A Liga (The Union). O Sindicato. Citadel. São apenas três nomes para as agências de espionagem usados em três franquias que reportam o cenário do universo dos espiões atual: mercenários bonzinhos, bem treinados para matar e vivendo uma vida nababesca de luxo e sofisticação para encontrar disquetes que contenham as identidades dos agentes.
Há leilões disputados por nações do mal onde nossos heróis precisam participar para identificar compradores. Há sempre um traidor que decide que uma vez que o mercado não é mais sobre patriotismo, que “fazer o bem mundial” inclui ficar rico.
Algo assim. E claro, há três outros cenários: 1) a mulher lidera; 2) a dupla de espiões é perfeita junto, mas tem problemas pessoais a superar e/ou 3) um dos agentes, preferencialmente a mulher, elege um cidadão comum para treiná-lo e transformá-lo em menos de 48h em um dos melhores agentes do campo. Claro, eles vencem.
Agora o teste: estou falando de A Liga, Missão:Impossível ou Citadel? Netflix, Paramount Plus ou Amazon Prime Video? Na MAX tem Kayley Cuoco vivendo o mesmo cenário em The Flight Attendant e, especialmente, Role Play. Na Apple TV Plus e Disney Plus eu já esqueci. Mas entendem o que digo?
Para quem cresceu nos anos 1970s e 1980s, havia a Guerra Fria e com isso, 007 representava o Governo Britânico e o Ocidente. Hoje ele é um funcionário público coadjuvante dos agentes independentes que se uniram para proteger o mundo de líderes corruptos. Quem paga a conta? É incerto, mas eles rodam o mundo em jatinhos, vivem em áreas e apartamentos luxuosos na Europa e se vestem como modelos. O que interessa é ter uma franquia.
No caso de A Liga (The Union) há o atrativo de unir uma sumida Halle Berry e um sempre carismático Mark Wahlberg, numa trama irrelevante que os leva à Inglaterra (destruindo Londres) e Itália, sem esquecer do passeio por Nova Jersey. Eles são ex-namorados de escola que resgatam a liga/química entre eles para salvar o mundo ao recuperar o disquete roubado com a identidade de todos os agentes espalhados pelo globo.
Curiosamente, Roxanne (Halle Berry), a espiã líder de uma organização governamental de elite, elege recrutar o ex-namorado do ensino médio, Mike McKenna (Mark Wahlberg), que nunca exatamente saiu de onde se conheceram, vive com sua mãe e é um trabalhador da construção civil, para ajudá-la uma missão na qual ela já tinha falhado antes.
Porquê “apenas Mike” possa ser o melhor para a função é porque a Liga é uma agência secreta que usa “pessoas comuns que têm mais inteligência de rua do que de livros” para formar sua equipe de superespiões. Em outras palavras: espertinhos de rua superam os agentes treinados e cultos. Também podem ser mais vulneráveis à corrupção, como veremos com o lado antagonista.
Sim, você está vendo um filme onde James Bond é um operário, como o astro Mark Wahlberg reconheceu em uma entrevista à Tudum. “Todo mundo ama Bond. Percebemos que talvez não tivéssemos a chance de ser James Bond, então que tal fazermos nossa própria versão de um James Bond operário?”, ele avisa.
Essa é a parte óbvia de um filme “sem liga” ou alma: já conhecemos a trama, já antecipamos o final. As lutas não são incríveis, não há drama ou nem mesmo acrobacias inacreditáveis. É apenas um filme mediano, sem nem mesmo potencial de nos deixar aguando a continuação, que haverá.
A ressalva, e é preciso fazer, é que o relacionamento da dupla é mais complexo e plausível, aborda aspectos mais profundos pelos quais não ficaram juntos antes e porquê ainda se gostam. Sem grandes gestos ou dramalhões, mas adultos realistas e amadurecidos para lidar com o problema. Isso foi bem interessante.
A volta de Halle Berry a um filme de ação, depois da sua maravilhosa Jinx na franquia Bond (que sempre foi considerada para spin off e nunca saiu do papel), até que nos dá alguma esperança, mas não decola pela falta de criatividade do roteiro. Ela e Mark são amigos há mais de 30 anos (comprovados com fotos nos créditos) e ainda não tinham trabalhado juntos antes. Pena que elejeram um projeto tão meia-bomba para consertar isso.
Para quem estava tratando do filme por quatro anos, como é o caso para Mark Wahlberg, é ainda mais lamentável que não tenha buscado evitar tantos clichês reunidos. O ritmo está bom, até o flerte está legal, mas não tem objetivo ou reviravoltas que nos faça engajar, O brilhantismo de Tom Cruise de estar há 28 anos (em 2024) nos encantando com Ethan Hunt em sete filmes (oito se considerarmos que dividiu o 7 em 2) está em manter uma história “simples” paradoxalmente complexa.
O departamento da MI faz parte do governo americano e combate o sindicato de mercenários que desestabilizam a economia mundial. Algo que dá para “acreditar”. Qualquer argumento de independência política ou nacional só se aplica para os Avengers por serem super-heróis, mas nem eles conseguem ter neutralidade. Hollywood discorda, claramente. E agora temos a nossa nova franquia…