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ARTIGOS

Com a alma partida em mil pedaços

20 SET 2024 • POR Dartagnan da Silva Zanela Professor, escrevinhador e autor de "A Quadraturaa do Círculo Vicioso" • 07h30
Caminhos da vida   Arquivo

Há um belíssimo ensaio de Ortega y Gasset, intitulado “No Ser Hombre de Partido”, em que o mesmo nos apresenta uma longa reflexão sobre a tomada de posição em relação às contendas políticas que tomam conta da vida nas sociedades contemporâneas.

Como todos sabemos, não existe essa história de não tomar partido, e isso vale, principalmente, para a turma que prefere se colocar em uma torre de marfim, toda limpinha, acima do bem e do mal, muito além das disputas e das picuinhas da direita e da esquerda; pessoas essas que se consideram isentas, prudentes e muitíssimo sofisticadas e que, de forma muito ladina, querem apenas e tão somente, se possível for, tirar o máximo de vantagem de qualquer time que venha a encilhar sua cela política na égua baia do poder estatal.

Se nos portamos desse modo, não estamos, de modo algum, agindo por princípios. Estamos apenas elevando, a categoria de princípios, os nossos interesses tacanhos e imediatistas.

Doutra parte, não há nada de profundamente meritório em ser um “homem de partido”, que defende com unhas e dentes todas as traquitanas e estripulias que são orquestradas por um partido político ou que são praticadas em nome dele.

Quando procedemos dessa maneira, acabamos por confundir a tomada de partido em relação a algo, com a tomada de nossa consciência por um partido, para nos manipular em relação a tudo.

Como diria Ortega y Gasset, muitas e muitas pessoas preferem agir assim por causa da segurança psicológica que lhes é dada pelo fato de estarem integrando um grupo. Há pessoas que preferem ter sua mente carregada pelas mãos invisíveis de um partido, e arrastada pelos tentáculos de uma multidão, do que andar, de forma claudicante, com pernas da sua própria consciência.

Diante do exposto, o que seria então menos danoso para a nossa personalidade: a atitude cínica do “isentão” ou o engajamento insensato e temerário nas fileiras de uma ideologia? Francamente, penso que nem uma coisa, nem outra.

Devemos, sim, no meu entender, nos esmerar em tomarmos uma posição clara em relação à realidade dos fatos da vida, à luz da nossa consciência. Por isso, recuar pode ser uma opção, avançar também, mas nos calar e nos omitir, não. De jeito maneira.

Sim, podemos nos equivocar ao tomar uma decisão, como podemos estar redondamente mal-informados a respeito dos acontecimentos que estão marcando os caminhos e descaminhos da sociedade, mas seremos nós que estaremos cometendo esse erro e assumindo a responsabilidade. Não terá essa de nos fiarmos na máxima de Homer Simpson, que diz: “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”. Nada disso.

Agora, quando colocamos nossos interesses mesquinhos acima da nossa consciência, o trem desanda de vez, porque, desse modo, acabamos por eleger como critério de julgamento das nossas decisões, da nossa “cidadania”, tão só e simplesmente o tamanho das vantagens pecuniárias que poderão ou não ser obtidas por nós em uma disputa de poder, seguindo à risca a velha lei de Gerson.

E se aderimos apaixonadamente a um partido, colocando-o no lugar da nossa consciência, adotando suas diretrizes como se fossem os princípios orientadores da nossa vida, o único critério de avaliação que teremos será a conquista do poder pelo partido e, é claro, a manutenção da presença do dito-cujo nas entranhas da besta-fera estatal.

Por isso, tomar partido, de forma responsável, é defender a soberania da verdade sobre todos os interesses, inclusive e principalmente sobre os nossos. Ser um homem de partido é tomar parte na luta pela defesa da majestade da verdade sobre todos nós, principalmente quando a verdade está nos chamando a atenção para as nossas inúmeras fraquezas e limitações.

Sejamos de direita, de esquerda, ou tico-tico no fubá (isentão), é de fundamental importância que procuremos lutar para preservar a nossa mente das sedições que se levantam contra ela, sublevações essas que abundam nesse mundo e que não medem esforços para nos degradar, e, principalmente, lutemos, sem fatigar, para proteger nossa consciência contra as mil e uma fraquezas do nosso caráter, ou da falta dele.