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O povo e o governo

Por Ives Gandra, advogado e professor

25 SET 2024 • POR Ives Gandra, advogado e professor • 07h30
Caminhos da vida   Arquivo

Aristóteles dividia os governos em seis. Considerava o melhor deles – aquele dirigido por um homem bom só voltado para o povo – mais fácil de se encontrar em uma monarquia. 

O segundo seria o da aristocracia, com um grupo de homens dedicados a governar para a comunidade.

Já o terceiro melhor seria a politia (política), quando o povo se dedica a procurar o bem da coletividade na escolha de seus dirigentes, mais do que seu interesse pessoal. Politia vem de polis (cidade), pois a Grécia – desde os aqueus, dórios e jônios – era um conjunto de cidades-estado, que só se unificaram com os macedônios e com Alexandre Magno, o qual, de resto, foi discípulo do filósofo.

Enumerava, em seguida, os governos maus, sendo o menos ruim a democracia, governo do povo voltado para si mais do que para a comunidade. Demos, em grego, é povo. Depois vinha a plutocracia, um grupo de homens maus governando. Por fim, a pior das formas: a tirania.

Norberto Bobbio, quando proferiu uma série de palestras sobre as formas de governo, coletânea publicada pela Universidade de Brasília (UNB), realçou a importância da divisão de Aristóteles para a compreensão de uma teoria do poder, algo que – de forma mais modesta, embora mais abrangente – procurei esclarecer no meu livro “Uma Breve Teoria do Poder” (Resistência Cultural Editora), cuja quarta edição foi prefaciada por Michel Temer, tendo as anteriores sido apresentadas por Ney Prado e António Paim.

Por que trago essas considerações aos meus amigos leitores? É que me causou surpresa que, em relação ao desfile oficial do 7 de Setembro, a maior parte do trajeto percorrido pelo carro com o Presidente da República estava repleta de seguranças, mas sem o povo, apenas um pequeno número de pessoas perante o palanque oficial repleto de autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e do governo Lula, além do presidente do Senado e a ausência do presidente da Casa do Povo.

Enquanto a ausência popular se fazia notar em Brasília (DF), já a Avenida Paulista, em São Paulo (SP), estava completamente lotada por centenas de milhares de brasileiros, que mostravam seu descontentamento com a interferência permanente nos direitos individuais e na liberdade de expressão por parte do Pretório Excelso, pedindo medidas do Congresso para corrigir as distorções da aplicação da lei suprema, as quais entendiam fragilizar a democracia.

A escassez do povo no evento dos que se autointitulam defensores da democracia e a multidão de brasileiros na manifestação dos que se sentem perseguidos pelos pretendidos protetores democráticos que estão reescrevendo a Constituição promulgada pelos deputados constituintes de 1988 constituem, pelo menos, matéria para reflexão, principalmente agora em que se vê o povo que deu vitória a Gonzalez, em multidão nas ruas, e o sanguinário ditador do país se autoproclamando vencedor de uma eleição sem provas e sem gente nas ruas para lhe mostrar simpatia.