é muito mais simples, que o conhecimento da vida está na natureza, nos rios, na terra onde eles vivem e tiram o seu sustento.

Quando entrei pela primeira vez, em 2002, no Vale do Pati, um lugar de difícil acesso [só é possível entrar no vale a pé ou a cavalo], praticamente sem comunicação com o mundo exterior, aprendi que é possível ver e viver o mundo sem a loucura do consumismo capitalista.

Lá, encontrei a pureza da alma humana ainda intacta na sua essência e tentei mostrar no meu espetáculo essa pureza através do meu personagem Godó.

Com mais de quatro décadas de carreira, e experimentando o trabalho de ator em diferentes suportes, quais seriam os desafios do espetáculo no que diz respeito à interpretação e ao jogo de cena consigo mesmo?

Eu tenho 45 anos de estrada profissional como ator, e desde sempre busquei me desafiar. “Godó, o Mensageiro do Vale” é meu primeiro texto para teatro e também o meu primeiro espetáculo solo. O desafio foi estar só em cena. Construí uma narrativa para cinco personagens vividos por mim, onde eles dialogassem entre si.

Trouxe o diretor inglês John Mowat, que tem um método chamado Teatro Físico Visual, onde o corpo do ator é dividido em cinco partes: o andar, o gestual, a postura, a voz e o olhar. Isso facilitou poder contracenar comigo mesmo. Eu mudo de personagens sem trocar de roupa em cena, apenas com a voz, o andar e o olhar.

Busquei também trazer o Vale do Pati para dentro do teatro através do som. O espetáculo não tem música, apenas sons da natureza, e isso ajuda muito na narrativa da história. Busquei trazer a interpretação do ator para o centro da trama, sem muito cenário, tenho apenas folhas secas no chão e os personagens da história impressos em uma lona de caminhão como uma pintura rupestre pendurada no fundo do palco.

Além da pesquisa in loco na Chapada Diamantina, poderia falar sobre possíveis referências e inspirações na concepção artística da montagem?

Eu sou apaixonado pelo realismo fantástico. Antes de escrever o texto, li muitos autores desse gênero literário: Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Guimarães Rosa, Manoel de Barros e tantos outros.

Histórias da minha infância ouvidas através da minha babá também me valeram como referência, além de espetáculos teatrais que vi ao longo da minha estrada artística, de diretores como Antunes Filho, Sérgio Brito, Nehle Franke, Rubens Correa, Kazuo Ono, Tadeus Kantor, etc.

E como tem sido a experiência de trazer a “mensagem do Vale” para Mato Grosso do Sul?

Maravilhosa. Nossa apresentação no Festival de Inverno de Bonito foi sensacional. Meu desafio desde a estreia do espetáculo era saber se o meu texto era universal, se era muito localizado apenas na região da Chapada Diamantina. Para nossa grata surpresa, não.

Felizmente, vimos que ele toca no coração das pessoas, seja em Luanda [Angola], Setúbal [Portugal], Comunidade Quilombola de Jatimane [no Baixo Sul da Bahia] e tantos outros lugares em que já passamos. Godó representa o amor pela sua terra, e isso é universal.

Desde o início do projeto, Godó, o teatro e a arte brasileira viram, de Lula a Lula, a passagem da Dilma, de Temer e de Bolsonaro pelo poder. É um outro Brasil. Poderia comentar sobre como é o fazer teatral diante de tantos solavancos na sociedade, no mercado e na política cultural? E por que continuar fazendo?

Eu produzi meu espetáculo com recursos próprios. Fazia um filme, pegava meu cachê e pagava o diretor. Gravava um comercial de TV e pagava o iluminador. Gravava uma locução e pagava o cenógrafo.

Assim foi feita a minha produção. Levei dois anos ensaiando e levantando a grana para pagar as pessoas. Nos governos Lula e Dilma existem mais incentivos para as produções através de editais que ajudam muito as produções. Nos governos Temer e Bolsonaro, esses incentivos não existem.

Não é fácil produzir teatro sem esses incentivos, mesmo tento as leis como a Rouanet e algumas estaduais. O empresário brasileiro não tem a prática de investir na cultura, mesmo com essas leis de renúncia fiscal. É uma pena, mas graças a Deus eu nunca esperei, sempre fui à luta para realizar meus projetos.

Meus próximos projetos serão o lançamento do meu documentário de média-metragem chamado “As Águas do Rio de Yá Nitinha D’Oxum”, sobre uma das yalorixás mais importantes do Brasil, Aeronithe da Conceição Chagas (Mãe Nitinha), da Casa Branca de Salvador, agora, neste segundo semestre.

E estou no processo de pesquisa do documentário “Caiu um Circo no Olho da Cidade – A História do Gran Circo Troca de Segredos”, um circo que tive na década de 1980 em Salvador, que foi um espaço cultural que lançou muitos músicos, como Margareth Menezes, por exemplo.

Fomos contemplados com a Lei Paulo Gustavo na Bahia. Também, levar o Godó para o Nordeste, que ainda não fomos. E acabei de gravar uma série para TV chamada “Pensão Ludovico”, com direção da Ceci Alves.

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